Futebol feminino

Andreia Jacinto: “Vejo meninos com uma cartolina a pedir a minha camisola e isso antes não acontecia. Parece que estou a sonhar”

01 abr, 2024 - 12:45 • Inês Braga Sampaio

A média da Real Sociedad tem apenas 21 anos, mas já soma 169 jogos como profissional, 36 deles pela seleção, e brilha num dos melhores campeonatos da Europa. Quer continuar a evoluir e a alimentar os "muitos sonhos" que guarda no baú.

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Entrevista a Andreia Jacinto, internacional portuguesa da Real Sociedad

Andreia Jacinto tem muitos sonhos. Coleciona-os um a um, etapa a etapa, e sem dar por ela já leva 169 jogos como profissional, 36 deles pela seleção, e joga numa das melhores ligas do mundo, com 21 anos apenas. Mas quer mais, muito mais.

A média da Real Sociedad não se senta à sombra do que já atingiu e quer juntar troféus à precocidade: um Europeu ou um Mundial com Portugal, uma Liga dos Campeões. Também não se esquece de onde veio e mantém o sonho de, um dia, regressar ao Sporting e sagrar-se, finalmente, campeã nacional.

"Tenho muito claro na minha cabeça que um dia quero voltar ao Sporting e conquistar os troféus que ainda não conquistei", declara à Renascença.

Para já, contudo, mostra-se satisfeita em Espanha, que lhe proporcionou um importante salto competitivo: "Fico muito feliz de estar inserida neste contexto competitivo e de ver, efetivamente, que estou a melhorar como jogadora."

A ambição e vontade de crescer fazem com que, apesar de já ter chegado ao destino de sonho, Andreia admita explorar outros destinos. Tem contrato com a Real até 2025 e garante que ficará "muito feliz" se lá continuar, porém, reconhece também que gostaria de experimentar o campeonato inglês, pelo "boom" que está a haver com o futebol feminino e pelo que um campeonato mais físico a ajudaria a evoluir.

O objetivo imediato é o apuramento para o Euro 2025. Corrida que arranca na sexta-feira, diante da Bósnia e Herzegovina, em Leiria. Quatro dias depois, a visita a Malta, numa fase de qualificação que também serve para emendar a mão e regressar ao principal escalão da Liga das Nações, após a descida de divisão.

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"Tenho muito claro que um dia quero voltar ao Sporting e conquistar os troféus que ainda não conquistei. Seria um privilégio conquistar o campeonato com o meu clube de coração."

Foste sempre bastante precoce. Aos 14 anos foste campeã nacional de sub-19 pelo Sporting. Entraste na equipa principal e depois ganhaste a titularidade ainda antes dos 20. Como é que foi para ti este trajeto, ou seja, subir patamares e chegar a profissional ainda tão jovem?
A verdade é que foi um trajeto muito rápido, lá está, fui subindo sempre de patamar muito rápido e isso trouxe-me também uma grande responsabilidade. Tinha de trabalhar muito extra, por exemplo.

Acho que é mais essa responsabilidade de dar passos tão cedo, porque chegar a uma seleção AA, por exemplo, aos 17 anos, chegamos ali, ainda somos umas miúdas e ficamos a olhar para as nossas referências e quase ficamos a pensar "o que é que eu estou a fazer aqui no meio delas?”. É uma coisa que nos dá um pouco de pressão também, mas muito contente por este trajeto.

Emigraste aos 20 anos, ainda muito nova. O que é que ficou por fazer em Portugal, em concreto no Sporting? Ganharam a Taça e a Supertaça, mas não conseguiram ganhar o campeonato. Será por aí, o que terá ficado por fazer em Portugal?
Sim, eu tenho muito claro na minha cabeça que um dia quero voltar ao Sporting e conquistar os troféus que ainda não conquistei. Bem, e repetir os que já conquistei. Seria para mim um privilégio poder conquistar um campeonato e tudo o possível com o meu clube de coração, então acho que isso é uma das coisas que ainda tenho pendentes em Portugal.

E o que é que te levou a escolher a Real Sociedade?
Quando eu vim para aqui, tinham acabado de ter uma temporada muito boa, estavam na Champions, acabaram em segundo. Além disso, é uma equipa que tem o estilo de jogo de que eu gosto, que gosta de tocar a bola, ter a bola, ser uma equipa dominante. Sempre gostei muito da Liga Espanhola, sempre tive o objetivo de vir jogar para aqui e pareceu-me um contexto adequado para dar um pequeno salto.

