21 mai, 2021
A pandemia veio pôr em evidência a importância de um Estado forte e eficaz para o bem-estar das pessoas. Já antes, com a crise financeira de 2008 e a crise das dívidas soberanas (que atingiu Portugal), se tinha tornado claro que o liberalismo individualista carecia de uma dimensão social. O triunfalismo capitalista selvagem, reforçado com o colapso do comunismo soviético, levara a uma espécie de “vale tudo” para ganhar dinheiro. Nessa altura vigorava o preconceito segundo o qual o mercado, só por si, tudo resolveria.
A presente viragem explica a “cimeira social” da UE no Porto e a conversão de J. Biden à dimensão social que uma economia de mercado deve ter. Nos EUA os apoios sociais públicos a famílias carenciadas representam apenas 0,6% do PIB, contra uma média de 2,1% nos 37 países da OCDE. Para alterar esta situação o grande pacote social de Biden é louvável; mas não pode ficar por aí: terá de haver apoios permanentes para o Estado social ser uma realidade nos EUA.
Nos EUA um “estado social” tem muitos opositores e muitos preconceitos. Basta recordar a feroz oposição de Trump e do partido republicano ao “Obama care”, um programa que permitiu um seguro de saúde a milhões de americanos, que nenhum apoio tinham em caso de doença.
Entre nós a ideologia coletivista ainda influencia muito o debate sobre Estado e sector privado. Por exemplo, a esquerda marxista, que detesta a saúde privada, defende que não pode haver “negócios” com a saúde. É um preconceito, como seria dizer que a venda de alimentos não é aceitável, uma vez que ser alimentado é um direito de qualquer pessoa. A União Soviética lançou a coletivização da agricultura, da qual resultou a fome e a morte de muitos milhões de pessoas. Por outro lado, os comunistas consideram que a empresa privada é por natureza uma exploração; mas defendem as pequenas empresas, onde por vezes o grau de exploração dos empregados é assustador.
Na saúde, o preconceito ideológico faz-se sentir no governo do PS. Segundo o Tribunal de Contas (TdC) os hospitais em parceria público-privada (PPP) de Cascais, Vila Franca de Xira, Braga e Loures pouparam dinheiro ao Estado, ou seja, aos contribuintes, entre 2014 e 2019 – mais de 200 milhões de euros. “As PPP hospitalares foram genericamente mais eficientes do que a média dos hospitais de gestão pública comparáveis e estiveram alinhadas com o desempenho médio do seu grupo de referência quanto aos indicadores de qualidade, eficácia e acesso”, afirma o TdC, referindo ainda que estes hospitais estão “plenamente integrados no Serviço Nacional de Saúde”.
Ora o hospital de Braga voltou à esfera pública em 2019 e o de Vila Franca de Xira vai também passar a ter gestão pública a partir de 1 de junho. É que, além do mais, o governo agravou de tal modo as condições para os privados que estes desistiram – era esse o objetivo governamental, como é óbvio. Mas a ministra da Saúde pôde, assim, afirmar no Parlamento que quem não quis continuar nas PPP foram os privados...
Outro exemplo encontra-se no ensino, que o Governo gostaria de tornar exclusivamente público. Desde 2016 que o ministério da Educação começou a cortar nos contratos de associação com estabelecimentos de ensino particular e cooperativo. “Ficaram a perder milhares de alunos que têm um percurso educativo pior e ficaram a perder os contribuintes, que estão a pagar mais pelo percurso educativo desses alunos”, disse ao “Público” Rodrigo Queiroz e Melo, diretor da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo.
Algumas escolas privadas conseguiram sobreviver, mas a elas só tem acesso quem possa pagar. É este o preço dos preconceitos ideológicos.