04 out, 2018
Estou com as miúdas num parque. Elas amarinham pela pirâmide de cordas acima. Recusando a odisseia, um rapaz fixa os pés no chão, tem medo e mostra-o. A mãe (repito: a mãe) não perde tempo e acede o rastilho de obus com milénios, És um homem ou és um maricas? Olha para estas meninas aqui, são mais fortes do que tu! Queres ser um homem ou queres ser um maricas? Isto não foi em 1950. Foi ontem. Fiquei a milímetros de lhe dizer, Olhe, minha cara colega de infortúnio, você não sabe o que está a fazer à cabeça do seu filho! Fui cobarde, calei-me.
À porta de uma escola, um rapaz está a chorar, está magoado no coração. Não no coração enquanto bomba hidráulica mas no coração enquanto metáfora emocional. Está a chorar. Procura consolo debaixo do braço da mãe. Ela porém dispara artilharia ainda mais antiga, Os meninos não choram! Desta vez fiquei a olhar, mas volto a não dizer nada. Fiquei a milímetros de lhe dizer, Olhe, minha cara colega de infortúnio, sabe o que dizem as pessoas que lidam com suicidas? O suicídio é sobretudo masculino, porque pais e mães continuam a educar o rapaz no pressuposto de que ele só deve ser meia pessoa, uma pessoa a metade do preço, uma pessoa incompleta e mutilada, uma pessoa que não tem direito a expressar e confessar a sua dor! Pensei mas calei-me. O problema porém é mesmo este: quando uma menina cai, o impulso dos pais é levantá-la e dar-lhe mimo. Quando um menino cai, impulso é dizer, Então, pá, levanta-te! Isto mutila emocionalmente os rapazes desde o berço. As meninas são educadas na misericórdia do Evangelho, mas a educação dos rapazes continua na caserna pagã. As meninas ficam com Lucas, os meninos com Leónidas.
Um menino que não chora é – em potência - um homem que se mata. É bom que pais e mães tenham consciência disto, até porque o suicídio de rapazes continua a subir. Portanto, se calhar, já é tempo de diluirmos Esparta com um pouco de Evangelho. Se calhar, já é tempo de percebermos que a sociedade de 2018 continua a sufocar os rapazes, continua a colocá-los num espartilho invisível, continua a colocar a sua masculinidade em guerra com a sua humanidade, continua a dizer-lhe que “ser homem” é ser metade de uma pessoa.