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Eunice Lourenço
Opinião de Eunice Lourenço
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Mourinho está lesionado, mas Centeno e Costa não podem sair ilesos

28 nov, 2016 • Opinião de Eunice Lourenço


Não vivêssemos nós num tempo em que as vacas voam e o secretário de Estado do Tesouro esta segunda-feira já não estaria no Governo.

Ricardo Mourinho Félix, primo do “Special One”, é uma espécie de “Special Two” das Finanças, com ego e ambição ao nível do treinador do Manchester United. Mas pouco habituado ao escrutínio político, geriu de tal forma o dossier Caixa Geral de Depósitos que tudo parece culpa dele. E, não vivêssemos nós num tempo político em que as vacas voam, esta segunda-feira já não deveria fazer parte do Governo. Mas ele é apenas a fractura mais exposta deste acidente em que o caso Caixa se tornou e que tem no ministro das Finanças e no primeiro-ministro os principais responsáveis.

Depois de, via Marques Mendes, ter rebentado a polémica sobre a entrega ou não das declarações de rendimentos dos administradores da Caixa, Mourinho Félix assumiu, em declarações ao Diário de Noticias, que não tinha sido por erro ou distracção que tal teria acontecido. "Sim, foi intencional, sabíamos que isto [o fim do escrutínio público dos rendimentos dos novos gestores da CGD] seria uma consequência da sua retirada do Estatuto do Gestor Público" , disse o Secretário de Estado no dia 25 de Outubro, citado na edição de 26 de Outubro.

O governante assumia, assim, que o mesmo decreto usado para isentar os administradores da CGD de tectos salariais também serviria para os isentar da apresentação pública de rendimentos. Nessas mesmas declarações, dizia que tinha sido "uma solução combinada" com a Direcção Geral da Concorrência da Comissão Europeia no sentido de equiparar os gestores da CGD a gestores de um banco privado. Argumentava que os administradores da Caixa seria escrutinados como os restantes banqueiros, ainda com mais rigor do que os políticos ou titulares de cargos públicos, mas sem “acesso do público em geral às suas declarações de rendimentos”.

Pouco depois, uma nota do Ministério das Finanças manifestava o mesmo entendimento, mas dava conta que os novos administradores do banco público estavam "disponíveis para revelar essa informação [os seus rendimentos] ao accionista". Isto é, ao Governo.

Contudo, nesse mesmo dia, a situação iria a mudar e o próprio Mourinho Félix reconhecia ao mesmo DN que os novos dirigentes do banco público poderiam mesmo ser obrigados a entregar no Tribunal Constitucional uma declaração de rendimentos, devido a uma lei de 1983 sobre o controlo público dos titulares de cargos políticos.

Seguiram-se dias e dias de debate político à volta deste assunto. O discurso oficial do Governo e do PS passou a ser “o que vale é a lei de 1983 e, em caso de diferendo, o Tribunal Constitucional é que decide”. Os administradores da Caixa iriam entregar um documento com entendimento jurídico diferente, depois iam entregar as declarações, mas pedir que não fosse divulgadas e, pelo meio, o Presidente fez uma nota de jurista a dizer qual o seu entendimento da lei de 1983, mas em que também dizia que o Parlamento podia sempre voltar a legislar para clarificar esta matéria.

E foi o que a Assembleia fez, por iniciativa do PSD que usou a jogada que tinha mais à mão: uma alteração ao Orçamento do Estado. Essa alteração, aprovada na quinta-feira com os votos a favor de PSD, CDS e Bloco de Esquerda e o voto contra do PS e do PCP, obriga expressamente os gestores do banco público a entregaram declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional a partir de 1 de Janeiro, data em que o Orçamento do Estado entra em vigor.

O assunto ainda foi chamado ao plenário na sexta-feira de manhã, levando a uma exibição já em desespero de Mourinho Félix, mas a votação como se previa não mudou. E António Domingues lá se demitiu e o Ministério das Finanças aceitou. O presidente da CGD cessa funções a 31 de Dezembro, no dia antes de entrar em vigor a obrigação expressa de declarar o seu património.

Pelo meio de toda esta história, Lobo Xavier disse, na Quadratura do Círculo, que havia um compromisso entre o Ministério das Finanças e a António Domingues no sentido de o dispensar dessa entrega. E, também sobre isso, foi Mourinho Félix quem garantiu que não tinha sido assinado nenhum acordo. Tal como foi ele quem, depois de a Comissão Europeia ter confirmado reuniões com Domingues quando ainda era administrador do BPI, veio dizer que essas reuniões não implicaram que tivesse tido acesso a informação privilegiada sobre a Caixa.

Por tudo isto - e por muitas perguntas que ainda não têm resposta – Mourinho Félix é quem sai mais lesionado de todo este processo. Desautorizado, desgastado, o secretário de Estado bem se pode sentir “Blue and lonesome” (triste e isolado), o título do novo álbum dos Rolling Stones cuja crítica partilhou no Facebook na sexta-feira.

