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Líder do Chega. “Rio vai ter que escolher se prefere ter como ministro da Justiça António Costa ou André Ventura”

27 dez, 2021 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Helena Pereira (Público)


André Ventura diz ter aprendido a lição com os Açores: novo acordo com PSD só com lugares no Executivo. Embalado por algumas sondagens, o líder do Chega acredita que não terá menos de 8% nas legislativas antecipadas e aceita negociar com o PSD um pacote faseado para a reforma fiscal.

Líder do Chega. “Rio vai ter que escolher se prefere ter como ministro da Justiça António Costa ou André Ventura”
Líder do Chega. “Rio vai ter que escolher se prefere ter como ministro da Justiça António Costa ou André Ventura”

André Ventura diz-se convicto que será a terceira força política mais votada nas legislativas de 30 de janeiro e mantém-se disponível para integrar um Governo do PSD. Em entrevista à Renascença e ao jornal Público, o líder partidário desafia Rui Rio a clarificar posições no dia 30 de Janeiro. Vai ter que escolher: Aceita governar com este Chega “ou prefere ir para a cama com António Costa”.

Rui Rio continua a dizer que está completamente fora de questão uma coligação com o Chega, porque o partido de André Ventura não se moderou e prefere não formar governo a ter de se coligar consigo. O Chega não vai ter aquilo que quer, se o PSD ganhar as eleições?

Veremos se é assim ou não. Já vi muitos irrevogáveis no PSD e no CDS. Vamos ver como a coisa corre. O ponto, para nós, é este: vamos manter o nosso discurso, porque entendemos que foi isto que nos trouxe ao crescimento que hoje temos, segundo as sondagens. Não vou moderar. Tivemos dois congressos, a oportunidade de ouvir o partido todo e eu não podia tomar uma decisão contrária aquilo que o partido me pediu. O partido não me pediu moderação. Pediu mais força e mais firmeza nas causas, mesmo que isso implique não ir para o governo.

Rui Rio vai ter de fazer uma escolha. As sondagens hoje dizem que o PS deve vencer as eleições. O PSD vai estar a seguir e o Chega vai ser a terceira força política. Isto significa que se, por acaso, o PSD, IL e CDS formarem uma maioria de direita, Rio vai ter de tomar uma decisão: ou quer, ou não quer. Não é o Chega que vai ter de tomar uma decisão. A nossa está tomada há muito tempo. Contribuiremos para um governo não socialista com as reformas naquelas áreas que todos já conhecem. O PSD tem de dizer se aceita ou não. Se disserem: “Eu não aceito e prefiro governar com o PS”, para mim, eleitoralmente, é fantástico. Significa que o PSD optou por ser um PS 2, prefere ser a muleta do PS do que governar à direita. A partir daí os portugueses sabem que só há uma oposição que é o Chega.

Está a dizer que a palavra de Rui Rio não é lei e que está à espera que ele possa mudar de ideias?

Não, não, estou a dizer que é incoerente. Até disse isto durante a campanha interna do PSD: acho que Rui Rio tem muito mais assertividade do que Paulo Rangel. Não tenho dúvidas nisso. Acho é que, se Rio disser que se depender do Chega abdica, sabendo que o Chega está em terceiro nas sondagens, é o mesmo que António Costa dizer, há cinco anos: “Se depender do BE, eu abdico.” Estamos mais ou menos a 30 dias das eleições. Não há milagres em política.

Mas há surpresas...

Sim, o Chega pode não ficar em terceiro e pode ficar em quarto. Pode não ter 10%, ter 8%, ter 6% ou até ter 12%, 14% ou 15%. O que sabemos é que vai andar por ali nesta margem. Não vai descer, num mês, para 1% nem para 2%. Há um eleitorado já fixo. Rui Rio sabe isso e quando diz “se eu precisar do Chega, eu abdico de governar”, ele vai ter de explicar aos portugueses na noite eleitoral que a direita tinha condições para uma maioria, mas como há o Chega não se quer meter nisto e abdica para o PS. O eleitorado fará disso o juízo que tem de fazer e espero que o eleitorado de direita perceba, de uma vez por todas, que ali temos tudo menos direita. Temos um centro-esquerda igual ao PS. Quem é de direita, os empresários, o comércio, os antigos eleitores de Pedro Passos Coelho, de Paulo Portas, de Cavaco Silva têm de perceber hoje que votar no Chega é a única solução que têm.

