Entrevista Bola Branca

José Peseiro: "Objetivo é vencer a próxima CAN com a Nigéria"

19 jul, 2022 - 09:12 • Carlos Dias

O novo selecionador nigeriano encontrou um país com potencial para grandes feitos. Peseiro avalia Zaidu, a possível transferência de Ricardo Horta e a luta pelo título.

A+ / A-

Aos 62 anos, José Peseiro explora o mundo das seleções. Depois de um ano na Venezuela, com uma Copa América disputada, o técnico é agora o selecionador da Nigéria.

O objetivo do experiente treinador português é vencer a CAN e os primeiros indícios são promissores. Ainda é cedo para balanços, mas Peseiro já conseguiu levar a seleção da Nigéria à maior vitória de sua história, por 10-0 frente a São Tomé e Príncipe.

Em entrevista a Bola Branca, analisa ainda o crescimento de Zaidu, com quem trabalha na seleção, prevê a nova época do campeonato português e considera que é o momento de Ricardo Horta dar o salto para o Benfica.

Como estão a correr estes primeiros meses como selecionador da Nigéria?

No plano desportivo fizemos quatro jogos. Dois amigáveis nos Estados Unidos onde vários jogadores não estiveram presentes, porque que estavam ao serviço dos clubes, onde perdemos os dois jogos por 2-1, mas tivemos boas prestações.

Depois tivemos os dois jogos do início da qualificação para a AFCON [Campeonato Africano das Nações]. Vencemos 2-1 a Serra Leoa e 10-0 a São Tomé e Príncipe. Este resultado permitiu bater o recorde da vitória mais expressiva, quer da AFCON, quer da Nigéria.

Está tudo a correr bem, dentro daquilo que nós esperávamos quando aceitei o desafio. Fi-lo mais por questões desportivas que por questões económico-financeiras, porque a seleção da Nigéria tem jogadores em qualidade e quantidade para poder ambicionar ao AFCON e estar nas fases finais dos Mundiais. Em relação ao que são as outras funções de um selecionador, obviamente que há grandes diferenças entre a Europa e outros continentes onde estive e o contexto nigeriano.

Imagino que seja desafiante o trabalho na seleção da Nigéria para um treinador com a sua experiência?

Não são só questões desportivas, são questões que têm a ver com uma sociedade. O contexto africano tem o seu momento de evolução e carrega características e envolvimentos diferentes do que estamos habituados. Não fui surpreendido, preparei-me para o que iria encontrar.

Existem diferenças substanciais naquilo que são a organização dos campeonatos, as condições dos relvados, as condições de iluminação, condições de venda do espetáculo, a logística do transporte dos jogadores, as competições dos escalões mais baixos em que não há uma competição nacional.

Existem competições nacionais, mas mesmo assim muito diminutas, com as academias a terem mais força que os clubes, porque conseguem exportar muitos mais jogadores. Estas são coisas que nos levam a ter um trabalho aliciante e estimulante mesmo sabendo que o caminho não vai ser tão rápido como gostaríamos.

O que gostaria de deixar como obra feira como selecionador da Nigéria?

Quando estava a negociar referi que esta equipa tinha condições para marcar presença no Mundial. Infelizmente não conseguiu passar o Gana no "play-off". Empatou os dois jogos e foi eliminada pelo golo sofrido em casa.

A seguir o desafio que eu coloquei, e por isso só assinei contrato até ao final do próximo AFCON, é vencer o próximo campeonato africano. Este é o motivo principal que me levou a aceitar o convite da Nigéria, depois quero construir uma equipa, já que temos jogadores em qualidade e quantidade, que esteja no top das seleções em África.

Gostaria que falasse um pouco do Zaidu, jogador do FC Porto que trabalha consigo na seleção da Nigéria. Como é que trem sido esse contacto?

Um miúdo muito humilde, que gosta de estar em Mirandela, que pensa em comprar uma casa e viver em Mirandela. Um jogador que subiu a pulso, com muitas dúvidas de muita gente no futebol português e que atingiu um patamar de qualidade que lhe permite ser titularíssimo no FC Porto, realizar uma excelente época, ter vários clubes interessados e jogar a titular na seleção da Nigéria.

Sair dos escalões mais baixos do nosso futebol e atingir este nível deve-se muito a todos os que trabalharam com ele, com destaque para a evolução que teve no FC Porto comandado pelo Sérgio Conceição. Claro que a sua humildade, perseverança, vontade de treinar, alegria, a forma como se relaciona com todos e a forma como encara a sua profissão, sempre com a máxima responsabilidade.

