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Os Jovens e a Ditadura do Digital.“Quanto mais coisas temos para nos ligar, mais desligados estamos"

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Os Jovens e a Ditadura do Digital. “Quanto mais coisas temos para nos ligar, mais desligados estamos"

30 jun, 2023 • Ângela Roque


Estar sempre contactável é um risco para a saúde? A relação com as redes sociais pode ser uma dependência que condiciona a vida e até as relações? São pistas para o debate que junta uma psicóloga, uma engenheira de computadores, um gestor de conteúdos das redes sociais da Renascença e um designer que trabalha com tecnologia, mas que há dois anos deixou de ter Instagram, e que garante “a relação com os meus amigos melhorou”.

“Quanto mais coisas temos para nos ligar, mais desligados estamos”. Vasco Lage, 26 anos, é designer de equipamento e interiores. Há dois anos decidiu deixar de ter redes sociais. Apagou o Instagram, no início de 2021, e não se arrepende. “Percebi que estava a consumir demasiado tempo da minha vida. Dava por mim naquele scroll infinito, e às tantas tinham passado duas horas! Já estamos em 2023 e até agora não tive qualquer tentação para voltar”, conta.

A trabalhar num atelier de arquitetura, não está divorciado da tecnologia. “Trabalho com softwares de modelação 3D, com realidade virtual, com muitas ferramentas que me ajudam a mostrar melhor os projetos aos clientes. Ou seja, não sou contra as redes sociais ou contra qualquer tipo de tecnologia, e acho que essa é uma posição muito perigosa, simplesmente do ponto de vista pessoal e de relações humanas percebi que este tipo de tecnologia não me ajudava a melhorar as relações que já tinha ou a conhecer mais pessoas”.

Vasco diz que os tempos que antes eram mortos, e nos quais se via a pegar no telemóvel, “agora são tempos vivos, porque faço mais coisas”. Passou a ter “saudades dos meus amigos, e curiosidade”, porque sem redes “já não sabia nada da vida deles, nem eles da minha, e quando estávamos juntos queríamos mesmo conversar e saber. É voltar ao básico”.

“São os mesmos amigos, não mudei de amigos, mas parece que voltei a olhar para eles de outra forma”.

Sente-se tão livre que deixa conselhos de utilização, como tirar as notificações no telemóvel. “Quando estamos desligados durante duas horas, podemos estar a falar com alguém, quando voltarmos temos 10 mensagens, vamos ler naquela altura e responder. Se fôr mesmo urgente vão contactar de outra forma, não temos de estar a olhar de 10 em 10 minutos para o telemóvel, porque é automático”.

O Instagram como “ferramenta de trabalho”

Rita Ferreira, de 29 anos, natural de Almada, é psicóloga clínica. Aplaude o conselho de Vasco Lage, porque “há o direito a desligar. Pode parecer só um pormenor, mas faz completamente a diferença, quando até criamos alguma ansiedade com o sermos rápidos a responder” às mensagens.

Profissionalmente, Rita está no Instagram e deixou de dar consultas presenciais. “Criei a minha página, vai fazer agora dois anos, e tem sido muito positivo. É a minha ferramenta de trabalho e foi a melhor decisão da minha vida. Nada substitui a terapia, mas é uma ajuda para muitas pessoas, tem um lado positivo”. Embora reconheça que, às vezes, tem de impor limites a si própria.

“No meu consumo pessoal, às vezes acabo por exagerar. Como trabalho através das redes, há uma pressão para estar presente”. Mas obriga-se a parar. “O outro dia decidi, no fim de semana, não trabalhar, porque às tantas é domingo, são onze da noite, e ainda estou a fazer coisas! E não faz muito sentido, se estou aqui a promover saúde mental, também tenho de fazer isso por mim”, conta a jovem, que já é mãe de uma menina.

Com experiência como psicóloga escolar, Rita não ficou surpreendida com os resultados de um estudo recente, em que 86 por cento dos jovens portugueses admitiram estar viciados nas redes sociais. Diz que “é assustadora” a relação de dependência do telemóvel e das redes, que “acabam por promover a libertação de neurotransmissores, como a dopamina, que é responsável pelo prazer. Em quantidades certas é ótimo, e faz parte da nossa vida, mas é responsável por adições como o jogo, a droga ou álcool”.

Já acompanhou casos em que a dependência é tanta que leva a adiar tarefas. “Chegam-me frequentemente pessoas que deixam de ser produtivas totalmente, porque estão de tal forma viciadas no telefone”. E não são só jovens. “Quando trabalhei com crianças, tinha muitas que diziam exatamente isso: ‘a minha mãe está sempre no telemóvel, o meu pai está sempre no telemóvel’ “.

E porque é que há esta necessidade de estar sempre no telemóvel? “Poderá ser uma fuga dos próprios pensamentos. Acredito que as pessoas hoje não sabem estar sozinhas. É assustador estar sozinho, tem-se medo da solidão e do silêncio. De certa forma, é como se as pessoas já não soubessem estar umas com as outras de forma presencial”.

