Hora da Verdade

Cotrim Figueiredo contra apoio do Governo a eventual corrida de Costa ao Conselho Europeu. "Não é a pessoa indicada”

02 mai, 2024 - 07:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Joana Mesquita (Público)

Ex-líder da IL critica escolha de Sebastião Bugalho para cabeça de lista da AD às europeias e considera que se trata de “uma certa desvalorização do projeto europeu quando a notoriedade parece ser o primeiro e o principal motivo da escolha de um candidato”.

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Cotrim Figueiredo contra apoio do Governo a eventual corrida de Costa ao Conselho Europeu. "Não é a pessoa indicada”
Cotrim Figueiredo contra apoio do Governo a eventual corrida de Costa ao Conselho Europeu. "Não é a pessoa indicada”

Aos 62 anos, João Cotrim Figueiredo é o cabeça de lista da Iniciativa Liberal (IL) às europeias e tem o objetivo assumido de ser eleito eurodeputado. Se não acontecer admite que se tratará não só de uma “derrota pessoal”, mas uma derrota de “todo o projeto” liberal.

Em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público, o ex-líder da IL considera que António Costa “não é a pessoa indicada” para ocupar a liderança do Conselho Europeu e se o ex-primeiro-ministro entrar na corrida pelo lugar não contará com o apoio dos liberais. E também não vê motivo para o Governo português vir a apoiar uma eventual candidatura do socialista.

João Cotrim Figueiredo espera para ver a aritmética que vai sair das eleições de 9 de junho, mas alerta para os perigos de um eventual crescimento da designada direita radical. O antigo líder liberal considera que “é um risco para o projeto europeu, porque estaremos a pôr em lugares ou de decisão ou de controlo de decisões, pessoas que não têm estima nem sequer vontade de fazer andar o projeto europeu”.

Vai sentir-se sozinho em Bruxelas ou Estrasburgo ou está convicto que a Iniciativa Liberal até pode eleger mais do que um deputado nestas europeias?

Não consigo saber se vamos conseguir eleger mais do que um. O objetivo, assumidamente, é eleger um eurodeputado. E, se assim for, não me vou sentir sozinho até porque tive essa experiência de estar sozinho no Parlamento português durante quase três anos. Temos o hábito de abanar as coisas e de mudar a agenda e de influenciar a agenda, mesmo quando estamos claramente em desproporção de números.

E se não for eleito, encara-o como uma derrota pessoal ou não?
Claro. É uma derrota pessoal. Até porque as eleições europeias são particularmente pessoalizadas.

Mas é a Iniciativa Liberal também que estará em causa e, neste caso, também um ex-líder do partido.
Claro que é uma derrota política de todo o projeto. É um dos grandes motivos pelos quais aceitei este desafio. Sinto uma quota-parte de responsabilidade no sucesso do projeto liberal em Portugal.

E o sucesso ou não da campanha europeia para a Iniciativa Liberal pode por em causa a liderança e dar menos ou mais legitimidade a Rui Rocha?
Qualquer projeto que não tenha os resultados que se propõe ter e que fica aquém daquilo que esperava obter deve tirar ilações políticas. Se essas vão ao ponto de reformular toda a direção ou não, não sei.

Acha que Sebastião Bugalho tem o currículo necessário para assumir este cargo [ser cabeça de lista da AD às eleições europeias]?

Ter ou não ter currículo, um determinado candidato, não é o género de discussão em que gosto de entrar. Reconheço capacidades comunicacionais e intelectuais a Sebastião Bugalho, não lhe conheço posições sobre a Europa e a política europeia e portanto, nesse sentido, vamos aguardar pelos debates.

Ainda em relação a Sebastião Bugalho, o Presidente da República disse que se tratava de uma figura que era uma improvisação por parte do líder da AD. Também tem esta visão?

Mais do que uma improvisação foi uma surpresa. O que não gostei na escolha é parecer privilegiar a popularidade e a notoriedade televisiva como se isso fosse suficiente para chegar às pessoas. É uma certa desvalorização do projeto europeu quando a notoriedade parece ser o primeiro e o principal motivo da escolha de um candidato.

A Presidente da Comissão Europeia não recusou uma aliança entre o Partido Popular Europeu e o ECR, que integra partidos como o Vox ou o Irmãos de Itália. Como é que vê as potenciais alianças na Europa, tendo em conta que os liberais fazem parte do eixo com o PPE e com os socialistas e democratas?

Os conservadores na Europa, esse grupo parlamentar, tem uma mistura grande de partidos e alguns deles não são, de facto, partidos com os quais os liberais, alguma vez, admitissem estar coligados O grupo ‘Renovar a Europa’ já tornou claro que o apoio a uma eventual recandidatura e reconfirmação de Ursula von der Leyen como Presidente da Comissão dependerá da não aliança com o ECR.

E com o crescimento da direita radical, nessa mistura toda que existe até a nível europeu, esse equilíbrio na Europa pode desfazer-se para o entendimento dos grandes lugares europeus, dos chamados top jobs?

Sim. Vamos ver a aritmética que sai do dia 9 de junho. A maior parte dos cenários que tenho visto continua a permitir que esta grande coligação entre liberais, socialistas e populares tenha a maioria e, portanto, possa continuar a marcar o ritmo e a direção em que a União Europeia se vai desenvolvendo. Se tal não acontecer, acho que é um risco para o projeto europeu, porque estaremos a pôr em lugares ou de decisão ou de controlo de decisões, pessoas que não têm estima nem sequer vontade de fazer andar o projeto europeu. E isso é mau.

