Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Um conflito infindável

19 mai, 2021 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


A dificuldade de obter um cessar-fogo no conflito israelo-palestiniano decorre de não existirem interlocutores credíveis do lado palestiniano nem do lado israelita. A longo prazo, Israel terá de ponderar uma mudança para se tornar um país plenamente democrático.

Ao longo de quase dois mil anos os judeus foram um povo sem pátria. Registaram-se décadas de conflitos entre os muçulmanos que viviam na Palestina e os refugiados judeus que ali iam chegando, sobretudo a partir do início do séc. XX; o sinistro holocausto, de que os judeus foram as principais vítimas, acelerou a migração judaica para o Médio Oriente e reforçou a ambição de terem ali um Estado seu.

Em 1947 a ONU deliberou que naquele território deveriam surgir dois Estados – o Estado de Israel e um Estado palestiniano. Os muçulmanos não aceitaram, pois queriam ali um só Estado por eles dominado; daí, um novo conflito armado, que os israelitas venceram.

Na chamada guerra dos seis dias, em 1967, Israel aumentou o território por ele ocupado. Tornava-se clara a supremacia militar de Israel, que beneficiava de um forte apoio financeiro e militar dos EUA. Mas no ano seguinte, num acordo em Camp David (EUA), após negociações mediadas pelo presidente Carter, israelitas e palestinianos chegaram a um acordo de princípio. Esse acordo foi completado em Oslo em 1993-1995.

Mas os extremistas de um lado e do outro não aceitaram a paz. Yasser Arafat, líder da Organização de Libertação da Palestina (OLP), foi assassinado em 2004 por um radical palestiniano; e em 1995 um radical judeu matou Yitzhak Rabin, um herói militar e primeiro-ministro de Israel, mas também um ardente promotor da paz. Estes dois crimes liquidaram qualquer entendimento entre israelitas e palestinianos.

Em 2005 Israel retirou da faixa de Gaza. Esse pequeno espaço passou a ser dirigido pelo Hamas, uma organização terrorista apoiada pelo Irão xiita. Entrou-se então numa fase de guerrilha por parte dos radicais islâmicos, aos quais Israel respondia com força militar claramente superior. O Hamas também tem responsabilidades na morte de muitos habitantes em Gaza, pois serve-se dos civis para escudo contra mísseis israelitas.

O sucessor de Arafat na liderança da OLP, desde os acordos de Oslo chamada Autoridade Palestiniana (AP), Mahamud Abbas, que ficou a liderar a Cisjordânia, revelou-se um político fraco e de seriedade duvidosa. Várias tentativas de acordo entre a AP e o Hamas falharam.

Entretanto o primeiro-ministro de Israel desde 2009, Netanyahu, há muito deixou cair a ideia de dois Estados, apostando apenas na superioridade militar e tecnológica do seu país para enfrentar os muçulmanos. Por isso multiplicou os colonatos judaicos na Cisjordânia, inviabilizando, na prática, um futuro Estado palestiniano.

Agora, apesar de quatro sucessivas eleições, Netanyahu não conseguiu formar governo. E está a decorrer um julgamento do ainda primeiro-ministro, acusado de corrupção, algo que não seria possível na maioria dos países democráticos. A presente e sangrenta crise pelo menos adiou a saída de Netanyahu do poder. Por isso ele insiste na brutalidade dos ataques a Gaza.

Os defensores de Israel têm argumentado que este é o único país democrático naquela zona do mundo. É verdade, mas também é inegável que a qualidade democrática de Israel caiu perigosamente. Um quinto dos cidadãos israelitas são muçulmanos. E a tendência é no sentido de a população muçulmana aumentar.

Israel respondeu a esta tendência consagrando o princípio de que o seu Estado é judaico. Ou seja, os cidadãos muçulmanos de Israel são de segunda categoria, numa espécie da “apartheid”. Ora já se multiplicam os sinais de que tal situação não será pacificamente aceite pelos “cidadãos de segunda”.

A curto prazo, não se vê como alguém – uma personalidade internacional, a ONU, o Egito, etc. - poderá mediar este conflito, pois não existem interlocutores credíveis do lado palestiniano nem do lado israelita. O Hamas não reconhece Israel e não negoceia. Sucedem-se os apelos internacionais a pedir um cessar-fogo.

A longo prazo, Israel terá de ponderar seriamente uma mudança. Importa que os dirigentes de Israel tomem consciência da injustiça da situação, que mata muitos mais palestinianos do que israelitas. Depois, é preciso que Israel dê passos atrás para se tornar um país plenamente democrático. A tragédia é que, até tal acontecer, se acontecer, o número de vítimas crescerá muito, sobretudo do lado dos palestinianos.

Comentários
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  • António J G Costa
    20 mai, 2021 Cacém 23:05
    Bem .... "a supremacia militar de Israel" ? No ano de 1973 foi a supremacia militar dos EUA. Em 1973, na guerra do Yom Kippur, sem a intervenção dos EUA Israel teria sido aniquilado. Isso levou a represálias dos países árabes produtores de petróleo....a crise de 1973. Os acordos de paz não datam dos 60s, mas dos 70s. Novamente com o patrocínio dos EUA. E hoje 20 de Maio, um cessar fogo. Israel depende totalmente dos EUA. Apenas.
  • Ivo Pestana
    20 mai, 2021 Funchal 16:12
    Sr. Francisco, por alguma razão Jesus nasceu naquelas bandas.