Esta nova dependência, dos telemóveis e das redes, pode vir a ser incluída em breve no DSM, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais utilizado por psiquiatras e psicólogos. “Vai sendo atualizado de x em x anos, e há efetivamente essa especulação de que o próximo vai incluir uma perturbação associada ao vício das redes sociais e dos videojogos”.

Rita lembra ainda que “já se começa a falar da possível legislação das redes sociais”, e acha que “faria sentido, porque há aqui uma utilização e um consumo graves, que acabam por influenciar os jovens a ter comportamentos que não são saudáveis”.

“A literacia digital é muito importante”

Rita Costa OIiveira, de 28 anos, é de Lisboa. Estudou engenharia eletrotécnica e de computadores no Instituto Superior Técnico, e trabalha há cinco anos na Microsoft. Diz que “estamos muito longe de chegar a um consenso sobre a legislação das redes sociais”, e acha “muito difícil que isso venha a acontecer”.

“Vivemos num mundo que é globalizado, teria de ser uma lei que conseguisse cobrir todas as regiões e realidades, seria um desafio muito grande” E com tantas pessoas e jovens já em contacto com esta realidade, “voltar atrás poderia promover quase uma rede paralela, mais perigosa”.

Rita garante que há “uma preocupação muito grande na parte ética, não só de empresas na sua esfera particular, mas até como uma união de empresas, focada e preocupada com este tema”. Ainda mais agora com o ChatGPT, a inteligência artificial. “As pessoas não têm noção do quão poderoso é”, mas assegura que “os esforços da indústria tecnológica neste momento estão em comercializá-la da forma mais responsável possível”.

Rita tem por isso, uma “visão otimista”. “Também pela empresa onde estou, na retaguarda das redes sociais, vejo que há uma grande preocupação de caminhar para um ecossistema responsável e ético”, mas reconhece que falta formação.

“Estamos na era em que se fala imenso de literacia financeira, parece que está na moda. Mas a literacia digital é super importante – o que é que é a privacidade dos meus dados, da minha informação? É voltar aos básicos, o sentido crítico, saber interpretar, saber concordar”, porque “hoje em dia vemos tantos comentários negativos, insultos. Não é uma presença muito responsável e muito cristã numa rede”.

Em termos pessoais confidencia: “também sou um bocadinho viciada. Primeiro no WhatsApp, estar sempre contactável. No Instagram partilho pouco, mas consumo muito. Pego no telefone e vou-me deixando ir”.

“Não é um consumo racional, e isso preocupa-me. Chego a casa e já contei tudo ao meu marido, por Whatsapp, ou às minhas amigas. Já sei tudo. E lembro-me que quando era miúda chegava a casa e tinha imensas coisas para contar aos meus pais”.

“As pessoas pedem para ver aquilo que se ouve na rádio”

André Pereira, de 30 anos, é natural de Gaeiras, Óbidos. Com formação em vídeo e fotografia, é atualmente produtor e gestor de conteúdos para redes sociais da Renascença, em especial do programa ‘As três da Manhã’.

“Crio conteúdos que, de alguma forma, complementam aquilo que ouvimos na rádio, e cada vez mais as pessoas pedem para ver aquilo que se ouve na rádio”. Desde que não seja demasiado longo, porque “cada vez há menos paciência para ver vídeos que vão para além de um minuto ou dois, nas redes. Um minuto é quase o limite para a atenção das pessoas. Os primeiros 15 segundos, se as pessoas não estiverem a gostar, fazem scroll e têm milhares de vídeos para seguir no reels ou outra plataforma qualquer”.

Sublinha ainda a rapidez com que querem ter acesso às coisas. “Ouvem o Extremamente Desagradável na rádio, às 8h15, e às 9h tem de estar online, e só passaram 45 minutos”. No fundo, é toda uma nova forma de chegar à rádio e poder atrair novos ouvintes ou seguidores, porque hoje em dia “há centenas de podcast que todos conhecem”, e “querem ver se aquelas pessoas que ouvem são ou não reais”.

E a relação pessoal com as redes? André Pereira diz que “mudou, por causa do trabalho. Uso as minhas redes sociais todos os dias, é verdade, mas quando chego a casa não me apetece assim tanto” .

Se pudessem, que pergunta fariam ao Papa?

O desafio encerrou mais este episódio do ‘Somar Ideias’, dedicado à ‘ditadura do digital’. Rita Costa Oliveira, que segue a conta do Papa no Instagram, perguntaria “se só pudesse fazer um post, qual é que seria esse post? Qual seria o tema?”.

André Pereira gostava de saber como é que Francisco vê “as redes sociais, no geral, se acha que afastam ou aproximam os jovens da Igreja?”.

Rita Ferreira, como psicóloga, queria pôr-se “na pele do outro” e, no caso, “perceber como é que é estar na pele do Papa?”.

Vasco Lage confessa que, como cristão, teria “milhões de questões” que gostaria de colocar. Mas, ligando ao tema do debate, e sendo o Papa Francisco “conhecido pela forma simples e atenta como comunica”, diz que “pediria dicas e conselhos” para “comunicar melhor”.

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