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“O futebol de praia anda no limiar da sobrevivência”: uma entrevista ao bicampeão mundial Rui Coimbra

17 fev, 2024 - 09:15 • João Filipe Cruz

O fixo do Sótão, de 37 anos, ficou fora dos convocados de Portugal para o Mundial, a decorrer no Dubai. Em entrevista a Bola Branca, o atleta reflete sobre o estado da modalidade e o futuro com os olhos no futebol feminino e futsal.

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Com três Mundiais conquistados em 18 presenças, a seleção portuguesa é uma das grandes favoritas da prova que está a decorrer no Dubai.

Na lista de responsáveis pelas glórias nos areais sobressaem nomes como Madjer, Alan ou Belchior, que, tendo pendurado as camisolas, perduram na história da modalidade.

Em 2024, as glórias ainda estão em formação e há ainda aqueles que, mesmo no ativo, são referências e não podem contribuir para a construção de um novo título, como Rui Coimbra, que está a recuperar de uma lesão e não seguiu com o lote de convocados de Mário Narciso, algo que já tinha acontecido no Mundial anterior.

A propósito do Campeonato do Mundo, o fixo de 37 anos do Sótão e bicampeão do mundo, conversou com Bola Branca e perspetivou as hipóteses de Portugal no Mundial, sem esquecer o estado e o futuro da modalidade.

Como está a correr a recuperação?
Estou a voltar aos poucos à vida normal, mas está a correr tudo bem. Já estou quase pronto.

Está a ser difícil perder mais um Mundial?
Sabemos que isto pode acontecer, não estamos livres das lesões. É triste, ainda por cima por ser o segundo Mundial consecutivo em que fico fora por lesão. Mas agora estou focado em recuperar o mais rápido possível.

Portugal tem condições para reconquistar um título que foge desde 2019?
Estou confiante que podemos reconquistar o título. Temos uma grande mescla de experiência com jogadores mais novos. A nossa seleção está muito bem composta. Há campeões e bicampeões do mundo, não nos falta experiência e ainda temos a irreverência dos mais novos.

No último Mundial, a seleção ficou-se pela fase de grupos. A pressão agora é maior devido à última prestação?
Ficou aquém das expetativas, mas acontece. A sorte também não sorriu nesse Mundial. Tivemos pouca sorte.

Tem falado com alguém do grupo?
Sim, com muitos. Eles estão confiantes. O estágio em Omã foi muito parecido com o que fizemos em 2019, no Paraguai, para nos adaptarmos ao fuso horário e às condições. Foi o que fez diferença nessa altura e este Mundial também vai ser por aí. Acho que a areia é muito pesada no Dubai e o factor físico vai ser determinante.

Como vê a modalidade? Sente que o interesse está como foi na época dourada dos Mundialitos?
O que acontecia com os Mundialitos era fantástico. A adesão do público, quer pela televisão, quer pelos estádios, muito dificilmente aconteceria noutro país. Em termos gerais, acho que o futebol de praia está a crescer. Temos os bons exemplos do futsal e do futebol feminino, o futebol de praia está a tentar seguir essas pisadas. A federação tem feito um trabalho excelente na tentativa de desenvolver a modalidade. Aos poucos temos de a desenvolver para sustentar o futuro. O Mundialito era fantástico, mas havia pouco campeonato nacional e pouco interesse. Toda a gente queria ver o Mundialito e, no resto do ano, o futebol de praia era esquecido.

O facto de ser uma modalidade sazonal também ajuda?
Mas tem de deixar de ser vista como uma modalidade sazonal. Os jogadores profissionais não podem dar-se ao luxo de estar tantos meses sem treinar.

A solução passa obrigatoriamente pela construção de pavilhões? Com a Rússia resultou, já venceu três Mundiais desde 2011 e é a campeã em título.
Seria uma solução interessante para podermos prolongar a prática do futebol de praia. Já conseguimos jogar muitos meses. No ano passado, o campeonato começou em abril e terminou em setembro, mas com pavilhões duraria mais. A Rússia é um bom exemplo. investiu na modalidade, construiu pavilhões, levou jogadores brasileiros e também portugueses e, a partir daí, criou as bases e foi crescendo.

Ainda há jogadores que, quando a época portuguesa acaba, emigram para outros campeonatos para continuarem a jogar? O Rui Coimbra já jogou no Dubai, em Itália e no Brasil...
Ainda acontece, pela sazonalidade do desporto. Ainda é permitido que um jogador atue por mais do que uma equipa na mesma época. As equipas estrangeiras contratam os melhores e permite que esses jogadores joguem em Portugal durante o verão e durante o nosso inverno jogam noutros países. Há esse exemplo do Dubai. Fazíamos a época na Europa e, em outubro, íamos para lá, ficávamos ate abril e voltávamos para Portugal, a tempo do início do nosso campeonato.

Em 10 anos há quase o triplo dos jogadores de futebol praia federados em Portugal. Como é que se explicam estes números, tendo em conta que existe menos atenção dos adeptos para a modalidade?
Costumamos dizer que a nossa modalidade começou a ser construída pelo telhado. Primeiro apareceu a seleção e só depois os clubes. A atenção do público estava só virada para a seleção e para os Mundialitos, que aconteciam em Portugal. Essa subida de praticantes deve-se ao trabalho da Federação Portuguesa de Futebol que, cada vez mais, procura clubes para a modalidade e, com mais clubes, mais jogadores surgem. É muito importante haver muitas equipas, competitividade e isso reflete-se depois na seleção, claro. Quando temos um campeonato forte, a seleção está no top.

O Sporting e o Belenenses foram as equipas mais mediáticas que extinguiram recentemente a modalidade. Fazem muita falta ao campeonato os ditos "grandes"?
Não podemos ser hipócritas e dizer que esses clubes não fazem falta. Trazem muitos adeptos e seria uma mais-valia. Se quisessem apostar no futebol de praia de forma continua, sustentada, acredito que seria benéfico para esta modalidade que tinha tudo para crescer mais e melhor. Mas se não trouxerem um projeto sustentado e a longo prazo, andamos para trás e para a frente. Mais vale equipas menos mediáticas, mas com projetos sustentados, para que as bases do futebol de praia estejam mais fixas.

No futebol de praia coabitam jogadores semiprofissionais e profissionais. Quais estão em maior número?
São mais os que não são profissionais. Diria que há cerca de 10% de jogadores profissionais.

Assim sendo, grande parte do campeonato é composto por jogadores que trabalham fora da areia...
Claro. Muitos têm de ter outra profissão e não é fácil conciliar. Muitos dos meus colegas e adversários têm de ter muita ajuda das empresas e patrões, que sabem que eles gostam de futebol de praia e fazem um esforço para que os atletas possam competir e faltar muitos dias ao trabalho.

Quão longe estão os valores dos ordenados do futebol de praia e do futebol de 11?
O futebol de praia anda no limiar da sobrevivência. O Madjer tem uma expressão muito engraçada. Ele diz que o futebol de praia é uma das únicas modalidades onde somos campeões do mundo e não ficamos ricos. Temos de procurar algo a curto a prazo para podermos ter uma fonte de rendimento. Ninguém fica rico a jogar futebol de praia. Os profissionais conseguem viver do desporto, mas, com o fim da carreira, têm de procurar outra solução.

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