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Natação

"Quero vingar-me de Tóquio”: uma entrevista a Angélica André, a outra sensação nos Mundiais de natação em Doha

20 fev, 2024 - 14:05 • Redação

Não morria de amores pelas águas abertas, mas tornou-se a primeira atleta a ganhar uma medalha nesse segmento nos Mundiais. Em conversa com Bola Branca, a nadadora fala sobre medos, demónios e o que vem aí

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Angélica André nada quase 100 quilómetros por semana. Há quem não chegue a fazer isso de carro. Conseguiu a primeira medalha de sempre em águas abertas, nos Mundiais de natação, em Doha. Com a medalha de bronze, a atleta do FC Porto garantiu a qualificação para os Jogos Olímpicos de 2024.

Começou a praticar natação no infantário, mas, aos sete anos, foi para o Leixões Sport Clube para levar mais a sério a modalidade que fazia. A família é oriunda do Porto e Angélica era apenas uma menina entre os homens. Tudo começou como uma brincadeira, mas, logo cedo, as pessoas em redor da atleta perceberam que aquilo que era um passatempo podia tornar-se algo mais sério.

Os pais não sabiam nadar, mas sempre foram o maior suporte da atleta. “A minha família acaba por ser a minha base para os momentos difíceis. A minha mãe não se importa se eu não estiver num aniversário dela porque ela sabe que o momento é agora. Não dá para ser daqui a 10 anos porque a carreira de um desportista não é como uma carreira normal”, afirma Angélica, de 29 anos, em entrevista a Bola Branca.

Começou na natação pura e não morreu de amores pelas águas abertas à primeira vista. O desconhecido assustou-a e chegou a desistir de duas competições antes de se deixar levar pelas correntes e pelas marés. À Renascença, a atleta confessa: “É aquele medo, o receio do que é que pode acontecer, dos peixes, se aparecia alguma coisa, por isso tive um bocado de receio nessa altura, mas depois acabou por ser natural, sabendo que temos segurança nas provas.”

"Um ano antes de Tóquio, queria mesmo desistir..."

Os seus primeiros anos de natação foram no Leixões, passou pelo Clube Fluvial Portuense, que lhe deu a oportunidade de ir pela primeira vez aos Jogos Olímpicos, e carrega agora o emblema do Futebol Clube do Porto. Venceu um Dragão de Ouro de Atleta Amadora de 2022 e ouviu da boca de Pinto de Costa que ela representava aquilo que o presidente defendia para quem serve o Porto.

Em entrevista à Renascença, Angélica André considera que “o facto de ter trazido a medalha do Campeonato do Mundo foi o culminar de todo o esforço que faço no treino, porque aquilo que faço no treino é aquilo que faço nas provas. Foi nesse sentido da competitividade e lutar até ao fim [que o Pinto da Costa disse aquelas palavras].”

Angélica André acaba por ser a personificação do olimpismo. Falhou a qualificação para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, e em 2021, quando conseguiu chegar a Tóquio não foi além de um 17.º lugar na classificação. Algumas vezes pensou em desistir, mas acabou por ser resiliente e lutar contra os demónios que a queriam afastar da natação.

“Um ano antes de Tóquio, tive uma semana de desespero em que eu queria mesmo desistir porque psicologicamente não estava tão forte, sentia que não era capaz e queria mesmo parar, mas depois pensei que tinha que tentar e que não havia nada a perder. Trabalhei com a minha psicóloga o aspeto de poder ir à competição e ter a consciência tranquila, de que fiz tudo o que era possível para chegar lá. Se me corresse bem ou mal, queria ter aquela sensação de que fiz tudo o que era possível”, confessa a atleta em entrevista à Renascença.

Não deixou o sonho morrer e continuou a batalhar por resultados melhores, que ela própria sabia que ia conseguir alcançar.

