Futebol feminino

“Não faz sentido rapazes e raparigas competirem juntos até à idade júnior”, diz investigador

24 mai, 2022 - 06:15 • Liliana Carona

Nos últimos 10 anos o número de mulheres a praticar futebol duplicou, mas ainda existem assimetrias a corrigir. O investigador Diogo Martinho concluiu uma tese de doutoramento financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que propõe a reformulação dos escalões de futebol feminino. O trabalho alerta para a “participação deficitária” das mulheres no futebol e apresenta uma nova proposta de escalões.

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No espaço de 11 anos, o número de mulheres praticantes de futebol duplicou. Entre 31 de março de 2011 eDados da Federação Portuguesa de Futebol indicam que a 31 de março de 2011 havia 6.012 mulheres a praticar a modalidade e a 31 de março de 2022: 12.005 mulheres.

Segundo dados de 2020 disponibilizados pela PORDATA, havia, em Portugal, 190.865 praticantes de futebol. Pela primeira vez, este ano, Portugal ultrapassou o número de 12 mil praticantes federadas de futebol e futsal: 12.005 praticantes femininas: 7.773 em futebol e 4.232 em futsal, segundo dados da FPF.

Foi numa linha de pesquisa do orientador e mentor da ideia Manuel João Coelho-e-Silva que o investigador Diogo Martinho se dedicou à pesquisa que permitiu a tese ‘Crescimento e maturação em jovens femininas atletas e não-atletas’ (‘Growth and maturation in female non-athletes and athletes’).

Um estudo da jovem atleta, numa modalidade desportiva que é a mais praticada em Portugal, mas que regista acentuado contraste entre os participantes de sexo masculino e feminino. “Quisemos saber primeiro como era a atleta futebolista feminina em Portugal e em Portugal o futebol não é seletivo, tanto pode apanhar uma miúda com 16 anos, e um 1,80m, como com 1,50m, não há seletividade no que toca a indicadores de tamanho, altura e massa corporal”, observa o investigador, apontando o defeito da atual organização dos escalões de formação.

“Elas competem sempre com os rapazes até à idade júnior e só depois nos juniores e seniores é que existe escalão para o sexo feminino. Então têm duas opções ou competem com os rapazes, ou sendo iniciadas, pedem dupla subida de escalão para jogar nos juniores e jogar sempre com raparigas”, lamenta Diogo Martinho.

“Não fazia sentido elas competirem nos mesmos escalões dos rapazes”, salienta Diogo Martinho, considerando existir “uma participação deficitária”. “Competindo com os rapazes, não me parece que seja a forma mais ideal de competir, fazer uma dupla subida de escalão também não me parece igual, uma miúda de 15 anos jogar com uma de 18”, exemplifica o jovem investigador, recordando a fase da recolha de dados.

“Quando têm de fazer uma subida dupla de escalão, têm de fazer um exame médico-desportivo, são medidas, são pesadas, faz-se um raio X ao pulso e à mão esquerda para vermos a idade biológica (no Centro de Medicina Desportiva do Porto coletavam os dados e nos interpretávamos)”, conta, adiantando que “os dados de idade óssea, permitiram recomendar que a formação das jogadoras possa acontecer em idade mais baixas do que acontece no sector masculino e, por volta dos 17 anos, as mais de 400 jogadoras estão prontas para a etapa de alta competição, sendo classificadas como esqueleticamente adultas.

Mesmo aos 16 aos, a maioria, não todas, já podem subir sem reservas a níveis competitivos mais exigentes”.

Deficitária taxa de participação

Diogo Martinho explica que “face à deficitária taxa de participação associada ao futebol feminino, as organizações desportivas competentes reservam somente dois escalões de participação: juniores e seniores”. Cenário que o investigador Diogo Martinho, 30 anos, quer ver alterado.

“Implementar o modelo que foi proposto, haver uma organização do sexo feminino, não sei se há atletas suficientes para fazer dois escalões competitivos em idades mais baixas. O escalão de sénior também foi proposto para ser numa idade mais baixa. Nos infantis, rapazes e raparigas podem participar juntos. Na adolescência, propomos a diferenciação de escalões, um escalão para iniciados, para masculino e feminino e o mesmo nos juniores. E o escalão de seniores nas raparigas deve ser mais cedo, porque atingem o estado adulto mais cedo que os rapazes, não faz sentido ser aos 20”, alerta.

O estudo desenvolvido na Faculdade de Ciência do Desporto da Universidade de Coimbra e com a colaboração da Universidade de Loughborough (Inglaterra), contou ainda com a parceria do Centro de Medicina Desportiva do Porto. “Na estadia em Inglaterra, reparei que o futebol feminino tem uma bagagem diferente, curiosamente os escalões de formação lá, já são organizados como nós propomos cá. O futebol no feminino, é emergente, está a crescer, de 2010, para 2020, o número de mulheres praticantes no futebol duplicou. Contudo, sublinha, sublinha o investigador Diogo Martinho, “as jovens futebolistas necessitam de optar entre duas escolhas, a saber: ou treinam e competem conjuntamente com os jovens masculinos nos escalões de infantis, iniciados e juvenis; ou solicitam a subida de escalão para treinarem e sobretudo competirem apenas no setor feminino”.

E em jeito de resumo, Diogo Martinho, apela: “são necessários escalões específicos para o futebol feminino em idades baixas, é recomendada a coparticipação até aos 12 anos, promovendo-se a subida ao escalão sénior aos 17 anos, evitando-se um decalque do modelo intuitivo estabelecido para o futebolista masculino”.

Diogo Martinho tem 21 artigos publicados em revistas internacionais e é assistente convidado na Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física, desde 2018.

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