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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Abusos: claro que a Igreja tem de ser o alvo principal

14 out, 2022 • Opinião de Henrique Raposo


Quando são apanhados em atos de pedofilia, o pai, o tio, o vizinho, o treinador ou o professor são presos ou expulsos, não são desviados por superiores hierárquicos para outra família, escola ou do clube. Ao invés, um padre pedófilo era desviado de forma sistemática e intencional para outra paróquia, mantendo assim a possibilidade de continuar a praticar esse crime. É isto que está em causa.

Há pessoas na Igreja que, apesar do desastre em curso, são incapazes de dar a mão à palmatória, são incapazes de fazer aquilo que define um católico: pedir perdão e recomeçar. Não há nada mais bonito no catolicismo do que a ideia de "recomeçar". Parece porém que muitas pessoas com responsabilidades não querem recomeçar. Uns, como o bispo do Porto, continuam a desvalorizar a situação. Outros, como o padre Portocarrero de Almada, cronista do Observador, continuam a tentar relativizar, dizendo que também há pedofilia noutras instituições e noutros sectores da sociedade. Lamento, mas isto é desconversar.

Claro que a Igreja não tem o monopólio destes pecados, claro que por todo o lado há pedofilia e abuso de menores (pedofilia e uma relação sexual com um menor de 16/17 anos não são a mesma coisa; um tema paralelo que importa discutir numa instituição marcada pelo celibato obrigatório). Só que a Igreja católica é a Igreja católica, não é a secção de natação do Sporting, que teve um abusador clássico de rapazes, tal como reportou esta semana o Expresso (sim, a imprensa fala de casos noutras instituições).

A Igreja católica é o fiel depositário do Evangelho e, como tal, é colocada num nível de exigência moral acima das outras instituições. Além disso, o que está em causa não é a existência de casos de pedofilia, mas o seu encobrimento pela hierarquia – é esse o grande pecado, o pecado institucional do clericalismo sempre opaco. Quando são apanhados em atos de pedofilia, o pai, o tio, o vizinho, o treinador ou o professor são presos ou expulsos, não são desviados por superiores hierárquicos para outra família, escola ou do clube. Ao invés, um padre pedófilo era desviado de forma sistemática e intencional para outra paróquia, mantendo assim a possibilidade de continuar a praticar esse crime. É isto que está em causa, a ocultação legal do crime e a sua perpetuação através do mero desvio do padre para outra paróquia.

A igreja não é um estado à parte com regras à parte, está dentro de cada país e de cada comunidade onde existem leis gerais que se aplicam a todos, inclusive padres. O padre não pode ser um cidadão à parte debaixo de uma lei à parte, sobretudo neste tipo de crime. Um assassino é um assassino, um abusador é um abusador, use ou não cabeção. Ter de explicar isto em 2022 parece incrível, mas é a triste verdade. Enquanto a igreja continuar a ser um clube de homens celibatários fechados na bolha do clericalismo, vamos continuar nisto, neste permanente massacre a que a Igreja é sujeita. Os fariseus que recusam qualquer mudança dizem que a Igreja não tem de se adaptar aos tempos modernos. Pois não. Mas tem de se adaptar ao Evangelho.

Comentários
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  • Ivo Pestana
    14 out, 2022 Madeira 15:27
    Muitos afastam-se das igrejas, por causa destes escândalos...e a ocultação também é crime grave, pois o agressor continuará. Adoro Jesus Cristo, mas poucos o representam completamente e é pena. Deus fez os prazeres e o Homem os excessos...quem não quer religioso, cumpridor, que siga outro caminho. Que faça como o Pe Tobias, dos Açores.
  • José J C Cruz Pinto
    14 out, 2022 ÍLHAVO 10:05
    Parabéns! É muito raro estarmos de acordo, mas agora estamos - e totalmente. É mesmo isso que é preciso - objectividade e coragem para resolvermos o problema de vez, ... embora já com muito atraso, ... deixando qualquer vestígio da mais remota tolerância (quer pelos criminosos, quer pelos que os encobrem) para a infinita misericórdia divina.
  • Maria Oliveira
    14 out, 2022 Lisboa 09:47
    Cumprimento Henrique Raposo pelo seu artigo. É assim que este assunto deve ser abordado. Como católica, subscrevo-o na íntegra.
  • Francisco Ferra
    14 out, 2022 Mira 09:32
    Fantástico texto. Fantástica mensagem, Doa a quem doer, não deve haver diferenciações