Na temporada em que entraste, ficaram em oitavo, mas foram à final da Taça da Rainha. Esta época, estão exatamente na mesma posição, em oitavo e também na final da Taça. Como é que tem sido até agora a experiência?
A verdade é que é um contexto, uma liga, totalmente diferente, o grau de intensidade dos jogos é muito diferente. Mas estou a gostar muito, sinto que estou a evoluir muito como jogadora, porque o nível de competitividade é totalmente diferente. Entramos para todos os jogos, pode ser contra o primeiro, segundo, contra o último, que nunca sabemos o que vai acontecer. Acho que isso é muito bom para uma liga, então fico muito feliz de estar inserida neste contexto competitivo e de ver, efetivamente, que estou a melhorar como jogadora.

Como é que é viver em Espanha? Especialmente no País Basco, que é tão diferente de Portugal?
A verdade é que eu sou muito feliz aqui. Vim para um sítio que tem praia ao lado e isso para mim é tudo. Aqui a única coisa que é um ponto menos a favor é o tempo. Está chuva, chuva, chuva, não faz sol, mas pronto. De resto, é muito bom, as pessoas são muito simpáticas, acolheram-me desde o primeiro dia como se eu fizesse parte da família e sou mesmo muito feliz aqui no País Basco.

Num sentido mais futebolês, como é que o teu jogo se adapta ao futebol espanhol e, em concreto, à Real Sociedad?
Eu sou uma jogadora que gosta de ter a bola, gosta de tocar em curto e, lá está, as características das jogadoras espanholas são muito de ter a bola, fazer combinações pelo meio. Isso é uma coisa de que eu gosto muito e que me encanta, então creio que me adapto muito bem a esse tipo de jogo.

Deixa-me só dizer, nota-se já o espanhol a entrar no português, o "equipo" e o "me encanta". É sinal de que estás adaptada...
Não, é isso. Ainda por cima, quando eu estou aqui em Espanha, já quando é para fazer chamadas com os meus pais, não consigo falar em português. Não sei, tenho o espanhol tão aqui na cabeça que me custa muito [risos]. Peço desculpa, desde já, pelo portunhol.

Não, é excelente. Falávamos há pouco do rendimento da equipa. Ainda faltam nove jogos para a vossa época terminar, ou seja, oito jornadas da Liga e a final da Taça da Rainha. Estão na mesma posição em relação à época passada, mas a grande diferença, em relação a ti, é o tempo de utilização, porque, à falta de nove jogos, já tens, neste momento, mais jogos a titular do que no total da última época: terminaste com 21 e agora já tens 23. Sentes que encontraste em definitivo o teu lugar na equipa e também aí na Liga espanhola?
Sim, eu acho que sim. A verdade é que esta mudança foi um processo um pouco duro, porque, lá está, eu tinha a pubalgia que me impediu de ir ao Euro, então acabei por chegar lesionada, não fiz a pré-época com a equipa e esses três meses sem estar com a equipa notaram-se um bocado. Depois, até que entrasse no ritmo e tivesse as ligações com elas dentro de campo, ainda levou um bocadinho de tempo.

Este ano, fiz o processo todo contínuo com a equipa e sinto-me muito bem. Sinto que tenho o meu lugar na equipa, já tenho as conexões com as jogadoras muito bem estabelecidas. Além disso, quando temos a confiança já alta e sentimos que temos a confiança de todos, torna-se muito mais fácil ter mais rendimento. Fui consolidando pouco a pouco o meu lugar na equipa e, agora, penso que estou bastante bem.

Tens contrato até 2025. O teu plano é cumpri-lo até ao fim ou gostarias também de entretanto até antes de 2025 experimentar alguma coisa nova?
Neste momento não estou a pensar muito nisso, porque tenho mais um ano de contrato, mas tenho a cabeça aberta a todas as opções. Mas tenho mais um ano de contrato e, se ficar na Real, fico muito feliz.

Então, imaginando que ficas na Real. Depois disso, tens ideia de algum sítio onde gostarias de ir, algum destino de sonho que gostarias de experimentar?
A verdade é que o meu destino de sonho sempre foi Espanha, mas também tenho muita curiosidade em experimentar a Liga Inglesa, porque está a haver um "boom", em Inglaterra, com o futebol feminino, o apoio que os clubes dão, que os adeptos dão, e gostava muito de viver essa experiência. Também acho que é uma liga que me ia fazer melhorar umas coisas que ainda tenho de melhorar. Acho que seria bom para mim também poder dar um salto para essa liga, nem que seja para no futuro voltar a Espanha, já com outro andamento, digamos.

