Guerra Israel-Hamas

"Dez quilómetros não é nada". Luso-israelita em sobressalto às portas da Faixa de Gaza

16 out, 2023 - 10:51 • André Rodrigues

Marina Erlich está alojada temporariamente em casa de um familiar, depois do prédio onde vive, na cidade de Ashkelon, ter sido atingido por um rocket do Hamas durante o fim de semana. O medo não a faz querer sair de Israel: "sinto que o meu lugar é aqui e, se esta é uma guerra contra o terror, então eu também faço parte desta guerra".

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"Dez quilómetros não é nada". Luso-israelita em sobressalto às portas da Faixa de Gaza
"Dez quilómetros não é nada". Luso-israelita em sobressalto às portas da Faixa de Gaza

"Não, eu não saio daqui". A afirmação de Marina Erlich é perentória.

Marina é luso-israelita e vive em Ashkelon, a pouco mais de 10 quilómetros da fronteira entre o sul de Israel e a Faixa de Gaza.

Muito pouco, para uma cidade que, nos últimos dias, tem estado constantemente na mira do Hamas.

"Numa outra ocasião, deram a seguinte uma instrução de segurança. Quem viver a menos de x quilómetros, tem de entrar imediatamente no abrigo, porque nós, às vezes, recebemos essas instruções já preventivamente, ainda antes das sirenes soarem", conta Marina, em entrevista à Renascença.

A curiosidade fê-la recorrer ao Google Maps para perceber quão longe estava: "coloquei como é que eu ia daqui até à Faixa de Gaza e aquilo deu determinados quilómetros. Mas, claro, aquilo ia pelas estradas. Agora, em linha reta, eu estou a 10 quilómetros e os mísseis atravessam o território em linha reta. 10 quilómetros é o que muita gente corre a fazer jogging de manhã antes de ir para o trabalho. Não é nada".

Marina Erlich e a família já interiorizaram as rotinas de segurança, o protocolo de proteção a seguir quando a sirene de ataque soa na cidade.

Por coincidência, "ou o que lhe queiram chamar", não estava em casa, quando, no último fim de semana, o prédio onde vive foi atingido por um míssil do Hamas.

"À última da hora, na sexta-feira, eu e o meu marido resolvemos sair e fomos passar o sábado noutra cidade", conta.

Estiveram longe de telemóveis e de redes sociais durante todo o dia, "então, só soubemos depois: foi a filha do meu marido que nos avisou... ela disse-me ‘faz zoom na fotografia e vais reconhecer o quadro que tens em casa’. Eu não estava a reconhecer".

O apartamento não sofreu o impacto direto, mas as marcas de destruição são evidentes: "todos os vidros ficaram partidos, o estuque ficou todo escavacado".

Agora, esta luso-israelita, professora de Português para estrangeiros, está, temporariamente, alojada em casa da filha do marido, "também aqui em Ashkelon e que também foi atingida".

"Eu até brinquei, disse que o Hamas deve andar atrás de mim a título pessoal: atingiu a casa onde eu moro e atingiu a casa onde estou temporariamente alojada", ironiza.

Ir para o abrigo? "É como olhar para os dois lados ao atravessar a rua"

Enquanto não regressa à casa onde reside habitualmente, Marina está alojada na casa da filha do marido, onde vivem três crianças.

Total do agregado: "seis adultos e três crianças: a mais nova tem sete anos; outra está quase a fazer 10; o rapaz tem 12 anos... não é uma logística fácil".

Uma das preocupações é tentar que as crianças vejam notícias o menos possível: "isto está constantemente a dar e elas dominam a língua. Por muito que não queiramos que eles assistam a tudo, há muita coisa que eles ouvem e ficam com medo", admite esta luso-israelita que, contudo, normaliza a inevitabilidade das rotinas em situações de emergência.

O que fazer, quando a sirene toca? Correr para o abrigo de segurança e "toda a gente interioriza isso, até o cão".

Como se consegue viver assim? "A brincar, que é o que fazemos com as crianças. Nos prédios modernos, como este onde estamos temporariamente, há um quarto de segurança por apartamento. Neste caso, é o quarto das meninas. Quando o ataque é à noite, lá vai a família toda para o quarto e elas percebem... já estão habituadas e nós levamos as coisas a brincar".

Procedimentos que, "noutros países, não cabem na cabeça de ninguém, mas aqui é uma coisa perfeitamente normal".

"É como em Portugal: nós dizemos às crianças que, quando atravessamos a estrada, devemos olhar para um lado e para o outro. Aqui ir para os abrigos, quando a sirene toca, é uma coisa normal de segurança", ilustra Marina Erlich.

Quando confrontada com a possibilidade de sair para Portugal, ainda que por um período limitado, esta luso-israelita assegura que "essa não é uma solução, por várias razões"

Desde logo, patrióticas: "sinto que o meu lugar é aqui e, se esta é uma guerra contra o terror, então eu também faço parte desta guerra".

Por outro lado, continua, "o meu marido tem dois filhos no exército, ativos no combate e um terceiro, que é bombeiro e que também está na linha da frente. Eu nunca iria abandoná-los".

Finalmente, Marina conta que uma decisão dessas tem outras implicações mais práticas: "para sair, eu tenho de me deslocar daqui até ao aeroporto e ninguém disse que é seguro fazer isso. Aqui já temos os quartos de abrigo e, por tudo isso, eu sinto-me muito mais segura dentro de casa, onde sei em que local posso refugiar-me, em vez de andar pelas estradas, por aí fora, desvairada até ao aeroporto".

Enquanto isso, reina a tranquilidade possível: "não se vê absolutamente ninguém na rua e ouvimos os aviões militares a passarem".

Mesmo nos intervalos em que os céus de Ashkelon não são invadidos pelas chuvas de rockets do Hamas, "percebe-se logo que alguma coisa não está bem".

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