• Carla Rocha (apresentadora) e Miguel Coelho (jornalista)
Não foi fácil para António Zambujo escolher apenas 16 canções de Chico Buarque. O brasileiro ajudou a escolher o alinhamento, Caetano Veloso elogiou a obra, mas Zambujo diz que "Até Pensei que Fosse Minha", o seu novo disco, “é só mais uma homenagem das muitas que foram feitas e das muitas que serão feitas” a Chico.
Em conversa com Carla Rocha e Miguel Coelho, António Zambujo falou sobre o respeito e a admiração que tem pelo músico brasileiro, que acredita que pode vir a ganhar o próximo Prémio Nobel de Literatura.
Leia, veja ou ouça a conversa na Manhã da Renascença com o artista que acorda “sempre cedo”.
O disco tem 16 canções de Chico Buarque, mas começaram por ser 100. Como é que fizeste a escolha, como é que reduziste até às 16?
Foi a parte mais difícil, escolher o repertório final para caber no disco. A escolha das 16 foi feita mais ou menos em conjunto com o Marcelo Gonçalves, que é o director musical do disco, com o João Mário Linhares, produtor executivo, e com o próprio Chico Buarque, que até sugeriu algumas que nem estavam nessa selecção e que eu nem conhecia. Por exemplo: eu não conhecia a “Cecília”, ele sugeriu-a e disse que ia ficar bem no disco. Ao ouvir, concordei com ele e acabei por aceitar a sugestão. E foi assim que foi feita a selecção.
Foste até ao Brasil, tiveste várias conversas, vários almoços...
Vários almoços e vários jantares!
Como é que correu este processo? Tu pegas nestas músicas com um respeito e uma adoração imensa.
Estamos a falar, na minha opinião, provavelmente do maior letrista da música portuguesa cantada, da música de língua portuguesa. E então... obviamente com o maior respeito e a máxima admiração. É só mais uma homenagem das muitas que já foram feitas e das muitas que serão feitas daqui para a frente, seguramente.
Um disco com músicas de Chico Buarque, com Caetano Veloso a escrever textos elogiosos e de apresentação. Alguma vez imaginaste esta associação com estes dois monstros da música?
Não, claro que não. Ainda por cima são dois ídolos, duas pessoas que sempre idolatrei, que já idolatro há imenso tempo. Eu a fazer o disco de um com o outro a escrever sobre o mesmo é uma sensação meio estranha, mas que obviamente me deixa muito feliz.
O lançamento de um disco já não é propriamente o que era antes da internet, pelo menos em termos de vendas. Os discos ainda são uma fonte de rendimento importante ou são, sobretudo, uma base para os espectáculos?
Obviamente que os concertos são o que permite que consigamos sobreviver com a música. É o que paga as contas.
E tu tens feito uma maratona deles...
Temos feito bastantes, felizmente. Mas, mesmo nos discos, as pessoas que gostam das músicas que nós fazemos, têm correspondido e comprado. Tanto é que recebi há pouco tempo um galardão de mais de 100 mil discos vendidos – entre o “Quinto”, o “Rua da Emenda” e o disco ao vivo vendemos mais de 100 mil. É fantástico, principalmente para os dias que vivemos.
Tens dois filhos. Um de 18...
17! Está quase a fazer 18! Faz 18 dia 17 de Novembro.
Está quase! E outro com cinco, seis...
E o outro com cinco, faz seis em Dezembro.
Como é que se explica a uma criança a profissão de músico? E como é que justificas passar tanto tempo fora de casa aos teus filhos?
É engraçado que o meu filho mais velho, quando ainda estava na pré-primária, há sempre aquela conversa das profissões, dizia que a profissão da mãe está ligada à saúde – trabalha em pneumologia. E o pai? O meu pai não faz nada, é músico.
Este mais novo não diz o que é que eu sou, diz quem eu sou. Às vezes passamos algumas vergonhas, que ele chega aos sítios e diz que é filho do António Zambujo. Mas pode haver pessoas que não gostam de mim... e a coisa não corre bem!
E como é, afinal, ser um dos nomes mais populares da música portuguesa? O que é que é melhor e pior na fama?
Isso reflecte-se mais nos concertos. Todos os concertos, felizmente, têm sempre as salas esgotadas, as pessoas no final ficam sempre para tirar aquela fotografia ou para assinar um disco ou para dizer alguma palavra simpática...
Não te reconhecem em público, não te cedem a vez nas filas da Loja do Cidadão?
Não, não! No mínimo o que acontece é darem-me os parabéns na rua ou dizerem que gostam. As abordagens normalmente são simpáticas. As mais desagradáveis acontecem nas redes sociais, onde as pessoas às vezes até se escondem atrás de nomes falsos, mandam umas "bocas". Como nem tenho Facebook nem nada dessas coisas, passa-me um bocado ao lado.
Falou-se de Chico Buarque para o Prémio Nobel quando Bob Dylan foi eleito. Pensaste logo que o Chico será o próximo?
Pensei! Foi um daqueles pensamentos incontroláveis. Quando li a notícia que o Dylan ia ganhar o Prémio Nobel, pensei imediatamente: o próximo vai ser o Chico. Mas essas coisas não dependem de nós, é completamente indiferente o que nós achamos e a nossa opinião, não vai interferir nada na decisão das pessoas que atribuem o Nobel.
O que é que dirias a Bob Dylan para ele atender o telefone?
Ele deve estar lá com os seus afazeres. Eu entendo-o perfeitamente! Está focado. Provavelmente está a fazer muitos poemas para justificar o prémio e para mostrar às pessoas que contestaram esta atribuição.
O Nobel está bem entregue?
Faz todo o sentido e mais sentido ainda depois da justificação que foi dada. Quem conhece a música do Dylan e quem conhece a música que se ouvia nos Estados Unidos antes... Aliás, há um filme muito interessante, um documentário que eu adoro do Martin Scorsese, que se chama “The Last Waltz”, que é sobre uma banda que era a banda de suporte de vários artistas, desde Joni Mitchell, o Dylan, o Van Morrison, enfim, todos esses artistas dessa época. E há uma parte do documentário em que um dos membros da banda diz que há uma música antes do Dylan e uma música depois do Dylan. Foi depois do Dylan que começaram a valorizar mais os poetas, os autores das músicas... e muda a história da música americana.
Obrigada, António, por teres vindo tão cedo. Acordaste cedo, hoje.
Acordo sempre cedo e o meu filho está aqui [perto]. O colégio dele é aqui perto.