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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Porque é que ser pai ou mãe nunca foi tão difícil?

17 dez, 2021 • Opinião de Henrique Raposo


A conversa surge com enorme regularidade: quando comparam os afazeres da paternidade de hoje em dia com os afazeres dos pais de 1990 ou 1980, as pessoas da minha geração concluem com razão: ser pai hoje em dia é muito mais difícil, dá muito mais trabalho. O caderno de encargos da paternidade de 2022 é muitíssimo superior ao caderno de encargos de 1990 ou 1970. Há muito mais itens para cumprir. Reparem, por favor, num pormenor: eu não estou a dizer que a geração dos meus pais foi pior na paternidade do que a minha, não estou a dizer que gostavam menos dos filhos. Estou a dizer que é objectivamente mais exigente ser pai hoje em dia. E reparem noutra coisa: não estou a dizer que esta mudança é positiva ou negativa, não estou a valorizar, estou a registar. O que se pede a um pai ou mãe em 2022 é incrivelmente superior àquilo que se pedia em 1950 ou 1990.

Para começar, o número de atividades extracurriculares não tem comparação entre as duas eras. No meu tempo, havia sobretudo a escola e a rua. Claro que já havia ballet ou judo, mas não eram realidades tão disseminadas como agora, até porque – repito – tínhamos esse imenso espaço de liberdade não vigiada que era a rua. Brincávamos na rua em liberdade e sem os pais por perto. E logo aqui vemos uma diferença enorme no trabalho paternal: nós, em 2022, andamos com as crianças de um lado para o outro, da escola para a piscina, da escola para o clube, da escola para o karaté. O tempo do adulto é comprimido, destruído. No meu tempo como filho, os miúdos andavam na rua e os pais estavam em casa a descansar. Só isto bastava para fazer o meu ponto. Mas avancemos com mais detalhes.

É mais difícil ser pai hoje em dia, porque as famílias são mais pequenas ou os seus membros estão muito afastados uns dos outros geograficamente. A rede social de apoio é inexistente ou rarefeita. É mais difícil ter filhos hoje em dia, porque a pressão laboral sobre pai e mãe é superior, o trabalho leva mais tempo. E, acima de tudo, é mais difícil ser pai porque hoje em dia sabemos mais sobre as crianças e respeita-se mais a ideia ou conceito de 'criança'. A criança não era ouvida, não era um tema social de conversa. Claro que as pessoas na sua vida privada falavam dos seus filhos, mas a educação das crianças não era um tema aberto à discussão. Não havia grandes dúvidas ou dilemas. A receita era a mesma de sempre e estava assente na autoridade indiscutível e até violenta dos pais.

De resto, o exemplo paradigmático desta diferença entre eras é a palmada e/ou o açoite. Bater na criança era normal. E era normal, diga-se, porque tornava a vida dos pais muito mais fácil – a violência e o terror silenciam. Não criam respeito no futuro, mas criam de certeza sossego no presente. Hoje nós temos de impor respeito e regras, não através da palmada, mas através da pedagogia, do exemplo e do castigo (ex.: não ver tv durante uma semana). Esta pedagogia dá muito mais trabalho do que a palmada, muito, muito mais. O que se espera (pelo menos, é o que eu espero) é que todo este trabalho funcione como a raiz de relações pais/filhos mais adultas, mais maduras, menos rígidas. Veremos.

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  • Desabafo Assim
    17 dez, 2021 Porto 13:23
    Neste espaço que se presta ao diálogo lhe digo que sob uma outra perspectiva os seus semelhantes, aqueles que mandam calar forças intrínsecas, não ficavam a descansar em casa, faziam miminhos aos idosos, aos doentes, afazeres próprios de quem se gere pela mesma força do senhor, feliz natal.