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João Ferreira do Amaral
Opinião de João Ferreira do Amaral
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Crise e endividamento

04 nov, 2022 • Opinião de João Ferreira do Amaral


Temos um choque dos preços da energia. Temos hoje uma inflação de 8 ou 9% ao ano e teme-se as consequências dos aumentos das taxas de juro.

A quem tenha vivido ou se tenha informado sobre as crises económicas dos últimos cinquenta anos pode parecer estranho que se qualifique de crise a evolução actual da maior parte das economias chamadas ocidentais. E na realidade, se olharmos para a frieza dos números, não parece haver razão para tanto pessimismo e tantas previsões de recessão como as que têm aparecido nos media, originárias algumas delas de instituições credíveis.

Temos um choque dos preços da energia: mas já tivemos vários outros desde 1973 e alguns deles de impacte maior do que o actual. Temos hoje uma inflação de 8 ou 9% ao ano. Mas muitos países, entre os quais o nosso, já tiveram ritmos inflacionistas superiores ao dobro do ritmo actual e não deixaram de viver com eles. Teme-se as consequências dos aumentos das taxas de juro, mas a verdade é que as taxas de juro reais (isto é, as taxas de juro descontado o aumento de preços) continuam muito negativas e essa situação tende a beneficiar os devedores e não os credores. Então, não há crise e anda toda a gente enganada?

Na verdade, há razões para estarmos preocupados. Não porque os choques que as economias estão a sofrer sejam mais intensos do que no passado mas porque as economias modernas são muito mais vulneráveis a esses choques.

O que explica essa maior vulnerabilidade é o facto de estarem muito mais endividadas do que no passado. E não falo aqui apenas do endividamento público. Refiro-me principalmente ao endividamento das famílias e das empresas. Um alto nível de endividamento impede que os devedores beneficiem imediatamente de taxas de juro reais negativas porque, aumentando as taxas de juro as dificuldades imediatas de tesouraria, estas dificuldades sobrepõem-se aos ganhos que a inflação permite ao reduzir o valor real da dívida que os devedores contraíram. É o que sucede, por exemplo, às famílias muito endividadas com o crédito à habitação.

O endividamento de uma economia nas suas três componentes (famílias, empresas e Estado), quando é excessivo, torna muito mais problemático desinflacionar uma economia através da política monetária, ou seja através do aumento da taxa de juro. Nada disto foi considerado pelas instituições da zona euro.

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