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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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NEM ATEU NEM FARISEU

O presépio cheira mal

24 nov, 2017 • Opinião de Henrique Raposo


Quando viciamos as nossas crianças nos presépios fofinhos, perfeitinhos e perfumados, estamos a negar-lhes a grande lição da manjedoura e do estábulo: Deus vem ao mundo num local miserável.

Quando estamos no campo e por acaso passamos junto de estábulos ou currais, faço sempre questão de alertar as minhas filhas para uma evidência bíblica que é difícil de entender na bolha asséptica da cidade: “Jesus nasce num sítio assim, com este cheiro e tudo”. Convém sempre recordar que o presépio não é um arranjo floral, é um curral que cheira mal. Jesus não nasce num spa de massagistas celestiais, nasce no meio do esterco nauseabundo de animais. Quando viciamos as nossas crianças nos presépios fofinhos, perfeitinhos e perfumados, estamos a negar-lhes a grande lição da manjedoura e do estábulo: Deus vem ao mundo num local miserável. É esta a sua radical humildade. Quando permite o cruzamento entre a sua trajectória eterna e a nossa trajectória histórica, Deus escolhe para intersecção destas duas linhas temporais um local que é a negação das nossas lógicas de poder. Deus todo-poderoso recusa nascer como príncipe num palácio, como mercador numa mansão ou como general num castelo. Ao nascer na periferia da periferia, entre os clandestinos dos clandestinos, Ele diz-nos logo à partida que o Reino não se rege pelas lógicas óbvias do poder e da natureza. O Reino não tem a gramática da natureza, até porque o homem não é um mero animal.

Esta revolução moral ainda hoje não é compreendida em absoluto até por nós, cristãos, tal é a magnitude da revelação. Mas então Deus nasce num estábulo? Que jeito é que isso tem? Então Ele nasce junto de pastores, num curral feito de madeira não trabalhada, rude, com lascas e farpas nada acolhedoras e com um chão composto por uma pasta de lama, palha, esterco e urina? E aparece sozinho? Onde é que estão os exércitos celestiais de serafins e querubins que poderiam facilmente vencer as quadrigas dos corruptos e tiranos? Então o berço do Deus omnipresente e omnisciente é uma manjedoira onde os animais comem? A verdade é que Deus não quer saber do nosso escândalo incrédulo. Ela entra na história no mais absoluto desprezo pelas regras da nossa verosimilhança. É um Deus inverosímil. A fonte da nossa fé é esta radical, bela e verdadeira inverosimilhança.

O desafio às nossas grelhas de leitura continua no perfil que Ele escolhe para si mesmo. Deus não vem ao mundo já formado, qual titã, qual Adamastor ou Golias; vem ao mundo na forma de um bebé indefeso. O Deus que criou as leis da física que sustentam os anéis de Saturno e que movimentam os gases de Andrómeda é o Deus que escolhe ser a criatura mais frágil e desprotegida de todo o universo, uma criatura que nasce sem garras ou carapaças e que demora anos até atingir um módico de independência, uma criatura que pode ser destruída pelos homens, por um homem, por mim, por si, caro leitor. Mas que Deus omnipotente é este? O que está Ele a dizer? Está a dizer-nos que a gramática certa não é a acumulação vertical de poder, mas sim a partilha horizontal de misericórdia. Não há senhores e súbditos, só irmãos. A salvação não depende da acumulação de dinheiro (poder material) ou de honrarias ou hierarquias snobes (poder social). Não vale a pena ter uma lógica snobe ou arrivista, porque a salvação não se joga na conquista vertical da pirâmide social. Logo no presépio, e mais tarde no lava pés, Jesus representa a suspensão das leis físicas, objectivas e mensuráveis do poder. Ou seja, Jesus é a suspensão das leis da natureza, a começar na predação. “Então o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o novilho e o leão comerão juntos, e um menino os conduzirá” (Is 11, 6). É uma ironia de Deus – mais uma - que esta suspensão das leis da natureza no seio dos homens seja consumada num local tão empestado pelos cheiros naturais.

