22 jan, 2018
O Fórum Económico Mundial, que amanhã tem início na exclusiva estância de Inverno de Davos, tem por tema central esta proposta – criar um futuro partilhado num mundo fracturado.
Um dos temas em discussão será a adopção mais generalizada de uma nova métrica para avaliar o desempenho dos estados, o Índice de Desenvolvimento Inclusivo, assente em três pilares – sustentabilidade, crescimento e inclusão – em vez do malfadado PIB, que se centra essencialmente no crescimento económico. O referido índice diz-nos, por exemplo, que o país mais sustentável, desenvolvido e inclusivo do planeta é a Noruega e que no topo da tabela estão alguns dos chamados países pequenos da Europa; diz-nos também que Portugal (a par da Itália, da Espanha e da Grécia) está numa rota descendente desde há cinco anos, com um valor no índice semelhante aos dos Vietname, Bangladesh ou El Salvador.
Um outro tópico a seguir com interesse será a discussão em torno de um novo conceito para a Europa, proposto num documento que resulta de uma série de discussões ao longo do último ano. Ali se diz que os europeus deveriam ter um direito universal à aprendizagem e o voto aos 16 anos de idade e que as cidades europeias deveriam assumir – em rede – um papel mais visível na defesa contra o crime e o terrorismo, apoiadas por uma força de defesa europeia.
São sempre espaços de delicado equilibrismo, estes momentos em que a alta finança se encontra com a alta política para discutir o futuro do planeta, mas o passado diz-nos que, com mais ou menos bonitas declarações e com mais ou menos intervenções coloridas de figuras que cumprem o papel de ‘dar o ar’ de diversidade no evento, a força dos negócios tende a imperar em tudo o que é relevante.
A riqueza global do planeta não se alterou substancialmente nas últimas três décadas, mas a riqueza dos muito ricos aumentou a um ritmo médio de 13% ao ano entre 1980 e 2016. Segundo dados revelados há dias pela organização de apoio social, OXFAM, a tendência continua a ser de agravamento deste fosso – mais de 80% da riqueza criada no mundo em 2017 foi parar às mãos de menos de 1% da população.
Acontece que, como disse há dias o Papa Francisco no fim da sua passagem pelo Perú, esta subalternização da gestão política aos interesses da acumulação de capital dos mercados financeiros, está a tornar o planeta tendencialmente menos sustentável, menos inclusivo e também menos desenvolvido, deixando na berma da estrada ‘não-cidadãos’, ‘meio-cidadãos’ e até mesmo ‘resíduos humanos’.
O problema estrutural de reuniões como a de Davos é que para muitos dos decisores que ali vão sentar-se nas sessões o ‘mundo fracturado’ é um lugar simpático; quem vive cada vez mais confortável não sente nenhum necessidade de alterar o sistema (mesmo que, de vez em quando, necessite de erguer mais um ou dois muros para manter à distância os outros).
Davos é, nesse sentido, um elegante ritual cíclico de lavagem de mãos, em que se lêem bonitos discursos preparados por competentíssimas equipas de comunicação estratégica. Aparentemente, sai toda a gente a ganhar...só que não. Como dizia também há dias, durante a mesma visita à América do Sul, o Papa Francisco: “Sei que é muito belo ver fotos retocadas digitalmente, mas isso serve só para as fotografias, não podemos fazer o ‘photoshop’ aos outros, à realidade, a nós próprios.”