Nesse sentido, tens apenas 21, quase 22. Quase, ainda faltam uns mesinhos. Mas o que é que, na tua opinião, ainda te falta desenvolver ou melhorar no teu jogo?
Para além de certas coisas técnicas, acho que o mais importante é o jogo físico e a intensidade. Eu acho que isso, por exemplo, uma Liga Inglesa, que é muito intensa, ia dar-me muito. Penso que seria isso o ponto que eu diria "isto tem de melhorar".

És bastante alta, no contexto do futebol feminino. Consideras que ainda não usas totalmente essa tua fisicalidade?
Sim, penso que ainda tenho potencial para melhorar nisso e que posso usar muito mais.

Agora, os teus treinadores. Aqueles que te orientaram durante mais tempo foram Mariana Cabral no Sporting, Natália Arroyo, na Real Sociedad, que é considerada uma das melhores treinadoras espanholas, e Francisco Neto, na seleção. Quais são, na tua opinião, as principais semelhanças e diferenças entre os três treinadores, que tens em contextos tão diferentes?
Eu considero a Natalia e a mister Mariana muito parecidas, em estilo de jogo, tudo. De ter o plano muito bem definido, de querer tocar muito curto, arriscar. A verdade é que não senti muita diferença ao sair do Sporting para a Real, em termos de plano de jogo.

Na seleção, como o contexto já é bastante diferente, por vezes também temos mais jogo direto e, se calhar, não arriscamos tanto. Mas em termos de treinadores, eu penso que são todos bastante parecidos, na verdade. O que muda um bocadinho é o contexto e o nível de dificuldade dos jogos e aí, claro, têm de se adaptar nas táticas, mas considero que são os três bastante parecidos.

Vamos à seleção, precisamente. Falhaste o Euro 2022 por lesão, como já referimos, mas marcaste presença no Mundial 2023, um ano depois, e foste titular num jogo. Mas como é que avalias a performance da equipa, e a tua em particular? Devias estar ainda com mais fome, depois do dissabor de estar tão perto do Europeu e saber que não podias ir.
Sim, a verdade é que, no tempo de preparação para o Mundial, eu estava muito nervosa. Estava a rezar para que não acontecesse nada, porque acho que não aguentaria perder um palco destes outra vez. Porque a verdade é que foi muito duro para mim perder o Euro e, então, tinha muita muita, muita vontade de estar no Mundial. Quando finalmente chegamos à Nova Zelândia e [o Mundial] começa e começo a viver toda a experiência, fiquei muito feliz.

Fiquei ainda mais feliz pela prestação da equipa, porque a verdade é que tínhamos um grupo bastante difícil e a nossa seleção foi competitiva até ao final, até aos últimos dois minutos de jogo, em que vai uma bola ao poste que nos metia dentro. Fico bastante orgulhosa daquilo que conseguimos e de cada vez conseguirmos lutar mais com estas grandes seleções, olhos nos olhos, e que nos respeitem cada vez mais.

Estão numa nova era da seleção, o próprio selecionador já o disse. Tens tido um papel de maior destaque. Foste titular em quatro dos seis jogos da Liga das Nações, apesar de essa prova não ter corrido tão bem. Sentes essa relevância acrescida no seio da equipa?
Sim, eu sinto isso, sinto a confiança do treinador e de todas as colegas. E a verdade é que as novas jogadoras estão, na minha opinião, a acrescentar muita qualidade àquela qualidade enorme que já existia nas jogadoras com mais experiência. E acho que este equilíbrio entre as jogadoras com mais experiência e as jogadoras mais novas está a dar muito à nossa seleção.

Tiveram uma prestação muito boa no Mundial. Quase eliminaram os Estados Unidos, as supercampeãs. No entanto, depois veio a desilusão da Liga das Nações, com a descida à Liga B. E agora estão na antecâmara do apuramento para o Euro 2025. Uma desilusão depois de um ponto alto. Afeta-vos a confiança, especialmente num momento em que têm de reagrupar rapidamente para perseguir um novo objetivo?
Foi duro descer à Liga B, mas faz parte do futebol, nem sempre conseguimos estar sempre em cima. Mas agora temos claro na nossa cabeça o objetivo, que é apurarmo-nos para o Europeu. Estamos na Liga B e supostamente somos a equipa que tem dos melhores "rankings", temos praticamente a obrigação de ganhar todos os jogos. Nós também metemos esta pressão a nós próprias, porque sabemos que estamos a melhorar e sabemos que temos capacidade para estar mais em cima. Claro que [a descida de divisão na Liga das Nações] é um golpe duro, mas já está para trás, porque agora temos a qualificação em frente e temos de saber lidar com isso, porque faz parte do futebol.

