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Maria Rosário Carneiro
Opinião de Maria Rosário Carneiro
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​Resistir

07 fev, 2017 • Opinião de Maria Rosário Carneiro


Muito do que se ouve é igualmente assustador: outros fizeram ou outros fazem. E parece tudo afinal tão fácil, tão terrivelmente possível.

Ao ler as notícias e os vários registos actuais das afirmações dos líderes políticos, nomeadamente do recentemente empossado em Washington, e ao ouvir os vários comentadores e fazedores de opinião, ocorre-me que o grande desafio que se nos coloca é o da resistência militante.

Não desistir, não relativizar, persistir e defender inabalavelmente os valores que sustentam a nossa civilização e que são os únicos que ainda, e de forma por vezes imperfeita, são baluarte de uma promessa de paz e de justiça.

As propostas que surgem em catadupa atordoante são assustadoras. Referindo somente algumas, e a título de exemplo, cito o fechamento aos outros, a interdição de entrada a alguns (por razões de pertença a uma confissão religiosa), a menorização dos grupos excluídos e a respectiva sujeição a reiteradas discriminações, a aceitação de práticas há muito consensualmente rejeitadas, como o uso da tortura. Muito do que se ouve é igualmente assustador: outros fizeram ou outros fazem. E parece tudo afinal tão fácil, tão terrivelmente possível.

A ocorrência ou a prática do errado nunca pode ser forma de explicação ou de aparente aceitação inevitável e tácita. Bem pelo contrário, são sinais de uma sociedade desorganizada que, de forma dita pragmática, vai relativizando sucessivamente o atropelo dos valores que sustentam a nossa civilização, de uma sociedade que se vai fechando e tornando obscura e que, de forma insustentável, faz do medo a sua arma vital, do outro o inimigo a dominar.

No nosso mundo global, a pobreza do outro é a minha pobreza, a discriminação do outro é a minha discriminação e exclusão, e por isso, a diversidade do outro é a razão da minha riqueza, a abertura ao outro e a construção com o outro, a promessa de um desenvolvimento sustentável e de uma paz duradoura.

O mundo não se fecha porque alguém quer ou o decreta, mas o mundo pode ficar em perigo se nos recolocarmos em ilhas fechadas que se hostilizam e desconhecem.

O tribunal americano que rejeitou o decreto presidencial de interdição de entrada a alguns é bem o exemplo da atitude que não desiste na defesa intransigente de direitos fundamentais. Resistir militantemente é, sem dúvida, o desafio que a todos se coloca.

Comentários
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  • Antonio Ferreira
    08 fev, 2017 Paranaque 00:42
    Neste momento e face a circunstancias tao desafiantes como as que estamos a viver a nivel mundial, a resistencia sera uma das atitudes a adoptar, sem duvida. Se por um lado, a sociedade americana votou para presidente um homem incompentente para presidente, por outro, mostra a sua vitalidade ao resistir-lhe e opor-se-lhe nos media, no activismo e nos contra-poderes, como os tribunais.
  • Joana Ferrer Antunes
    07 fev, 2017 Lisboa 21:45
    Brilhante! Bem haja pelas suas palavras.
  • MASQUEGRACINHA
    07 fev, 2017 TERRADOMEIO 19:31
    De acordo, tudo muito bem dito. Só que as reações ao que se está a passar, umas mais assim e outras mais assado, não são mais do que isso mesmo: reações. E reações a quê? O problema está em que a tal "ocorrência ou a prática do errado" se normalizaram, e são do conhecimento de todos - coexistindo alegremente com os ditos "valores que sustentam a nossa civilização". Ou seja: Trump, tal como a resistência a Trump, são elos de uma cadeia de causas e efeitos sucessivos. Para a resistência militante de que a articulista fala, os casos de decência ou até heroísmo pessoal são apenas dedos a tentar tapar buracos num dique. Os valores da nossa civilização são, sem dúvida, os mais altos que a humanidade já concebeu. Porque não são, então, verdadeiramente praticados? A resposta é óbvia, num mundo onde oito indivíduos têm tanto como milhares de milhões de outros - é este o mal fundamental, o sistema infernal, mas sempre cheio de boas intenções e defesa de valores, que ciclicamente nos vai abanando. Para lá da resistência pontual, aliás admirável e urgente, há que começar a pensar em tratar da verdadeira causa de efeitos aparentemente diversos, quase irracionais, todos eles, em pleno séc. XXI. É nesse sentido que temos que militar, que impor politicamente os nossos valores, antes que o insaciável abismo da ganância e do poder nos engula de vez.