11 nov, 2022
O Papa Francisco disse há dias que as mulheres fazem sempre tudo bem na igreja. A citação direta é esta: “sempre que uma mulher vem fazer uma coisa ao Vaticano, as coisas ficam melhores”. Se me permitem, este é um novo mote para uma velha obsessão aqui de casa: a igreja tem de dar mais poder e destaque às mulheres. É uma questão de justiça e até de sobrevivência.
Comecemos pela justiça.
As mulheres são a coluna da igreja. Sem o exército de mulheres, a igreja não funcionava, não havia catequese, não havia centros de dia para jovens e idosos, não havia missa, não havia voluntariado. O dia-a-dia da igreja é mantido por mulheres e raparigas. As mulheres são o proletariado da igreja que faz o trabalho de sapa para quem está em cima, os homens, o clero, padres e bispos. A injustiça é tão evidente e confrangedora que por vezes é mesmo difícil estarmos na igreja, é mesmo impossível, senão impossível, levar duas raparigas à igreja, isto é, para um espaço onde só os homens têm poder apesar do trabalho permanente de mulheres.
As mulheres têm de ter mais poder na igreja e um país mariano como Portugal devia estar na vanguarda dessa ideia. Maria e Madalena são apóstolos fundamentais, Maria é a luz no início perante Gabriel e, no fim, é ela quem arregimenta os apóstolos amedrontados. E quem é que vê pela primeira vez a Verdade ressuscitada para depois anunciá-la ao mundo? Madalena.
Sim, o clero devia estar aberto a mulheres.
Muitos vão dizer que este meu argumento é uma mera cedência ao ar do tempo. Em relação a isto, há que dizer três coisas. Primeira: às vezes o ar do tempo exterior à igreja está mais certo do que o ar que se respira na igreja. Querem um exemplo? Foi a cristandade não católica que liderou a luta contra o fim da escravatura no século XIX. Segunda, a igreja também cede ao ar do tempo. A ideia de que os padres não podem casar é uma imposição da idade média, não é uma imposição do Evangelho. Aliás, a partir do Evangelho, fica claro que os pastores da igreja devem ser homens com família. Terceira: qual é o salto mais arriscado? Dizer que os padres têm de ser celibatários quando não existe nada na Bíblia inteira que indique isso ou dizer que as mulheres podem aceder ao sacerdócio quando o texto sagrado está marcado pela presença marcante de mulheres, a começar em Maria?
Falta a questão da sobrevivência.
Sem mais poder e destaque feminino, parece-me impossível a sobrevivência da igreja no mundo ocidental deste século. A igreja não poderá ser a igreja de sempre se não mudar neste aspeto. Na idade média, fez sentido impor o celibato dos padres por uma série de razões. No século XXI, faz sentido abrir o sacerdócio às mulheres por uma série de razões que são auto-evidentes para quem vive aqui e agora e, já agora, para quem lê a Bíblia.