Uma qualificação que fica mais complicada, precisamente, pela descida à Liga B, porque depois têm de ir a "play-off". Mas ao mesmo tempo, este novo formato - algo confuso - é também uma segunda via para regressar à Liga A da Liga das Nações. Motiva-vos o facto de poder ser também essa pequena redenção, além, claro, do apuramento para o Europeu - que seria o terceiro consecutivo?
A verdade é que estas regras, para mim, também ainda são um bocadinho confusas. Ainda estou a tentar que fiquem aqui na cabeça, mas sim, o nosso objetivo claramente é regressar à Liga A, para além de nos qualificarmos para o Europeu. É dar o nosso melhor nestes jogos e ganhar.

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"Sinto a confiança do treinador e de todas as colegas. Este equilíbrio entre as jogadoras com mais experiência e as mais novas está a dar muito à seleção."

Agora, de uma perspetiva mais geral do futebol feminino: as roturas do ligamento cruzado anterior. Como alguém que já teve de passar por uma recuperação complicada, achas que este crescente número de lesões graves no futebol feminino passa pela subida do número de jogos ou o que é mais uma questão de calendarização, que não está tão bem feita?
Sim, a verdade é que de um momento para o outro quase não se ouvia falar de cruzados e parece agora uma praga no futebol feminino. Penso que passa muito pela quantidade de jogos que temos e também, talvez, em certas equipas, pelas condições que têm. Por vezes, estar sempre a trocar de um campo de relevado natural para um artificial, não ter as condições, por exemplo, os físios, tudo isso.... Há muita coisa que podem ser fatores para provocar mais essas lesões.

O calendário, ultimamente, tem sido muito apertado, todos os verões há alguma competição - houve o Euro, o Mundial, este ano há os Jogos Olímpicos - e as jogadoras não estão a ter tempo de descansar. Isso é uma coisa que os responsáveis deviam tomar em atenção, porque, lá está, as jogadoras estão a dar muitos sinais, quase de cada, talvez, duas em duas semanas há um novo caso e, efetivamente, é um motivo para preocupar.

Aí, em Espanha, que condições é que te são dadas para evitar esse tipo de problema e para te desenvolveres, também, como jogadora?
Por exemplo, nós temos um acompanhamento muito bom dos nossos físios e do nosso "personal trainer". No ginásio, fazemos muito trabalho de prevenção, eles estão muito atentos a todas as nossas queixas. Mas também é verdade que, por exemplo, treinamos muitas vezes em relevado natural e, depois, vamos trocando com o sintético e, muitas vezes, isso causa dores às jogadoras, seja musculares, seja do que seja. Esses pequenos detalhes que não acontecem no masculino, e que no feminino ainda acontecem, provocam mais este tipo de lesões e metem-nos mais em risco.

Voltemos a ti. Tens uma longa carreira pela frente, ainda. Tens apenas 21 anos e já emigraste, já és uma internacional portuguesa regular. Que sonhos é que gostarias, ainda, de concretizar na tua carreira?
Eu tenho muitos sonhos. Gostava - adorava - ganhar algo por Portugal. Depois... eu acho que tenho os sonhos de toda a gente que joga futebol. Ganhar um Euro ou um Mundial, ganhar uma Champions e, sem dúvida, voltar ao Sporting e ganhar o que tenho para ganhar com o Sporting. São os meus três topos.

São os teus principais sonhos?
Sim.

E o regresso ao Sporting? Assim mais perto do fim da carreira ou um bocadinho mais cedo?
Eu acho que também depende muito de como vai evoluir o futebol feminino em Portugal. Por exemplo, agora o Benfica está a fazer história e está a impulsionar muito esta evolução e, agora, haver mais um lugar para ir à Champions é muito bom, mas, neste momento, na minha cabeça, está mais para o fim de carreira. Mas lá está, depende muito de como corram as coisas para o futebol feminino português.

Já és uma das referências do futebol feminino nacional. Sentes-te já uma jogadora importante, nesse panorama, e também consideras que isso te é reconhecido, mesmo estando aí fora, o que torna um bocadinho mais complicado as pessoas verem-te jogar?
A verdade é que, ultimamente, tenho sentido um bocadinho mais, talvez por ter mais minutos na seleção. Mas sim, algumas vezes já vejo, por exemplo, alguns meninos com uma cartolina a pedir a minha camisola e isso antes não se passava e eu fico... É que parece que estou a sonhar, porque lá está, é difícil acreditar que vivemos a realidade que vivemos, por vezes. Para mim, isso é incrível e fico mesmo muito feliz de poder começar a ser uma referência para quem as meninas olham, e quem sabe, um dia, meninos.

[Atualizado às 16h36 do dia 1 de abril de 2024]

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