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José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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​Israel: 75 anos

17 mai, 2023 • Opinião de José Miguel Sardica


O futuro continuará a ser problemático, mas qualquer pacificação da velha Judeia tem de passar por um regresso ao passado - a 1947 - e à ideia dos dois Estados.

«Israel» é uma palavra bem conhecida, mas problematicamente polissémica. A sua etimologia hebraica perde-se na noite dos tempos, como designação das tribos do “povo eleito” do Deus do Antigo Testamento. Os “israelenses” eram também judeus, porque habitavam o que antiguidade conhecia como Judeia. Liquidada a sua autonomia pelos romanos, a diáspora judaica errou pelo mundo, chorando o exílio forçado, no desejo de um “êxodo” de volta à Terra prometida. Durante 1900 anos, os judeus cimentaram uma nação de história, religião, sangue e pretendido destino comum, ainda mais porque a também longa história do antissemitismo - das lendas medievais sobre o judeu “outro”, pestífero ou usurário, ao ódio racial politizado do totalitarismo e do holocausto nazis - sempre ameaçou a sobrevivência daquele povo.

Foram, sobretudo, os «pogroms» europeus de finais do século XIX e as promessas britânicas durante a I Guerra Mundial, e já no quadro do mandato britânico sobre a Palestina, a partir de 1919, que aceleraram a migração em massa dos judeus para a (sua) Terra Santa. Reivindicavam “uma terra sem povo para um povo sem terra”. Acontece que se o povo judeu, de facto, não tinha terra, a terra pretendida - a Palestina - tinha um, aliás vários povos: comunidades muçulmanas ali estabelecidas há séculos, judeus árabes que ali tinham sobrevivido, grupúsculos cristãos e outras etnias/cultos autóctones. Foi sobretudo a vizinhança e difícil convivência entre judeus imigrados e muçulmanos estabelecidos que estabeleceu um sangrento braço-de-ferro para a História. Impotente para dirimir o que a revolta árabe de 1936 já revelara, o Reino Unido renunciou ao mandato sobre a Palestina e entregou o caldeirão à ONU. Solução por esta proposta, em 1947: dois Estados, um judeu e outro palestiniano. No país do Rei Salomão, a solução salomónica não agradou a ninguém. O mapa de partição da ONU era territorialmente confuso e Jerusalém, cidade santa das três religiões monoteístas, era (e é) reivindicada pelos discípulos da Torá e do Corão.

A 14 de maio de 1948, horas antes do termo do mandato britânico sobre a Palestina, David ben Gurion proclamou constituído o Estado de Israel, suscitando violenta resposta dos palestinianos e dos Estados árabes vizinhos, e determinando a 1.ª guerra israelo-árabe. Uns dirão que a pequena nação judaica foi obrigada a defender-se perante o cerco hostil de um Islão que sempre olhou Israel como um “cancro” produzido pelo Ocidente naquela nevrálgica parte do mundo; outros contraporão que foi o expansionismo judaico que desde logo começou a expulsar ou “guetizar” comunidades de palestinianos, chamadas a repararem crimes (o Holocausto) de que não tinham culpa. De um lado lembra-se o direito à “Aliyah” (migração) sionista; do outro lamenta-se a “Nakba” (catástrofe) palestiniana.

75 anos passaram já sobre o momento fundador do Estado de Israel. Na aridez do deserto, fustigada pelo fundamentalismo islâmico, nasceu uma democracia com bons índices de desenvolvimento. Desde então até hoje, cíclicas guerras, de responsabilidade diversa, tanto palestiniana como israelita, na triste lógica de “matar-ou-morrer”, têm cavado ódios, semeado destruição e erguido muros entre o país dos judeus, de um lado, e a Cisjordânia, Gaza e quem as radicaliza, do outro. Jerusalém permanece dividida e, por isso, disputada. O futuro continuará a ser problemático, mas qualquer pacificação da velha Judeia tem de passar por um regresso ao passado - a 1947 - e à ideia dos dois Estados, que talvez o tempo um dia fará habitar por novas gerações, finalmente cansadas da guerra e apostadas em viverem na paz do(s) Senhor(es).

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