Ucrânia

"Este é um bom momento para a Polónia dizer que também quer estar na Zona Euro"

11 mar, 2022 - 23:57 • José Pedro Frazão enviado especial da Renascença à Ucrânia

Economista da Universidade de Cracóvia, Jakub Kwasny acredita que depois do primeiro impacto, a Polónia vai começar a sentir pressão na área do alojamento e na educação. O mercado de emprego ficou sem os ucranianos na construção e não há tantos trabalhos para as mulheres que fogem à guerra, avisa este professor que lança um olhar sobre os desafios económicos de uma Polónia à espera da solidariedade europeia.

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Em todas as aulas por estes dias, Jakub Kwaśny começa as suas aulas com um sonoro " Glória à Ucrânia".

Para este professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Economia de Cracóvia, a guerra na Ucrânia pode não ter grande impacto no PIB polaco, sobretudo se a Europa ajudar a Polónia a enfrentar a crise dos refugiados.

Nesta entrevista, este economista admite que o principal problema vai estar na alternativa ao abastecimento russo de gás e petróleo e teme dificuldades na colocação das mulheres ucranianas no mercado de trabalho polaco.

Qual será o principal desafio que antecipa no curto prazo para a sociedade polaca em função desta crise ?

No curto prazo, temos que lidar com todos os refugiados que estão a vir para a Polónia. Eles são muito bem-vindos. As nossas casas estão abertas. Não há refugiados que venham para a Polónia de maneira tradicional porque acabámos por abrir as nossas casas. Talvez essa situação possa mudar no futuro, devido à má imagem da Polónia ao lidar com refugiados da crise migratória anterior na Europa.

Está surprendido com a forma como os polacos responderam a esta situação?

Não, porque é assim que somos. Estou sem palavras, sim, muito orgulhoso. Mas a hospitalidade polaca é bem conhecida. Eu sei que há muitos exemplos de situações em que não estivemos tão abertos para refugiados de diferentes culturas e religiões. Mas estamos tão abertos agora para os ucranianos. E espero que, a longo prazo, também estejamos tão abertos e prontos para os ajuda.

E quais são os desafios na área económica ?

Podemos observar agora que o aumento da inflação, os preços dos postos de gasolina estão cada vez mais altos. As implicações podem ser muito sérias, especialmente agora com o embargo ao petróleo e gás russos. Infelizmente, nós ainda pagamos por esta guerra, como toda a Europa, porque a Rússia é o principal fornecedor da Europa.

A Rússia é um importante parceiro comercial da Polónia ?

Não apenas para a Polónia, mas , claro, para a União Europeia em petróleo e gás. Esta é a nossa fonte de energia. É por isso que alguns bancos russos da Rússia ainda não estão sob controlo do Ocidente e ainda não desligados do sistema SWIFT. Podemos observar essa primeira reação nos postos de gasolina, com os preços cada vez mais altos. Pode causar, claro, um aumento na inflação noutros produtos. Seria um grande problema. Já tivemos uma inflação alta no passado. Agora a situação será pior.

Qual é a inflação atual na Polónia?

Anda em torno de 9%.

E os gastos públicos? Esta operação de resposta aos refugiados será um problema ?

Provavelmente não agora nestas primeiras duas semanas, certo. Mas mais à frente teremos um problema porque as despesas serão maiores. Esta é uma típica crise migratória. Espero que, fazendo parte da União Europeia, resolvamos este problema juntos. Espero que a União Europeia crie uma fundo especial para vários países, não apenas a Polónia, mas a Eslováquia, a Hungria e a Roménia que estão na primeira linha de fronteira com a Ucrânia.

No longo prazo, não sabemos quanto tempo vai durar esta guerra, mas as implicações no mercado de trabalho também serão muito graves. Podemos ser muito abertos, pois a nossa hospitalidade é bem conhecida, mas temos que pensar nos empregos para essas pessoas. E para essas mulheres, em particular.

