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Évora

Frescos descobertos na Igreja do Espírito Santo vão ficar visíveis

24 mai, 2021 - 09:12 • Rosário Silva

Depois de concluída a obra, no início de 2022, a arquidiocese de Évora pretende deixar à fruição do público as pinturas recém-descobertas, uma vez que se trata de “um património muito rico que tem de ser preservado, valorizado e dado a conhecer”.

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Desvendar o mistério que encerram as pinturas recém-descobertas na Igreja do Espírito Santo, em Évora, e lançar um novo olhar sobre a pintura mural eborense do século XVII é a finalidade de um estudo desenvolvido pela Universidade de Évora (UÉ), através do seu Laboratório HERCULES e do Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades (CIDEHUS).

“O Laboratório HERCULES levou a cabo todo o estudo científico das técnicas, materiais e diagnóstico que são essenciais para a projeção do tratamento de conservação e restauro”, explica à Renascença a investigadora Milene Gil.

O estudo, sem o qual seria mais difícil projetar um tratamento de conservação e restauro, incidiu sobre as oito pinturas murais que foram descobertas aquando da remoção de telas.

“Fomos chamados para tentar perceber porque é que estas pinturas tinham chegado aos nossos dias em estado fragmentário, quais são os materiais que foram utilizados e os problemas existentes”, esclarece a responsável por esta campanha científica que considera as pinturas “extraordinariamente interessantes”.

“Primeiro, por toda a vivência delas – ou seja, são pinturas que estão datadas à volta de 1640, mas na obra manuscrita Évora Ilustrada, o P. Manuel Fialho (1616-1718) afirmava que as pinturas eram a óleo. De facto, temos algumas pinturas feitas a óleo, mas temos uma base a fresco”, refere.

Para a investigadora, “é uma hipótese” a existência de “uma primeira campanha a fresco, até pela quantidade de jornadas de trabalho encontradas com características dessa técnica”.

Milene Gil fala “numa campanha posterior, coincidente com alguma época de florescimento da Companhia de Jesus”, em que ter-se-á dado “esses repintes a óleo em algumas zonas com materiais nobres e caros”, tendo em conta “o traço refinado e requintado” que se observa.

“O padre Manuel Fialho datava as pinturas por volta de 1640, mas pela maneira como ele as exalta – e nessa altura já havia quem as quisesse substituir por telas e ele era completamente contra pela sua qualidade, o sacerdote já fala da técnica do óleo – dá-me a sensação que as pinturas são até anteriores a 1640”, considera a investigadora que se viu perante um grande desafio.

“Estava à espera de uma técnica de fresco com alguns acabamentos a seco, mas temos aqui uma profusão muito grande de matéria orgânica, e tentar reconstruir ou colocar hipóteses para a vivência destas pinturas foi extraordinariamente desafiante, mas ao mesmo tempo deu uma grande alegria à equipa sempre a descobríamos uma nova etapa, um novo material”, afirma.

Exemplo disso, relata, “é a utilização sistematicamente de uma laca vermelha, que foi usada com requinte nas sombras das vestes vermelhas e que, sinceramente, foi a primeira vez que vi em contexto nacional, por isso foi um trabalho muito gratificante.”

Milene Gil espera que seja intenção “do dono da obra” deixar à fruição do público estes frescos, uma vez que se trata de “um património muito rico que tem de ser preservado, valorizado e dado a conhecer.”

Obras “em bom ritmo”

A resposta não se faz tardar e o cónego Manuel da Silva Ferreira, pela voz da arquidiocese de Évora enquanto “dona da obra”, garante que as pinturas “vão ficar à vista, pois são de um grande valor”, apesar de alguns “frescos se terem perdido, o que deverá ter acontecido por causa do terramoto de 1755”.

Há pouco mais de um ano, o Seminário Maior de Évora, a quem pertence este monumento religioso, assinou o contrato para a sua recuperação e requalificação.

Na altura, em comunicado, a arquidiocese justificava as obras com a necessidade de salvaguardar um património que estava em risco, tornando-o num “ponto de referência do património cultural, devocional e turístico”, da cidade de Évora, com a abertura regular ao público e acesso a espaços reservados, como “a sacristia e ao extraordinário conjunto de pinturas murais do teto”.

“É, de facto, uma grande obra que era necessária. Estamos a falar de uma reabilitação total, envolvendo toda a parte estrutural, toda a cobertura, toda a parte de talha, imagens, pedras, vãos, eletricidade, tudo”, indica à Renascença o vice-reitor do Seminário Maior de Évora.

O cónego Manuel da Silva Ferreira, que esteve à frente de uma outra grande obra de reabilitação, a da Igreja de S. Francisco, um dos monumentos mais visitados na cidade-museu, com a Capela dos Ossos, ao lado, considera que a obra em curso “é equivalente”, acrescida do facto “de que no decorrer dos trabalhos foram descobertos importantes frescos que estavam tapados desde o século XIX e que estamos empenhados em recuperá-los, com o apoio técnico do Laboratório HERCULES da UÉ”.

As obras, no valor de 2,5 milhões de euros, com apoio maioritário dos fundos europeus, “estão em bom ritmo”, afiança o sacerdote, garantindo que “a pandemia não afetou nenhum dos elementos da equipa”, prevendo-se estejam concluídas “nos primeiros três meses do próximo ano.”

Herança da Companhia de Jesus

A primeira pedra da Igreja do Espírito Santo terá sido lançada em 1566, por ordem do cardeal D. Henrique. Ligada ao Colégio do Espírito Santo (Universidade de Évora), viria a ser inaugurada em 1574.

O desenho arquitetónico é da autoria de Diogo de Torralva, arquiteto do Rei e a direção da obra foi entregue a Baltazar Fernandes. Inicialmente, parte integrante da Universidade Jesuíta de Évora passa, em 1776, para a tutela da Ordem Terceira de Francisco e a partir de 1834, data em que foram extintas todas as Ordens Religiosas em Portugal, muda várias vezes de mãos.

O exterior, de aspeto pesado e imponente, tem alpendre de sete arcos graníticos, por onde se faz a entrada na igreja. O interior, de planta retangular, é iluminado por galerias altas. A decoração das dez capelas laterais revestiu-se de grande sumptuosidade, particularmente com a aplicação de talha dourada, nos dois séculos seguintes.

Destacam-se as capelas de Santo Inácio de Loyola, do Senhor Jesus dos Queimados (onde se conserva o crucifixo dado a beijar aos condenados da Inquisição), e da Irmandade do Senhor Jesus dos Passos da Cidade de Évora (transferida para esta igreja em 1845, após a profanação do Convento da Graça).

No cruzeiro, à esquerda, está arca sepulcral destinada a receber as ossadas do Cardeal D. Henrique (que em vida a mandou preparar), vazia, porque o mesmo viria a morrer Rei de Portugal, após a morte de D. Sebastião, estando sepultado nos Jerónimos, em Lisboa.

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