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Opinião Católica-Lisbon

Novo aeroporto, "sopa da pedra" e megalomania

17 jul, 2023 • Luís Janeiro • Opinião de Luís Janeiro


A sopa da pedra, “à moda” da Comissão Técnica Independente (CTI), precisa de um aeroporto Heathrow, mais quatro aeroportos Gatwick, para conseguir satisfazer Lisboa.

Em primeiro lugar, procede-se à escolha dos ingredientes. Havia cinco intocáveis pela mão do masterChef (Governo): Portela (principal) +Montijo, Montijo (principal) +Portela, CT Alcochete, Santarém e Santarém+Portela. Como “pedra” da sopa, para fazer volume (e depois deitar fora), foi repescada a solução Hub Alverca-Portela, já antes lançada fora pela tutela por enviesada informação dos técnicos.

Em segredo, para ninguém conhecer a receita, deitaram-se os ingredientes (os já referidos e mais uns quantos) e os temperos na panela, foi ao lume e depois para a mesa. À frente do público, primeiro tirou-se a pedra, disse-se que era só para dar gosto, e então começou o espetáculo televisivo. Com a receita “à moda do chefe”. É, numa caricatura, o que se passou com o HUB Alverca-Portela na antecâmara da escolha das soluções

No passado dia 27 de abril, no LNEC (1ª surpresa, na casa de uma das soluções em apreço), a CTI anunciou que ainda não tinha sido possível contratar a equipa técnica para o estudo (2ª surpresa) e depois, com pompa e circunstância, enunciou as orientações “técnico-científicas” da pré-eliminatória, nas quais não constavam as fundamentais, custo e prazo (3ª surpresa, dos pontos mais fortes do HUB Alverca-Portela). Durante a apresentação, colocou-se de parte a continuidade do aeroporto na Portela, o impacto não era aceitável para a CTI (4ª surpresa, desconhecia o seu "downsizing" no âmbito do HUB Alverca-Portela).

Dentro do público, alguns técnicos começaram a aperceber-se que havia uma sequência de “temperos” (métricas) que não era casual, tinha um desígnio, a liminar exclusão do hub Alverca-Portela. Sabia-se que o aprofundado estudo do hub Alverca-Portela entregue à CTI o colocava em primeiro no ranking europeu da competitividade devido a juntar três inovações mundiais. Por isso, era o mais perigoso concorrente à vitória do candidato da “casa”. Tinha de ser corrido antes da chegada da equipa técnica.

Tudo ficou mais claro quando se soube que a CTI procura-2050 era 67M, ou seja + 27M (5ª surpresa), que a previsão pós pandemia, de conhecimento público, a da reputada Eurocontrol, com 40M. A própria VINCI projeção-2050, corrigida com a paragem pandemia, é de 49M, volume que ainda baixará para cerca de 42M quando se abate o impacto das posteriores ocorrências no setor aéreo e o acordo UE sobre redução de emissões CO2.

Com as surpresas em crescendo, chegou mais uma. O aeroporto precisava de 43hetares (ha) por milhão de passageiros. Ora, em 2019, os aeroportos Heathrow e Gatwick tinham uma relação, por milhão de passageiros, de 15ha (Portela teve 14,5 ha). Gatwick, cuja área (674ha) não vai aumentar, prevê chegar a 70M, o que significa 10ha. O que é igual à solução VINCI, que o governo aprovou não há muito tempo, em que, por milhão de passageiros, o HUB Portela chegaria a 9ha e Montijo a 10,5ha.

Mas a megalomania, apelidada de ambição (com o dinheiro dos portugueses), não se ficou por aqui. Mais uma surpresa. Precisava-se de uma reserva de 1.000ha, coisa pouca, o tamanho do HUB Seattle, a mais rica cidade americana, berço da Boeing, Microsoft e Amazon.

Para que o leitor tenha noção desta falta de aderência à realidade: Com os pés no chão, a necessidade de área chega a 600ha. É 40M multiplicado por 15ha/milhão.

Com “ambição” CTI, é 3.881ha. É 67M x 43 ha/milhão + 1.000ha. O mesmo que um (1) aeroporto Heathrow mais quatro (4) aeroportos Gatwick.

As surpresas eram em catadupa e perdeu-se a sua conta. A capacidade/hora não podia ser menos de 115 movimentos (mov), apesar do contrato de concessão indicar 90 mov. Isto é que era ambição. Madrid só faz 100mov/h e Barcelona 80mov/h, é de gente que pensa pequeno. Era preciso engendrar alguma coisa para justificar essa métrica.

Era preciso dizer que, por não haver estudos da CTI, se admitia que uma (1) pista faz 30mov/h, assim se justificando que só quatro pistas respondiam a 115mov/h. “Esquecendo-se” de dizer que isso só era assim no aeroporto-fantasia da CTI, um mega aeroporto de quatro pistas paralelas. Não esclarecendo os ouvintes sobre aeroportos cujos valores são conhecidos: Gatwick-1 pista faz 60mov/h, mais eficiente que Heathrow-2 pistas (cada uma, 45 mov/h) e este mais eficiente que Paris CDG-4 pistas (cada pista, 30 mov/h).

E, assim, a CTI arrumava o HUB Alverca-Portela, que no estudo demonstrava que faria até 105mov/h com dois núcleos independentes, cada um operando com uma (1) pista, com "downsizing" ambiental num deles (Portela, com teto 28-30mov/h). Para Madrid, 100mov/h é suficiente, mas 105 para Lisboa não chega.

Mas faltava a grande surpresa. Aquela que era mesmo para acabar definitivamente com o HUB Alverca-Portela. Da cartola, foi retirado, pela “mágica” de serviço na CTI, não um coelho, mas um volume de 762.000 pessoas afetadas pelo ruído. Alguns ficaram espantados, muitos aterrados. Que grande magia. Transformar uma inócua solução que afeta 150 pessoas no nível a partir do qual o ruído passa a ser relevante (65dB) num monstro que afetava 762.000 pessoas. Não, não era erro. Mesmo que, por hipótese, a CTI observasse o nível de ruído mais exigente (55 dB), dois níveis abaixo do que se considera para isolamento das edificações, o conjunto Alverca-Portela afeta 7,9% do estratosférico número da CTI. Para melhor perceção da redução conseguida pelas inovações na Portela, o HUB Madrid afeta 1.800 pessoas no patamar 65dB.

Que dizer então da solução VINCI aprovada pelo Governo após certificação ambiental da APA e ICNF? Só no aeroporto VINCI-Portela são 37.000 pessoas afetadas no nível 65dB. A CTI podia ter dito, tinha o estudo do HUB Alverca-Portela, que, no núcleo Portela, a inovação baixa o número para 150 pessoas. Mas isso estragava a magia. Esclarecia em vez de atemorizar.

Isto não é um erro. Isto não é ambição. E também não é magia. Isto indicia uma grave falta de imparcialidade, que devia ser a tónica de uma entidade independente.


Luís Janeiro é Professor da Católica Lisbon School of Business & Economics

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics

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