“Em Tóquio, queria fazer a melhor qualificação de sempre. Igualei, mas quando acabei a prova fiquei com a sensação de que, para aquilo que eu treinei na altura, o resultado ficou um bocadinho aquém, mas tirei lições. Estou mais madura, treinei bastante e, de há três anos para agora, sou muito mais consistente, tanto no treino como em competições. Por isso, o que eu posso retirar é que estou mais crescida nesse aspeto”, afirmou convictamente.

Quando pensou em desistir, às vezes era difícil sair do ciclo de desespero em que se encontrava. Por isso, procurou ajuda e, hoje, a psicologia é uma das bandeiras que Angélica carrega enquanto atleta. “O acompanhamento é importante nos momentos bons e nos momentos maus. No desporto, estamos sempre sob pressão com a pressão que colocamos em nós próprios. Por isso, poder controlar e gerir as emoções independentemente de onde estamos é importante", reflete.

Os momentos bons são os que toda a gente vê, lembra. As medalhas, os bons resultados e a alegria estão à vista de todos, mas os momentos sombrios, das derrotas, são desconhecidos pelo público. E, nesses momentos, é preciso saber parar a espiral e pedir ajuda.

Agora, trouxe para casa uma medalha de bronze nos Mundiais de Natação. Percorreu 10 quilómetros em águas abertas, que é a distância olímpica, em menos de duas horas . “Eu já estava ciente que era capaz, que não era uma coisa impossível porque cada vez mais eu tenho sido consistente e que um dia poderia ter uma medalha. Lutámos por isso até ao final e ela surgiu”, disse Angélica André.

O que vem aí

Para os Jogos Olímpicos de 2024, Angélica André tem os objetivos bem traçados: “Eu quero vingar-me da qualificação que tive em Tóquio”. Contudo, para conseguir uma melhor classificação, a nadadora vai ter de combinar “trabalho, resiliência e disciplina”.

Apesar da qualificação já estar garantida, Angélica André ainda tem algumas paragens antes do destino final dos Jogos Olímpicos, em Paris.

Nessa caminhada até Paris, Angélica vai fazer os últimos reparos antes do derradeiro desafio: “Uma coisa que diferencia as águas abertas da natação pura é que cada vez que nadamos estão lá as melhores e isso é sempre bom, porque podemos competir com elas, ver a forma delas, conhecê-las ainda mais e melhor e tudo acrescenta para estar cada vez melhor em Paris”.

A brutalidade dos 10 quilómetros é inerente e fica sempre a questão de como é que um atleta aguenta tanto tempo e águas abertas. A temperatura da água, as ondas, as correntes e a resistência são os principais factores a ter em conta durante uma das provas mais duras da natação.

Angélica André fez disso carreira e não se deixa levar pelos pensamentos negativos durante as provas. “Eu estou sempre muito concentrada. Mesmo no treino, que são duas horas ou duas horas e meia, eu não estou a cantarolar, estou concentrada na minha tarefa. Nas provas, também estou concentrada naquilo que tenho que fazer, nos pormenores, na questão de contornos de boias, nos meus adversários, poder gerir o meu esforço e há sempre o factor de gerir a emoção, de não irmos à malucos para a frente, podermos dizer a nós próprios para ter calma, que vai correr tudo bem, ter pensamentos positivos durante a prova”, confessou.

À conversa com a Renascença, ainda houve tempo para Angélica André comentar as duas medalhas de ouro de Diogo Ribeiro, nos 50 e 100 metros mariposa. “O Diogo acaba por ser um talento e é merecedor das medalhas. Toda a gente vai estar de olhos postos nele para os Jogos Olímpicos”, afirmou.

São 20 anos de carreira. Angélica André já não é nova nos grandes planos do desporto e as lições que retirou são incontáveis. A atleta vai tentar novamente a sua sorte nos Jogos Olímpicos de Paris. Vai competir pela medalha dos 10 quilómetros em águas abertas e a continuar a ser a maior figura da disciplina em Portugal.

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