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José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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​L’État c’est nous!

15 nov, 2023 • Opinião de José Miguel Sardica


Portugal não é uma ditadura de um só, mas uma oligarquia de uns quantos (...) Os derradeiros meses deste moribundo governo e a campanha para as eleições de março de 2024 vão ser muito feios.

A acreditar na conhecida máxima, Luís XIV terá um dia dito "L’État c’est moi!". Ao longo de 21 dos últimos 28 anos da vigente democracia portuguesa, o Partido Socialista atualizou o mantra, apenas substituindo o “moi” por “nous” - porque Portugal não é uma ditadura de um só, mas uma oligarquia de uns quantos.

Muitos destes passaram pelo poder, estão no poder ou gravitam em torno dele desde 1995. Foi o governo de António Guterres, que se foi embora do pântano sem ter a justiça à perna, que lançou para a ribalta Sócrates, Costa e os seus sucessivos amigos, discípulos e aprendizes. E há mais de um quarto de século que o modelo socialista de governação se confunde com a prática de eles - os socialistas - se (auto)governarem, instalados no Estado, que colonizam e entorpecem numa teia de influências, cunhas, facilitadores, corrupção, nepotismo, desonestidades e incompetências.

O problema não está nas pessoas, embora os delitos de José Sócrates, os eventuais ilícitos de António Costa e os casos, casinhos e casões da nomenclatura socialista de ontem e de hoje sejam um enorme problema. O problema está no sistema, na “cultura” de poder há muito instalada. O PS não sabe governar, porque não sabe sobreviver - e só sobrevive governando - sem tomar de assalto o Estado, usando-o para controlar tudo o que mexe no país e fomentando, assim, uma corrupção endémica de influências e favores, porque nada se pode fazer prosperar fora do Estado e da sua alçada.

Tudo isto é agravado pela usura do tempo e pelo plano descendente em que Portugal entrou há mais de vinte anos, redundando no sentimento de impunidade, na geral falta de escrúpulos, quando não de simples decência, no padrão de arrogância enquanto se manda, e de vitimização e denúncia de cabalas quando, de vez em quando, (lá) se deixa de mandar. A justiça portuguesa precisa de completar o processo de José Sócrates e de fundamentar os ilícitos que António Costa terá cometido? Sem dúvida. Mas não se suponha que o Ministério Público ordenou buscas na residência oficial do PM (um enxovalho inédito na democracia portuguesa) sem saber o que está a fazer... E repare-se que, no caso atual, António Costa é a ponta do iceberg de um monopólio de poder onde uma maioria absoluta foi desbaratada por demasiados casos em muito pouco tempo, oscilando entre o caricato (lembram-se de Miguel Alves?), o grave (Pedro Nuno Santos e a TAP, Marco Capitão Ferreira e a Defesa ou Fernando Medina nas teias da “Operação Tutti-Frutti”) e o agora escandaloso triângulo de João Galamba, Vítor Escária e Diogo Lacerda Machado na “Operação Influencer”. Ao amarrar o seu destino ao do pesporrente ex-ministro, como uma afronta gratuita à decência e ao Presidente da República; ao meter Escária, já chamuscado em nebulosas anteriores, no coração da residência de São Bento; e ao elevar o “melhor amigo” a uma entidade mística envolvida em demasiadas coisas, António Costa selou o seu destino.

Os derradeiros meses deste moribundo governo e a campanha para as eleições de março de 2024 vão ser muito feios. A minha esperança é que ao contemplarem (se contemplarem) o fundo do abismo os portugueses tenham um sobressalto e percebam que em 2024 têm uma oportunidade (será a última?) não somente de mudar de caras, mas de mudar a “cultura” e o modelo de governação. É isto que tem de ser discutido e vertebrar um programa de governo decente. O país não pode mais deixar que a sua sociedade seja dominada pelo Estado, que esse Estado seja propriedade de um partido e que o partido se reduza aos ditames do grande chefe e dos seus auxiliares-facilitadores. A esta pirâmide não devemos, e não podemos, chamar uma democracia.

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