Rui Rio diz que coligação formal em que o Chega possa ter ministérios, não. Se for algo que não implique uma coligação, que seja, por exemplo, uma solução de apoio parlamentar nalgumas questões-chave, Rui Rio não disse que isto não possa existir. Aceita isso, ou é o tudo ou nada? É fazer parte do governo? Um acordo de incidência parlamentar como nos Açores não serve?

Repare o que o PSD nos está a dizer. Para governar, vocês não servem, porque são muito radicais, mas para estarem lá para nos apoiarem já servem. Servimos para levantar a mão e baixar. A isso respondemos que não. O Chega não é um partido-muleta, para isso o CDS e a IL já estão lá. Somos um partido para fazer valer causas.

Qual é a diferença entre fazer um acordo de incidência parlamentar nos Açores e um acordo semelhante no continente?

A gente viver é também aprender.

Arrepende-se do que aconteceu nos Açores?

Não me arrependo, mas percebi que não foi a solução equilibrada que devíamos ter tido e com a força que o Chega já tinha. Teve quase 6% nas eleições regionais e aceitou não ir para o governo, ao contrário do CDS. E o que temos? Um governo que continua com familiares e com compadrios que já foram noticiados várias vezes, o gabinete para a corrupção só avançou quando eu disse no Parlamento que íamos tirar o apoio ao governo dos Açores, o apoio às famílias continua por fazer e o nível de subsidiodependência está pior este ano. Quando olho para aquilo que nós acordámos, percebo, não o erro, mas a ineficácia que foi aquele acordo. Se me perguntam: “Vai fazer o mesmo a nível nacional?” Para quê? Para ficar com os erros do PSD e não fazermos as reformas que é preciso fazer?

Nesse caso, está a empurrar Rui Rio para o PS?

Não, ele é que tem de dizer porque não quer ministros do Chega. Têm lepra, têm Covid? Ele tem de decidir porque não quer isso. Porque não é de direita! Ele quer governar à esquerda.

Mas a direita tem um espectro largo. Não é só o Chega.

Sim, mas temos de lidar com os cenários que temos. Ninguém acha possível o PSD, CDS e IL conseguirem uma maioria absoluta. Vão precisar do Chega. Não sou eu que digo, são as sondagens. Quando, perante isto, Rio diz que prefere governar com o PS e não com o Chega, com tudo o que de mal o PS fez ao país, então percebe-se aquilo que eu tenho dito: por que razão Rui Rio votou 60% [das vezes] ao lado do PS [no Parlamento]. Identifica-se muito mais com o PS do que com o Chega. Eu não acho isso mal, só acho que os eleitores de direita têm de saber isso. Rui Rio prefere governar com António Costa do que com André Ventura. Na noite eleitoral, o que vai estar em causa é isto: Rio prefere ter como ministro da Justiça António Costa ou André Ventura?

Nem que Cristo desça à terra o Chega vai deixar de ser a terceira força nacional, nem que Rio durma para um lado, durma para o outro, grite para um lado, grite para outro. Dia 30 de Janeiro, só tem de dizer uma coisa à noite. “Aceito governar com este Chega ou eu prefiro ir para a cama com António Costa.” Espero que Passos Coelho, Cavaco Silva vejam esta entrevista e possam dizer aos eleitores que confiaram neles para fazer uma reforma fiscal, uma reforma política, onde foi preciso pôr as contas em ordem, se preferem governar com o PS ou com o Chega.

Se no PSD disserem: “Eu não aceito e prefiro governar com o PS”, para mim, eleitoralmente, é fantástico

Ainda bem que fala na reforma fiscal. Olhando para o programa eleitoral do Chega apresentado na última quinta-feira, quais são afinal as prioridades do Chega? O PSD já foi claro e disse que não há agora condições para baixar impostos e que, quando houver, a prioridade é baixar o IRC. Sobre isso diga-nos claramente o que defende o Chega.

