29 nov, 2017 - 09:07 • José Pedro Pinto
Está a ver a lógica do pontapé para a frente? Pois bem, no meio da tragédia, uma pequena região de 200 mil habitantes, no estado brasileiro de Santa Catarina, seguiu caminho e suportou-se no futebol, mais do que nunca, para ultrapassar a mágoa.
28 de Novembro de 2016 no Brasil, dia 29 na Europa. O mundo acordava para a triste realidade de um trágico acidente de aviação que dizimava praticamente toda a equipa da Chapecoense.
77 pessoas seguiam a bordo do Avro RJ85, alugado à companhia aérea boliviana Lamia. 71 não sobreviveram. Dos 22 jogadores que a Chapecoense transportava até à Colômbia, para a final da Taça Sul-Americana, frente ao Atlético Nacional, 19 perderam a vida.
Quis a sorte - ou o destino - que o único jornalista sobrevivente fosse a voz dos jogos do "Verdão". Rafael Henzel, relator da Rádio Oeste Capital, olha para trás com um misto de emoções. Por um lado, o tal pontapé para a frente.
"Foi um ano muito difícil. Foi preciso, com tanta dor e com o sentimento das pessoas de Chapecó, encontrar uma alternativa. Foi a melhor, que foi continuar com o futebol porque a região já tinha sido punida com a perda de tantos amigos. Isso teve muito impacto na vida de todos nós", começa por referir.
Por outro, as vítimas que partiram e as vítimas que ficaram para assinalar o que fica do que passou.
"A Chapecoense é a vítima deste acidente mas precisa de procurar, com as associações de familiares, uma punição criminal e financeira. Torço para que todos recebam a sua indemnização e tenham tranquilidade de cuidar dos seus filhos", prossegue.
O testemunho de quem recorda todos os pormenores
Voltemos ao pontapé para a frente. Aos 44 anos, Rafael Henzel agarrou-se à garra, fez a maior defesa da vida, retomou a normalidade diária e escreveu o livro "Viva como se estivesse de partida".
"Tive dois pulmões perfurados, sete costelas quebradas, uma pneumonia muito forte, sangue no pulmão, lesões nos dois pés e ferimentos no rosto mas isso não me abalou. Conto, neste livro, o que me levou a voltar a trabalhar, a alegria de voltar a trabalhar e de conviver com os meus", relata.
Na hora do acidente, na altura do recobro, a crença foi inabalável.
"Fiz tudo o que planeei na Colômbia. Acreditei. Em nenhum momento, seja dentro do avião, nos últimos dois minutos, quando as luzes se apagaram, seja no meio do mato, à espera de um socorro que demorou cinco horas, comigo a desmaiar permanentemente, seja no hospital, com a dor psicológica e física, entreguei-me. Sempre acreditei que era possível voltar. Hoje, estou aqui", conclui.
De pontapé em pontapé, a "Chape" deu a volta ao marcador. Esta época, qualificou-se para a Taça Sul-Americana e vai concluir o Brasileirão a meio da tabela.
O "Verdão" e Rafael Henzel decidiram seguir em frente, homenageando as vítimas com aquilo que os atletas desaparecidos na Colômbia mais gostariam: golos e mais golos.