Como é que vê as novas regras orçamentais que há semanas foram aprovadas pela União Europeia e que têm sido descritas como mais flexíveis e menos exigentes na contenção orçamental? Como é que vê este novo quadro orçamental? É mais favorável? É menos favorável?

Esse novo quadro ainda está em evolução, portanto, ainda haverá muitas matérias de pormenor importantes a serem decididas. E não constam apenas de matérias de disciplina orçamental, fazem também questão de aproveitar uma experiência que foi positiva do grande projeto, que nós aqui em Portugal designamos por PRR. Nesse programa, todos os apoios foram condicionados ao cumprimento de determinadas metas e à execução de determinadas políticas. A condicionalidade dos fundos relativamente à sua execução e à sua eficácia será muito maior, num contexto financeiro futuro. Temos por um lado, uma talvez menor exigência em disciplina fiscal, coisa que a Iniciativa Liberal não aprecia, mas tem muito maior exigência quer à atribuição, quer à utilização de fundos europeus, que nós apreciamos particularmente porque achamos que é um dos temas em que a Europa tem ficado claramente aquém do que devia. Não há suficiente avaliação da forma como os fundos são aplicados e não há suficiente transparência mesmo nos critérios de atribuição desses mesmos fundos. Portanto, isso será uma matéria que a nós nos agrada ver, que está a ser revisitada para o próximo quadro financeiro plurianual.

E são regras que até podem ser revisitadas nos próximos anos, desejavelmente?

Sê-lo-ão, certamente. Até porque no contexto de preparação das implicações financeiras de eventuais alargamentos do número de países membros da União Europeia, isso será inevitável.

Como é que vê o novo pacto para as migrações e asilo da União Europeia?

É um pacto que tem virtudes, contém 10 diplomas diferentes, todos eles muito extensos. Tenho de confessar que ainda estamos a dirigir alguns deles, mas tem alguns princípios que me parecem de louvar. O primeiro é definir a Europa como um espaço de acolhimento, um espaço de liberdade. Mas não é um pacto ingénuo, não diz que tudo isto é a paz dos deuses e não há problemas. Então define uma série de critérios que me parecem razoáveis e bem pensados e a expressão que foi usada na apresentação acho que é feliz: vamos ser justos e humanos com quem é elegível, firmes com quem não é elegível e intransigentes com quem trafica e se aproveita desta situação de necessidade das pessoas que querem entrar no espaço europeu. E com este conjunto de razões, com este conjunto de motivos e de princípios, talvez seja possível fazer uma coisa que acho essencial - não é possível continuar a viver numa Europa que nós desejamos que não tenha fronteiras internas se não confiarmos nas fronteiras externas. O trabalho nas fronteiras externas tem que funcionar na triagem das pessoas, na verificação dos antecedentes, na verificação da situação política, sanitária ou económica dos países de origem, para que possamos ter a certeza de que quem está a pedir asilo o está a pedir pelos motivos corretos, verdadeiros e é verdadeiramente elegível ao abrigo deste pacto.

Deixe-me voltar um bocadinho atrás sobre os designados lugares de topo da União Europeia. Alguma vez a Iniciativa Liberal e a família europeia a que pertence, apoiariam o nome de António Costa para a liderança do Conselho Europeu?

Não, mas não tem a ver com a sua nacionalidade, nem muito menos com o seu partido de origem. Tem a ver com a experiência que tivemos em Portugal de oito anos de governação de António Costa, que foi alguém que fugiu, como o diabo da cruz, a fazer qualquer espécie de reforma estrutural e a assumir aquelas ruturas mais arriscadas do ponto de vista eleitoral e político, coisas que na Europa são absolutamente essenciais. Alguém que diz que se arrepia quando ouve a palavra reformas estruturais, alguém que deu provas durante oito anos que não quer arriscar, não é a pessoa indicada.

Seguindo esse raciocínio, o Governo português devia abster-se de apoiar o nome de António Costa na eventualidade de ser apontado para o Conselho Europeu?

Sempre tive enormes dúvidas em perceber o raciocínio de que ter alguém da nossa nacionalidade beneficia os nossos interesses. A essência da política deve ser que, se há medidas a serem tomadas, se há reformas a serem feitas, se há interesses a ser defendidos, qual é a pessoa mais capaz de o fazer, independentemente da idade, da nacionalidade, da origem e da afiliação política. Jacques Delors fez muito mais pelos interesses portugueses do que Durão Barroso.

O Grupo Parlamentar Renovar a Europa defendeu a criação de uma Academia Militar Europeia. Qual é a sua posição e a posição da Iniciativa Liberal relativamente a um exército europeu?

Não é a nossa visão do que deve ser uma política de defesa eficaz e coordenada a nível europeu. Defendemos um pilar europeu da NATO institucionalizado: tornar a relação NATO-União Europeia mais institucional.

Ainda sobre isso, isso requer um orçamento superior da União Europeia, destacado para a Defesa e também dos próprios Estados-membros.

Acho que, essencialmente, o segundo. Se os Estados-membros cumprirem os 2% do PIB que estão previstos. Além disso, poderá ser necessário, numa transição para recuperar alguns atrasos, mas não creio que em termos de velocidade de cruzeiro, seja necessário um orçamento muito superior da União Europeia para efeitos de defesa.

Cotrim HdV
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