O IRC para nós é um vetor importante. A descida do IRC traz consigo o maior investimento direto estrangeiro e o maior investimento empresarial, mas não é por si só. É preciso desburocratizar a Justiça. Um processo num tribunal administrativo demora oito anos. Mais importante do que a baixa do IRC é o corte nesta progressividade absurda do IRS que temos. Há hoje portugueses cujos rendimentos, mais de 40%, vão para impostos. É isto que está errado: a ideia de que quem produz mais, trabalha mais tem de ser mais penalizado. O sistema português é: quem mais trabalha mais penalizado é. O nosso sistema de progressividade de IRS dá saltos que provoca que quem trabalha e se esforça mais paga mais.

Defende menos escalões, portanto.

Sim.

Então há aqui uma enorme diferença entre PSD e Chega para se entenderem em termos fiscais.

Mas há uma diferença. Nós, aí, mostrámos abertura. Defendemos tendencialmente uma taxa única – a IL até é próxima de nós –, mas admitimos que é um cenário que levanta alguns problemas de justiça social complexos e que deve ser a realizar a médio prazo. Mostrámos abertura para nos sentarmos com PSD e IL e definirmos uma estratégia fiscal a médio prazo, negociar o que é possível fazer a quatro anos e a oito anos.

Essas conversas nunca existiram com o PSD ou com dirigentes nacionais?

Existiram com vários dirigentes nacionais com quem eu falo muitas vezes. Com Rui Rio as conversas têm outro sentido, são mais formais e mais focadas no episódio dos Açores e no pós-Açores.

E estava a torcer por Rio nas diretas. Já disse que era mais assertivo do que Rangel.

Não estava a torcer por ninguém. Cada partido decide. Acho Paulo Rangel um líder muito fraco, do ponto de vista do discurso e da presença, para a oposição na direita, honestamente. Via-o muito ziguezagueante em muitos temas.

Mas muito mais crítico de Costa do que Rio.

Mas porque não estava lá. Se lá estivesse, provavelmente tinha feito a mesma coisa.

Depois de Açores houve conversas com Rui Rio e dirigentes nacionais do PSD sobre estratégia política?

Não vou revelar isso. Foram conversas de natureza mais pessoal e não institucional. Ao ponto a que estamos não há nada para conversar com Rui Rio. Só teremos de falar dia 30 de Janeiro à noite. E se algum de nós sair depois dessas eleições, nunca mais falaremos.

Admite que isso possa acontecer? Sair da liderança?

Sim, se eu ficasse com um deputado à mesma.

Já disse que gostava de ter 15 a 25 deputados. Se ficar abaixo disso, demite-se?

Não, não faz sentido. O partido teve eleições diretas agora. Tive 12% nas presidenciais, o resultado que ambicionamos é entre 15 e 25 deputados. O resultado mais realista em termos de percentagem será entre 8% e 12%. Se a bipolarização se acentuar, pode ser um pouco menos. Não faz sentido criar crises no Chega, se isso acontecer.

Não vai fazer uma encenação como das últimas duas vezes?

Não e não foi bem uma encenação. O Chega neste momento está seguro.

Afastou um ex-vice-presidente e fundador do partido, Nuno Afonso, das listas de deputados. Trata-se do militante número dois do Chega. Porquê? Quem o critica abertamente tem o destino traçado?

Não se trata disso. O Nuno Afonso é meu chefe de gabinete e foi coordenador autárquico. Foi candidato à Câmara de Sintra.

Mas Nuno Afonso já aventa a ideia de sair do partido depois de 30 de Janeiro e de avaliar o resultado eleitoral.

Não me parece que foi isso que ele quis dizer. Já falei com ele depois disso. Temos de perceber que tem de haver a capacidade de ter múltiplos rostos para funções diferentes – por exemplo, o embaixador António Tânger é hoje vice-presidente do partido. É um embaixador que esteve em sítios onde muitos embaixadores não estiveram.

E foi também o único embaixador suspenso de atividades com um processo disciplinar.

Perdeu na parte administrativa mas ganhou em tribunal. Mas o que queria dizer é que o António Tânger podia queixar-se, é vice-presidente do partido e não vai nas listas de deputados. Esta ideia de que quem não vai nas listas é porque é crítico e que o presidente o quer afastar não tem nada que ver. As pessoas têm perfis para diferentes funções.

A ideia é essa. O senhor tem o poder único de escolher todos os candidatos a todas as eleições, desde juntas de freguesia ao candidato presidencial. Isso não acontece em mais partido nenhum.

Excepto no PCP.