Comentários
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  • DIOGO
    07 dez, 2017 ÉVORA 17:33
    Dª Anabela, lamento contrariá-la, mas o seu discurso odioso esconde uma realidade: Jesus é de facto Deus. Quanto ao texto está muito bem escrito e enaltece a humildade de Jesus (que é Deus) e a seu amor pelos humildes.
  • Anabela
    29 nov, 2017 Quinta do Anjo 15:28
    Texto elaborado com um português completamente mal formado, com um conhecimento de valor 0,... Eu até entendo qual mensagem este senhor quer passar mas não teve o menor conhecimento na sua escrita, ele confunde cheiros, e pior ainda ele confunde várias vezes Jesus com Deus, pra não falar em mais detalhes.....
  • João Lopes
    27 nov, 2017 Viseu 22:21
    Excelente análise de HR: «a gramática certa não é a acumulação vertical de poder, mas sim a partilha horizontal de misericórdia. Não há senhores e súbditos, só irmãos. A salvação não depende da acumulação de dinheiro (poder material) ou de honrarias ou hierarquias snobes (poder social)». Amar é servir…sem mais!
  • Vasco Neves
    27 nov, 2017 Gondomar 22:14
    Os meus parabéns ao autor do artigo. Revela uma profundidade de análise extraordinária... deixando ao mesmo tempo sobressair uma grande visão da fé. Obrigado Henrique Raposo, sou enfermeiro e desde a sua célebre publicação sobre os enfermeiros nunca dei muita importância aos seus comentários... Feliz Natal para toda a equipa , para mim esta reconciliação foi uma boa forma de experimentar o nascimento de Jesus! Muito obrigado
  • Mara
    26 nov, 2017 Portugal 12:56
    Com a vaidades colocadas actualmente à volta do Presépio até o Santo de Assis o primeiro que teve a iniciativa do representar diria se cá voltasse: Não devia ter feito o Presépio vivo na Umbria, com os irmãos e irmãs simples como José e Maria, os irmãos animais, iluminados pelas Estrelas e Lua, Presépio que os homens copiaram e destruíram a grande Lição de Humildade e Amor que Jesus Veio dar ao Mundo! Parabéns por mais este excelente artigo.
  • Vera
    25 nov, 2017 Palmela 15:31
    Eu julgava que só as pocilgas é que cheiram mal, porque os porcos gostam de chafurdar! Os estábulos cheiram a feno e a animais! é lógico que os animais têm um cheiro característico deles, aliás, os homens também têm um cheiro característico! alguns tomam banho, outros perfumam-se, para fingir que estão limpos! e há ainda outros, que basta só abrir a boca, que já cheira mal a léguas de distância...
  • Gomes Leal
    25 nov, 2017 Lisboa 08:19
    Caramba, Sr. Domingos Simões. Para gostar de um texto como este, é preciso ler muito... muito mal. O seu gosto literário [permita-me] está entre José Rodrigues dos Santos e Margarida Rebelo Pinto [com pózinhos das Pupilas do Senhor Reitor de Júlio Dinis]. Mais cuidado com as ditas leis que «sustentam os anéis de Saturno e que movimentam os gases de Andrómeda», porque estas só podem vir de uma cabeça totalmente deformada, em termos literários.
  • Domingos Simões
    24 nov, 2017 Caldas da Rainha 18:25
    Agradeço muitissimo a Henrique Raposo pela maravilha deste texto, de conteúdo tão extenso quanto profundo. Bam haja, sempre!
  • Alexandre
    24 nov, 2017 Lisboa 15:09
    Através deste artigo percebemos que os filhos de Henrique Raposo são educados como se vivessem num quartel militar. «Isto é uma manjedoura! As manjedouras cheiram mal!» Terrível, muito terrível... quase ao nível do filme «Vlad, o desconhecido».
  • pita
    24 nov, 2017 14:31
    «Jesus nasce num sítio assim, com este cheiro e tudo.» Como João César das Neves escreveu em "Contos de Natal", em 1999: (...) O ateísmo militante seria fundamentalista, seria contra a tolerância e a democracia, axiomas fundamentais do nosso tempo. Por isso, se Deus quiser nascer como um menino, o homem do nosso tempo dá-lhe o direito constitucional de o fazer. (...) Abraço!