Mas Mário Centeno e António Costa não podem sair ilesos deste caso. Não é aceitável, nem imaginável que um secretário de Estado, por muito especial que seja, negoceie as condições da administração do banco público sem, pelo menos, conhecimento do ministro das Finanças. Não é aceitável que Mário Centeno se tenha calado sobre este assunto desde há praticamente um mês. Tal como não é aceitável que o primeiro-ministro tente passar por todo este caso como se não fosse nada com ele.

António Costa, que ainda no sábado fez um voto de confiança em Mário Centeno, na festa de primeiro aniversário do Governo, geriu os últimos tempos como se quisesse que António Domingues se demitisse ou fosse como que demitido por uma decisão do Tribunal Constitucional. Esperemos que agora não se desresponsabilize da escolha do sucessor de António Domingues e esteja à altura dos cinco mil milhões de euros que todos nós vamos colocar na Caixa.

Comentários
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  • ZédoNabão
    28 nov, 2016 Tomar 23:09
    Um bom jornalista prima por ser isento. Como esta xra jornaleira não o é, deixei de ler os seus artigos. Façam como eu... desprezo para ela e para os coleguinhas que "trabalham" para os seus partidos políticos. É assim a democracia desta gentinha!...
  • Maria
    28 nov, 2016 Setubal 20:34
    És mesmo de direta?
  • João Galhardo
    28 nov, 2016 Lisboa 20:08
    À Eunice Lourenço fica bem a cor de laranja do seu partido político na fotografia. Este artigo é tão PSD, mas tão PSD que Passos Coelho ficaria contente por ler a Eunice Lourenço. Já para não falar em Leitão Amaro, Hugo Soares, Carlos Abreu Amorim e todos os outros queridos amigos da Eunice.
  • Pedro Dimas
    28 nov, 2016 Vila de Rei 19:16
    Para certos comentadores tempo bom era o das vaquinhas que riam e da PAF que mentia e sugava os pobre até ao tútano. Eu cá prefiro estes dias de hoje. Até respiro melhor.
  • Vasco Resende
    28 nov, 2016 Lamego 19:08
    O novo presidente da Caixa Geral de Depósitos, António Domingues, só aceitou o cargo, na condição de não ter de fazer declaração de património. Essa garantia só pode ter sido dada pelo ministro das finanças, Mário Centeno. Para dar essa garantia, o ministro das finanças contactou previamente o primeiro ministro António Costa e teve o seu apoio. Essa garantia não foi dada pelo porteiro do primeiro ministro ou pela senhora da limpeza do ministério das finanças. Agora Costa finge que nada sabia.
  • COSTA PANTOMINEIRO
    28 nov, 2016 Lx 19:04
    Comentário acertivo e demolidor para os vendedores de ilusões da geringonça, ou melhor, o pantomineiro Costa e o Centeno e o seu secretário de estado de 4ª categoria.Até o Special One fez questão de se afastar do primo pois não queria comparações. Este dossier esta mal explicado, tem muitos truques que o geringonço Costa deve explicar pois é o povo que vai doar esse dinheiro depois de a CGD ter sido desnatada pelo pulha do Sócrates, Vara e companhia, um bando de malfeitores que serão julgados pela roubalheira associada a essa gente menor, mentirosa e perigosa que pensava que o país era deles... Com o vendedor da banha da cobra chamado Costa a culpa e a responsabilidade desta embrulhada e vergonha da CGD será do porteiro do Ministério das Finanças que não do Governo...Uma vergonha nacional..
  • Arnaldo Soares
    28 nov, 2016 Porto 18:52
    O que é deveras lamentável em todo este processo e mostra a arrogância com que este Governo governa, é darem posse a estes senhores sem que primeiro tudo tenha sido visto e conferido por quem de direito. Como todos sabemos um simples operário da construção civil não pode entrar na mesma sem primeiro se identificar, provar que está na S.S., que tem as vacinas e outros exames médicos em ordem, etc.etc. Estes cavalheiros que se acham acima de tudo e de todos tomam posse numa empresa do povo sem que se lhes exige nada. Tristemente lamentável. Para fazerem o que costumam fazer nas empresas públicas não são precisos grandes gestores. Afinal com tantos crânios a gerir este País ele tem um divida insustentável. Onde estão os responsáveis? Ninguém quer saber o nome deles? O ZÉ só tem um direito: PAGAR AS CONTAS PS-Espero que o nosso POVO não tenha de pagar uma indemnização choruda a estes cavalheiros por quebra de contrato
  • Guilherme Farias
    28 nov, 2016 TROFA 14:06
    Surreal...o psd tudo fez para este desfecho lesivo dos interesses do Estado e quem se demite é o secretário-de-Estado?
  • Pedro
    28 nov, 2016 Beja 13:08
    Boa piada. Passos fugiu às suas obrigações contributivas, mentia todos os dias e não se demitiu. Maria "SWAPS" Luis. Relvas foi arrancado a ferros. Para Miguel Macedo sair do governo foi o que foi. Portas o irrevogável....haja decoro!
  • Domingos
    28 nov, 2016 Ancora 09:59
    A verdade nua e crua... Dói como se vê pelo lavadores ideológicos que proliferam nestes comentários do senhor Miguel e Senhora Fernanda.