06 abr, 2023
No 10.º aniversário do início do seu Pontificado, e superadas as mais recentes dificuldades de saúde, o Papa Francisco prepara-se para presidir às cerimónias da Páscoa, em Roma. Fá-lo-á, como todos os seus antecessores há décadas ou séculos, “urbi et orbi”, da cidade romana, sede do papado, para todo o mundo católico – e mesmo cristão, dado que os cristianismos de ritos não católicos não deixam de o escutar, como os das igrejas da Ucrânia ou da Rússia, onde a sua palavra tanto deveria ecoar por estes tempos.
A mensagem de Francisco para a Quaresma de 2023 foi anunciada na Igreja de São João de Latrão, no passado dia 25 de janeiro, na solenidade da festa da conversão de São Paulo. Nascido Saulo de Tarso, o futuro apóstolo descobriu já adulto a verdade da fé cristã, passando a difundir a mensagem de Cristo com o mesmo proselitismo com que antes, até à revelação recebida na estrada de Damasco, perseguira os primeiros cristãos. Pensando no seu exemplo, o Papa Francisco salientou, na sua mensagem quaresmal, que o caminho para a Páscoa, anualmente renovado no mais importante período do calendário litúrgico, é uma experiência de “ascese”, um tempo em que Cristo nos “toma consigo”, elevando-nos acima dos nossos “compromissos ordinários” que nos fazem “transcorrer uma vida quotidiana frequentemente repetitiva e por vezes enfadonha”. A Quaresma é um “caminho” (porque Ele é o Caminho), uma “subida”, uma “peregrinação”, uma “excursão à montanha” - um tempo e um percurso em que precisamos de manter “os olhos bem fixos na vereda”; e “o panorama que se deslumbra no final surpreende e compensa pela sua maravilha”.
Todas as religiões monoteístas do Livro (cristianismo, judaísmo e islamismo) têm o seu tempo fundamentalista (uso a palavra na sua semântica teológica, de todo o que procura viver coerente e fundamentalmente o seu credo…), de desligamento do profano e purificação interior. Os islâmicos têm o Ramadão, os judeus o Yom Kippur, os cristãos o Tríduo Pascal; e na mesquita, na sinagoga ou na igreja, o muçulmano, o judeu e o cristão fazem exatamente a mesma coisa. Só da consciência desta similitude pode florescer o tão apregoado, e tantas vezes inutilizado, diálogo inter-religioso.
A Páscoa de 2023 ocorre num mundo mais perigoso e num Portugal mais cansado. Sobretudo, a grande festa cristã acontece entre tempos e sinais que não poderiam ser, entre si, mais contrários. 2023 foi o ano em que a Igreja portuguesa teve, está a ter e terá ainda de enfrentar o tremendo anti-humanismo dos casos de abusos sexuais sobre crianças no interior do clero e das estruturas católicas ao longo de anos; e 2023 será também o ano em que Lisboa (e Portugal) serão palco das Jornadas Mundiais da Juventude, uma extraordinária oportunidade de revigoramento da fé como celebração coletiva, como encontro e dinamismo dos que militam por uma escatologia atuante no mundo. O enorme choque da revelação do relatório da Comissão Independente não vai desaparecer – e muito menos as consequências morais (das legais terá de cuidar a Justiça) que é preciso extrair, para ações consequentes de reparação do mal feito. E a alegria das Jornadas (parece que o famoso palco já se terá consensualizado – e a obra cresce no terreiro ribeirinho do Tejo), jamais poderá servir como leniente para o mal-estar que existe entre a hierarquia, os católicos e a opinião pública pelos crimes sexuais revelados. Mas toda a queda é um (re)começo; e a Páscoa, que soleniza a morte e celebra a ressurreição, é o melhor dos (re)começos. Em 2023, o catolicismo português, como outros, bem necessita de (se) recomeçar.