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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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O preço dos preconceitos ideológicos

21 mai, 2021 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


As ideologias existem, à esquerda e à direita. É normal e pode ser até saudável. O pior é quando nelas assentam preconceitos que prejudicam quem vive em Portugal. Vejam-se a Saúde e a Educação.

A pandemia veio pôr em evidência a importância de um Estado forte e eficaz para o bem-estar das pessoas. Já antes, com a crise financeira de 2008 e a crise das dívidas soberanas (que atingiu Portugal), se tinha tornado claro que o liberalismo individualista carecia de uma dimensão social. O triunfalismo capitalista selvagem, reforçado com o colapso do comunismo soviético, levara a uma espécie de “vale tudo” para ganhar dinheiro. Nessa altura vigorava o preconceito segundo o qual o mercado, só por si, tudo resolveria.

A presente viragem explica a “cimeira social” da UE no Porto e a conversão de J. Biden à dimensão social que uma economia de mercado deve ter. Nos EUA os apoios sociais públicos a famílias carenciadas representam apenas 0,6% do PIB, contra uma média de 2,1% nos 37 países da OCDE. Para alterar esta situação o grande pacote social de Biden é louvável; mas não pode ficar por aí: terá de haver apoios permanentes para o Estado social ser uma realidade nos EUA.

Nos EUA um “estado social” tem muitos opositores e muitos preconceitos. Basta recordar a feroz oposição de Trump e do partido republicano ao “Obama care”, um programa que permitiu um seguro de saúde a milhões de americanos, que nenhum apoio tinham em caso de doença.

Entre nós a ideologia coletivista ainda influencia muito o debate sobre Estado e sector privado. Por exemplo, a esquerda marxista, que detesta a saúde privada, defende que não pode haver “negócios” com a saúde. É um preconceito, como seria dizer que a venda de alimentos não é aceitável, uma vez que ser alimentado é um direito de qualquer pessoa. A União Soviética lançou a coletivização da agricultura, da qual resultou a fome e a morte de muitos milhões de pessoas. Por outro lado, os comunistas consideram que a empresa privada é por natureza uma exploração; mas defendem as pequenas empresas, onde por vezes o grau de exploração dos empregados é assustador.

Na saúde, o preconceito ideológico faz-se sentir no governo do PS. Segundo o Tribunal de Contas (TdC) os hospitais em parceria público-privada (PPP) de Cascais, Vila Franca de Xira, Braga e Loures pouparam dinheiro ao Estado, ou seja, aos contribuintes, entre 2014 e 2019 – mais de 200 milhões de euros. “As PPP hospitalares foram genericamente mais eficientes do que a média dos hospitais de gestão pública comparáveis e estiveram alinhadas com o desempenho médio do seu grupo de referência quanto aos indicadores de qualidade, eficácia e acesso”, afirma o TdC, referindo ainda que estes hospitais estão “plenamente integrados no Serviço Nacional de Saúde”.

Ora o hospital de Braga voltou à esfera pública em 2019 e o de Vila Franca de Xira vai também passar a ter gestão pública a partir de 1 de junho. É que, além do mais, o governo agravou de tal modo as condições para os privados que estes desistiram – era esse o objetivo governamental, como é óbvio. Mas a ministra da Saúde pôde, assim, afirmar no Parlamento que quem não quis continuar nas PPP foram os privados...

Outro exemplo encontra-se no ensino, que o Governo gostaria de tornar exclusivamente público. Desde 2016 que o ministério da Educação começou a cortar nos contratos de associação com estabelecimentos de ensino particular e cooperativo. “Ficaram a perder milhares de alunos que têm um percurso educativo pior e ficaram a perder os contribuintes, que estão a pagar mais pelo percurso educativo desses alunos”, disse ao “Público” Rodrigo Queiroz e Melo, diretor da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo.

Algumas escolas privadas conseguiram sobreviver, mas a elas só tem acesso quem possa pagar. É este o preço dos preconceitos ideológicos.

Comentários
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  • Anónimo
    24 mai, 2021 Lisboa 11:40
    Quanto a empresas que NÃO dão lucro é simples... São fundamentais para a sociedade? Nacionalize-se. Não são fundamentais para a sociedade? Deixe-se falir.
  • Privados à portugues
    21 mai, 2021 Cá 14:24
    Sempre achei piada a certas instituições que se dizem "privadas", mas quando largadas no "Sagrado Mercado Livre" sem qualquer apoio estatal, num ápice, vão à falência e fecham portas ... "Privados", sim, mas desde que o chequezinho do Estado continue a correr...
  • Maria João Oliveira
    21 mai, 2021 Lisboa 10:44
    O mais surpreendente é que o preconceito ideológico desta "esquerda" se exerce em prejuízo dos mais desfavorecidos. O colégio da Imaculada Conceição da ordem Jesuíta, em Cernache, era frequentado também por alunos de famílias carenciadas, que aí usufruíam de uma educação de excelência. O colégio acabou por encerrar com o termo do contrato de associação. Pura demagogia, sem inteligência.