Mas neste momento o desemprego não é um problema.

Não é um problema, a não ser em diferentes sectores como a construção civil. Nestes setores, precisamos de homens e os ucranianos que cá estavam foram para a guerra na Ucrânia. Por isso é difícil e eu não tenho certeza se temos um número tão grande de empregos para mulheres. Isso seria também um problema para o mercado de trabalho na Polónia.

Qual poderá ser o impacto ao nível do PIB ?

Neste momento é muito difícil fazer qualquer estimativa. Não tenho muitas certezas se poderá haver uma grande queda no crescimento económico na Polónia, porque a Rússia não é nossa parceira principal. O nosso comércio internacional centra-se na União Europeia e nos Estados Unidos e assim as nossas exportações continuarão elevadas. O problema está no petróleo e no gás, carvão e nos recursos naturais. Devemos lembrar que a Rússia também é um dos maiores produtores de trigo e grão, o que pode representar um problema para produtos normais, como pão ou arroz, não apenas para a Polónia mas para a Europa.

A Polónia é um país europeu com moeda própria. Isto é uma vantagem ou representa uma fragilidade que pode fazer regressar o tema da possivel entrada na zona euro ?

Sou totalmente a favor da entrada na zona euro. É a hora de realmente falar seriamente sobre essa entrada e, no actual contexto, talvez pudéssemos encurtar o processo. E como a Ucrânia agora quer ser um país membro da União Europeia, este também é um bom momento para a Polónia dizer que também quer estar no Euro. Isto tem dois lados. Por um lado, fazer parte de um grande projeto como a zona euro e ter uma moeda comum é algo que pode nos ajudar por causa da estabilidade. Mas por outro lado, podemos observar que a nossa moeda não está tão forte. Temos que pagar cada vez mais por cada dólar, mas por outro lado é bom para nossa exportação, porque se exportarmos recebemos mais dólares e euros pelos nossos produtos e trocando pela nossa moeda até conseguimos mais com o mesmo preço. Então não é assim tão fácil avançar porque, durante a crise pandémica, o facto da Polónia ter a sua própria moeda foi algo que nos ajudou.

Esta situação poderá pressionar alguns sectores em particular. A pandemia deve ter tido um forte impacto nos sistemas de saúde e nas despesas nessa área. Por outro lado vocês têm aqui agora muitas crianças e mulheres, o que levanta também o desafio da educação, que leva sempre uma grande parcela da despesa em termos do Estado. O que nos pode antecipar nessas áreas ?

Ao nível local, os gastos são tomados em mais de metade pelas escolas. Na saúde, a pandemia mostrou-nos que o nosso sistema estava pronto para lidar com o coronavírus e agora estamos preparados para lidar com 1 milhão, 2 milhões ou até mais refugiados. Provavelmente, a nossa economia e o nosso sistema de saúde vão conseguir lidar com isso.

E quanto às despesas militares, é ou não factor importante para a Polónia?

Sim. Nos anos anteriores gastámos mais de 2% do PIB neste setor. Ainda há muitas coisas para fazer, especialmente adquirir alguns navios e novos equipamentos para os soldados. Mas fazemos parte da NATO e essa é a principal vantagem que nos permite ainda sentir seguros.

Os fundos europeus estão em reequação devido à cisão política entre Bruxelas e Varsóvia. Mas em que tipo de áreas seria importante apostar neste contexto ?

Na educação e em saúde. Temos que preparar os lugares para crianças ucranianas em todos os níveis escolares e precisamos especialmente de pessoas que falem ucraniano nalguns cursos. Mas estes fundos europeus, neste primeiro período, devem ser gastos em habitação, na preparação desses lugares para os refugiados. Há um grande número de pessoas que abriram as suas casas ou apartamentos inteiros de forma gratuita. As pessoas, de forma privada, serão os anfitriões dos refugiados, não apenas por uma semana ou duas semanas ou um mês ou talvez até um ano ou mais.

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