O PCP tem órgãos, é o comité central que elege a comissão política. Os órgãos são eleitos. Não é um homem que manda.

Mas sabe qual é a questão? Ninguém pergunta ao PCP se aquilo é um partido de um homem só, que está há 16 anos a mandar sozinho com um grupo reumático à volta dele. E ninguém se preocupa com isso, porque é o PCP. O comité central elege todos os órgãos e delegações regionais. No Chega, há eleições para todos os distritos. Fui eleito em diretas, o que querem mais? O congresso mandatou-me a mim para escolher os candidatos. Só eu e o Rui Rio somos eleitos por diretas. Nos outros partidos não é assim. São eleitos em círculo fechado.

Há diretas no PS também. E reconhece que houve alguns erros de casting em algumas escolhas de candidatos autárquicos?

É a prova de que se calhar não há um controlo assim tão férreo. É a prova de que confio nas pessoas e não há nenhum comité central que investiga as famílias das pessoas. Tivemos erros de casting, mas sabe porquê? Porque fomos ao país todo. A IL, PAN e CDS tiveram menos de metade dos nossos candidatos, porque nós arriscámos ir ao país todo, quisemos ser nacionais verdadeiramente. Quisemos ir a todo o lado e quando vamos a todo o lado cometemos erros.

Porque não seleccionaram melhor as pessoas?

Seleccionar 40 mil pessoas não é fácil.

O resultado que ambicionamos é entre 15 e 25 deputados

Alguns candidatos não o envergonharam?

A mim, os meus nunca me envergonham. Estou com eles até o fim. O povo português não me envergonha.

Vamos passar à eutanásia – sendo contra esta prática, dá o caso como perdido para o Chega? Acha que a futura composição parlamentar irá manter tudo na mesma com uma provável maioria a fazer aprovar a legislação?

Não, não dou. Acho que é possível reverter a legislação. O Presidente da República teve um pouco de falta de coragem na forma como impediu que o diploma avançasse. Arranjou ali problemas técnicos e jurídicos que, na verdade, nem foram muito bem explicados. A eutanásia tal como está a ser proposta não faz sentido num país em que os cuidados paliativos não avançam, a luta contra o sofrimento não avança e em que o valor da vida é cada vez mais desprezado. Se o Presidente da República tivesse coragem política, faria um veto político e não um veto de secretaria.

Como não o fez, deu margem para que na próxima legislatura isso venha a ser discutido. Se a esquerda tiver maioria, acho que a eutanásia avança. O Presidente da República fica sem força para continuar a encontrar motivos técnicos, científicos ou jurídicos para continuar a impedir. Se a direita vencer, vai depender da votação no PSD, uma vez que Rio é a favor. Se um dia a esquerda voltar, acho que sim, que a eutanásia será aprovada.

Comentários
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  • João
    13 jan, 2022 Porto 09:53
    Oxalá que o Chega tenha muitos votos...
  • Sara
    10 jan, 2022 Lisboa 15:15
    Ajuda nos vê o que aconteceu em Almada, andam a matar os nossos filhos e acham tudo normal
  • Ricardo Machado
    28 dez, 2021 Açores 11:43
    O Sr André Ventura disse as verdades que os jornalistas não gostam de ouvir, tanto que se viu o ódio das duas sras. Uma vergonha como nossa comunicação social está capturada pela extrema esquerda, mete nojo a mentira e distorçam que fazem da verdade... CHEGA...
  • Hugo Seleiro
    27 dez, 2021 Almada 18:41
    Não votem nesta pessoa !
  • Pedro Rui
    27 dez, 2021 Beja 18:02
    O Ventura, o tal que era anti-sistema, afinal quer é tacho. Até sabe qual o poleiro que quer. Mais do mesmo.
  • J M
    27 dez, 2021 Seixal 16:31
    Esperemos que o PSD não dê a mão a este manipulador, independentemente dos votos que vier a ter. Triste povo este, que se deixa alienar pelas modas europeístas da extrema-direita, como se fossem credíveis as palavras por eles proferidas. Quando vi imagens do congresso deste partido da bos** ao imbecil só faltou começar a espernear, parecia um hitlerzinho aos berros em cima do palanque a espalhar demagogia, tal como um hipopótamo o faz com a cauda quando está a defecar. Que pena não ter aparecido o "grupo reumático" do PCP para… e fico-me por aqui.