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Ser Sobrevivente


O testemunho de Oriana, 31 anos

Sou psicóloga, patient advocate e sobrevivente de cancro. Sou apaixonada pela vida e acredito que é relevante dar o meu testemunho para que consigamos reduzir o estigma (ainda) existente em relação ao cancro.

Enquanto paciente de cancro senti que apenas uma ‘pequena parte’ da minha história teve que ver com os tratamentos. A maior parte do meu percurso esteve relacionado com sentimentos, pensamentos, fé/crença, flexibilidade e redescoberta da minha identidade. Da minha experiência desenhei um propósito e acredito que através da minha prática profissional possa fazer uma diferença positiva na vida daqueles que se deparam com esta doença.

Sou sobrevivente de um carcinoma de células pequenas do ovário e, sendo uma doença rara, envolvi-me em diversos projectos que têm como foco estudar as doenças raras, promover literacia sobre as mesmas e lutar não só pelos meus direitos mas também de outros que enfrentam a doença. De momento colaboro como Young Citizen no Rare2030 - Foresight in Rare Disease Policy, projecto que pretende desenhar recomendações para melhorias ao nível das políticas e do dia-a-dia dos cidadãos europeus com doenças raras. A nível individual iniciei recentemente um projecto denominado Dealing with Cancer, que surgiu pela vontade de prestar apoio emocional e psicológico àqueles que são confrontados com o diagnóstico de cancro.

Enquanto sobrevivente, um dos maiores desafios tem sido a questão profissional. Atravessamos uma época de poucas ofertas profissionais e eu tive um interregno de quase 7 anos em que sofri múltiplas recidivas e fui submetida a longos tratamentos para sobreviver ao cancro. Isto aconteceu-me entre os meus 22 e os meus 28 anos, idade em que naturalmente qualquer jovem entra no mercado profissional e eu não pude. E existe ainda estigma, por vezes discriminação. Por exemplo, comecei por procurar emprego assim que terminei os tratamentos e nas entrevistas de emprego perguntavam-me porque tive tanto tempo sem trabalhar... quando disse que tinha tido um cancro, vi algumas entrevistas acabarem ali.

Outra questão que vejo são os efeitos colaterais, passei por um problema que, para além de traumático, teve impacto no meu corpo, por isso lido com sequelas, algumas crónicas, como o linfedema secundário. Estas questões não são pensadas para sobreviventes, muito menos tão jovens. Estamos desprotegidos quando ainda podemos contribuir para o país, somos população activa! Era justo e adequado haver apoio e flexibilidade. E isto tinha de ser analisado caso a caso, porque nem todos têm o mesmo tipo de efeitos colaterais, alguns felizmente podem até não ter nenhum. A sociedade não deve exigir aos sobreviventes exactamente o mesmo, sem apoiar minimamente. Quero especificamente dizer que um sobrevivente precisa de poder manter um estilo de vida saudável, o que muitas vezes não se ajusta ao ritmo de vida que a sociedade está a imprimir e que, como se vem a saber, causa grandes níveis de ansiedade que contribuem para a deterioração da saúde.

À parte disso, considero que deveriam existir programas específicos para os jovens adultos durante os tratamentos, já que não nos encaixamos no pediátrico, nem no geriátrico. Temos necessidades muito próprias. A integração do acompanhamento psicológico deveria também ser considerado, durante as diferentes fases de doença e na sobrevivência. Devemos centrar-nos na qualidade de vida quando pensamos nos sobreviventes de cancro pediátrico. Entre os temas centrais a considerar deve estar a fertilidade: é preciso tentar por tudo garantir o apoio a fertilidade aos jovens. Mudar as questões da adopção, recolher esperma ou congelar óvulos sempre que possível. O direito ao esquecimento deve existir nestas situações, assim como nos momentos de fazer um seguro de saúde ou pedir um empréstimo. Não faz qualquer sentido que um sobrevivente seja penalizado o resto da vida por ter sobrevivido.

Da minha experiência com a doença partilho que efetivamente foi um trajecto longo e difícil, nalguns momentos acabei mesmo por duvidar se conseguiria superar doença, mas isso aconteceu! Hoje estou viva, saudável e considero-me uma pessoa feliz!

Oriana, 31 anos

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