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Luís António Santos
Opinião de Luís António Santos
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Não há debates maus

15 jan, 2022 • Opinião de Luís António Santos • Opinião de Luís António Santos


Nas duas últimas semanas, escreveu-se muito sobre os debates entre os líderes políticos dos partidos com representação parlamentar. ‘São demais’, ‘é muito pouco tempo’, ‘estão sempre a gritar’, ‘os moderadores não moderam nada’ foram algumas das leituras mais comuns. Há, certamente, bastante a melhorar, mas creio que, na generalidade, parte substancial destas observações passa ao lado do essencial.

É certo que há circunstâncias em torno deste modelo de apresentação do confronto político/ideológico em tempo de pré-campanha eleitoral que o condicionam. Se à curta duração dos debates – que foram, até aqui, sempre binários (eu contra ti) – juntarmos os constrangimentos decorrentes do predomínio da imagem (linguagem verbal e não verbal), as estratégias de promoção de cada estação de televisão (sempre centradas em ideias bélicas – confronto, embate, ‘frente-a-frente’) e ainda uma lógica de comentário tendencialmente focada na resposta a perguntas como ‘quem é que ganhou?/quem é que perdeu?, estamos, de facto, perante uma redução substancial do espaço de manobra dos agentes envolvidos. Cada líder político sente que precisa de passar a sua mensagem nos precisos moldes deste enquadramento rígido, o que significa deixar impressões fortes, em segmentos muito curtos e impactantes (à semelhança do que acontece, na realidade, num combate de esgrima).

Mas, com franqueza, muito pouco aqui será novo ou até surpreendente, quer para os líderes políticos quer para nós próprios, cidadãos eleitores. O relevante – sobretudo se considerarmos o momento excecional que vivemos, com as ações políticas praticamente limitadas a estes debates – seria perceber em quem gere os média uma preocupação especial com esta combinação de circunstâncias, quer na preparação das moderações quer na seleção das pessoas que comentam. Aí, sim, há muito caminho ainda a fazer, percebendo-se que, no caso de alguns painéis, não há qualquer variedade e todas e todos falam a partir de um só olhar.

Dito isto, o que tivemos até agora foi, apesar de tudo, um exercício com enormes virtudes.

A primeira e mais importante será a de nos apresentar em pé de igualdade (no mesmo plano e com acesso ao mesmo tempo de fala) líderes de partidos políticos com expressões eleitorais muito distintas. Há, se quisermos, um nivelamento por cima, que abre a porta à curiosidade e que permite pensar em opções para lá das que normalmente temos. Há, ainda, a um nível mais básico, a oportunidade de perceber como reagem representantes de instituições mais estabelecidas a questões concretas sobre desafios novos e como reagem os que representam partidos mais pequenos aos constrangimentos naturais decorrentes da responsabilidade da governação.

A segunda, não menos importante, é a possibilidade de – numa série tão longa de discussões – podermos todos perceber que estratégias de discurso diferentes são usadas com opositore(a)s diferentes e ainda que, no meio de discursos muito ensaiados, acontecem momentos talvez mais genuínos, como quando Rui Rio diz a João Oliveira: "tomara eu ter no meu partido muita gente com a coerência do Jerónimo de Sousa".

A terceira e última será a oportunidade de termos não apenas os chamados ‘debates decisivos’ (exageros de estratégias de promoção, naturalmente) mas também conversas muito vivas entre representantes de partidos que estão do mesmo lado do espectro político (Francisco Rodrigues dos Santos e André Ventura, por exemplo); é nessas conversas que podem perceber-se diferenças de forma mais clara.

O debate de ideias é a essência da atividade política. O debate de ideias de forma viva (às vezes muito viva, até) é, portanto, sempre saudável, desde que aconteça dentro de parâmetros de respeito e entendimento mútuo. Aquilo que se considerará ‘ruído a mais’ é, por isso, sinal de vitalidade do sistema.
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