É jogador para outros voos, para se impor em clubes com outro potencial financeiro na Europa?

Custa-me falar dessas coisas porque jogar no Porto, Benfica ou Sporting já é um patamar muito alto. Se me disserem que vai jogar para uma equipa que pode pagar mais, mas será uma equipa melhor que os três grandes em Portugal?

Acho que muitas vezes minimizamos a qualidade do nosso jogo. Uma coisa é ir para clubes estratosféricos, daqueles que ganham quase sempre, outra coisa é ir para Inglaterra, que é se calhar para onde ele quer ir, e muitos jogadores vão, mas que em termos de capacidade e em qualidade, jogando contra as nossas melhores equipas não ganham.

Os jogadores vão para melhores campeonatos, mas não vão para melhores equipas. Vão ter é outras condições financeiras e estruturais.

Como é que vai olhando para a preparação das principais portuguesas, agora que está a aproximar-se o início do campeonato?

Existiram muitas mudanças, fundamentalmente o FC Porto que perde muitos jogadores, o Benfica teve uma mudança ainda mais radical porque tem um novo treinador com uma outra forma de ver o jogo, um Sporting que mantém a consistência porque perde menos jogadores, parece que tem sempre tudo organizado, projetado, que saiu um e entra logo outro jogador para aquele lugar.

Há uma preparação bem pensada em função dos jogadores que é possível vender e que o Sporting quer vender porque precisa de dinheiro, mas tem sempre outras opções.

Penso que vai continuar a ser uma equipa muito consistente com o Porto e o Benfica, neste momento, antes do início do campeonato, a parecer que têm menos estabilidade em função das vendas e do novo treinador, respetivamente. Já o Braga mudou de treinador, mas vai ter a mesma ambição, dentro do que são os seus condicionalismos.

Em relação a Roger Schmidt já ouvi várias opiniões que no nosso campeonato os treinadores portugueses criam sempre muitas dificuldades a quem vem de fora…

É verdade, existem muitas vezes clubes que tiram pontos aos grandes em condições muito difíceis, mas através de muito trabalho tático e estratégico que pode dificultar a acção do treinador do Benfica, mas também acredito que este irá ter planos para contrariar. Ele quer jogar ao ataque, mas sabe que tem de vencer, desde logo para estar na Champions e para estar a lutar pelo título.

Creio que ele próprio vai criar objetivos a curto e a médio prazo para estar onde ele quer, com um futebol entusiasmante, mas mantendo mais equilíbrio e estabilidade, não sendo tão ofensivo até estabelecer uma determinada organização, porque sabemos todos no futebol e ele também sabe, por isso atingiu o nível que atingiu, que o mais complicado e treinar e consolidar uma equipa ofensiva, porque é mais complexo, porque tem a bola, porque tem de arranjar espaço, a relação com bola é muito mais complicada de treinar, é muito mais difícil do que a relação dos jogadores sem bola.

Perante isto, penso que Roger Schmidt vai ter esses objetivos a curto e médio prazo para ir obtendo resultados e ao mesmo tempo fazer evoluir a equipa. Se alguém pensa que ele vai jogar nos primeiros jogos como fazia na Holanda, eu não acredito e se o fizer poderá ser apanhado na “curva” pelas equipas que têm desenvolvido uma forte capacidade organizativa.

Treinou o Ricardo Horta no Sporting de Braga, não fica surpreendido com tanto mediatismo em redor de uma possível transferência?

Eu percebo, porque o Ricardo Horta é um jogador apetecível, que tem qualidade, é um jogador que está no momento para ser transferido, é o momento para poder mudar-se para o Benfica, que penso que seja uma ambição sua.

Não querendo menosprezar o valor do Braga, que é uma grande equipa, mas é um momento, é uma porta que ele que aberta para poder ir, mas há a questão. O Braga pensa que deve ser recompensado com uma determinada quantia pela sua saída e o Benfica pensa que não. Isto é uma luta entre comprador e vendedor.

Um grande negociador que é o António Salvador, percebi quando o Rafa foi do Braga para o Benfica, estive envolvido nesse processo e um Benfica que sabe o dinheiro que tem e que tem de pensar se ainda vai ganhar dinheiro com o Ricardo Horta, ou se pode valorizar ao nível do rendimento desportivo. Penso que é o normal num negócio e devemos entender as suas posições.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+