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Opinião Católica-Lisbon

Será que o aeroporto de Lisboa é o oásis europeu?

27 mai, 2024 • Luís Janeiro • Opinião de Luís Janeiro


Segundo a EUROCONTROL, Lisboa chegará no máximo a 50 milhões de passageiros por ano. A projeção CTI de 108 milhões feita por uma empresa sem expertise aeronáutica indicia fortemente uma ficção, pelo que terá de ser certificada por uma entidade que, inegavelmente, tenha a expertise do setor.

Berlim e Atenas são as provas evidentes de que a projeção da Comissão Técnica Independente (CTI), que estudou a localização do novo aeroporto de Lisboa, precisa de ser certificada por entidade com expertise aeronáutica (Eurocontrol).

Poucas andorinhas ainda não fazem a primavera europeia

A Europa ocidental ainda não recuperou o nível pré-pandemia: aferindo a amostra de 20 das cidades com mais tráfego, ainda há uma perda de 7,7% (quadro infra). O primeiro destaque é que os países-sul recuperaram mais depressa pela conjuntura da especial atração “sol” após restrições pandemia.

O segundo destaque é a economia alemã (o motor europeu) ainda estar a patinar, muito por ser o país mais afetado pelas sanções Rússia (energia), com realce para Berlim. O terceiro, é os voos diretos terem recuperado mais depressa que os de transferência, o que é claro em Paris-dual: o central Orly (ponto-a-ponto) já recuperou, enquanto o hub CDG regista perda de 11,4% (8,7M).

EUROCONTROL: na aviação pós-pandemia são mais os espinhos que as rosas no horizonte-2050

A entidade da aviação civil de que todos os países europeus são membros, a EUROCONTROL, pesa os fundamentos (população reduz/economia débil), as muitas incertezas (ambiente restritivo/sociedade exigente) e a evolução tecnológica quando perspetiva o futuro do continente.

Na sua recente projeção, que já integra os reflexos comportamentais da pandemia e as antecipadas metas do mais caro SAF (Sustainable Aviation Fuel), estima um fraco desempenho global de toda a Europa ocidental com média de 0,8% (a de Portugal), só se destacando um pouco a Grécia (1,3%) e a Irlanda (1,2%). Deste modo, é cautelar que se balize Lisboa pelo lado positivo (Atenas) e pelo lado negativo (Berlim).

O aviso do risco (alto) de sobredimensionamento de Lisboa foi dado por Atenas logo em 2007-2010

A capital grega é “gémea” de Lisboa. É um polo turístico igualmente afastado do centro europeu, a sua população é de três milhões e meio (Lisboa 3M) e tem PIB do nível de Lisboa. Ambas as cidades são pequenos hubs, Atenas para as suas inúmeras ilhas e Lisboa, além das ilhas, com parte internacional. Deste modo, o tráfego intrínseco das duas capitais é semelhante, devendo-se a atual pequena diferença (5M) ainda às sequelas da crise financeira/intervenção troika, bem mais forte na Grécia.

Graças ao seu mais forte crescimento médio (que já se notou no ano passado), vai apanhar Lisboa no horizonte-2050, em que ambas as capitais estarão no patamar 45-50 milhões.

Ora, em 2007, o frugal aeroporto ateniense de duas pistas paralelas fez 16,5 milhões (nesse ano Lisboa 13,4M) e, até hoje, 25 anos depois da sua abertura, continua sem cidade-aeroportuária e subaproveitado (no ano passado 28,2M), o que significa que era suficiente um aeroporto de uma (1) só pista (com pista-reserva) como Gatwick até agora e conforme sua evolução XXI (capacidade até 70M).

A sirene de alerta para Lisboa já está a tocar em Berlim

Um só aeroporto mais longe pode não ser melhor que dois aeroportos. Antes da pandemia, Berlim fez 35,6M (+4M que Lisboa) com dois aeroportos: Tegel-6km centro e Schonefeld-20km centro e, no ano passado, já a operar com um único aeroporto (o mais distante), registou a maior perda (35%) da amostra. O revisto “pior cenário” desta capital de mais de 5 milhões e com um PIB duas vezes e meia o de Lisboa, aponta agora para recuperar até ao final da década, o que significa que no ano 2050 o aeroporto de Berlim alcançará o patamar 40-45M.

Entretanto, para reduzir o custo operacional, o aeroporto único pensa fechar um dos terminais e uma (1) pista do par, assim passando a operar como aeroporto de uma só pista (a segunda como reserva).

No horizonte-2050, o aeroporto de Lisboa estará entre os de Berlim e Atenas

Objetivamente, segundo a avisada EUROCONTROL, Lisboa chegará no máximo a 50 milhões de passageiros. A projeção CTI de 108M feita por uma empresa sem expertise aeronáutica (escolha CTI) indicia fortemente uma ficção, pelo que terá de ser certificada por entidade que, inegavelmente, tenha a expertise do setor.

O irrealismo das projeções CTI (2050 com 108M) é atemorizador nas consequências

A tremida recuperação europeia, a abordagem ambiental até com imposição de tetos operacionais e turísticos (Amesterdão) e o combustível SAF mais dispendioso são, entre outras, variáveis fora do controlo do operador aeroportuário ou do país, o que aconselha moderação nas projeções.

Se recuarmos no tempo, constatamos que as estimativas para o horizonte 2050 feitas por empresas com expertise aeronáutica se concentram no patamar 45-50M, conforme:

  • Parsons (2007): 42M, que inclui desvio TGV (equivale comparativamente a 46-48M);
  • Vinci (2016): ≈ 50M com correção pandemia
  • Eurocontrol (2022 com efeito pandemia): ≈ 45M

O modelo desenhado pela CTI assenta todo ele em projeção galopante de uma empresa sem experiência. A ligeireza com que se indica 108M (e poder chegar mesmo a 148M) para justificar o sonho do aeroporto Alcochete, ao mesmo tempo que a grande cidade de Berlim pensa reduzir a operação do remodelado aeroporto único a uma (1) só pista é, no mínimo, gritante.

Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém: é indispensável certificar a projeção CTI

A CTI, nomeada pelo governo anterior, escolheu diretamente a empresa para fazer o estudo de procura. O atual governo, responsável pela decisão, analisou a metodologia processual do dossier aeroporto, evidentemente que sem ter podido avaliar, pela sua especificidade técnica, o que está na sua génese, a procura.

Na vigência do governo anterior (PS com apoio BE e PCP), foi pedida pela ANA (2016) à EUROCONTROL a certificação da capacidade aérea de 72mov/h referente ao HUB Portela + Montijo. Do mesmo modo, pelas gigantescas verbas envolvidas, ainda é mais aconselhável que o governo, pelo menos, encomende à mesma reputada entidade:

  • A certificação das projeções de tráfego da CTI.
  • Aditamento ao estudo-2016, com avaliação da nova pista Alverca 03-21 paralela à pista Portela.

Em decisões de relevantes projetos com risco de procura que o decisor não controla, é prática usual a revisão técnica (é o caso) por entidade independente ou até por duas quando o risco é grande. Se fazemos isso com a nossa saúde quando o problema é complicado (segunda e terceira opinião de especialistas), por mais razão o devemos fazer quando o paciente é o país.


Luís Janeiro, Docente da Católica-Lisbon School of Business and Economics.

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica-Lisbon School of Business and Economics.

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