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Inteligência Artificial. As diferentes velocidades de uma "guerra às armas" em Portugal

11 fev, 2021 - 07:12 • José Pedro Frazão

Um estudo agora divulgado revela como está Portugal a aplicar a tecnologia em que as máquinas, nalguns casos, já tomam muitas decisões até aqui apenas por seres humanos. O retalho está mais avançado que outras atividades na adoção da tecnologia que em todos levanta interrogações éticas e sociais.

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É no retalho que se encontra a expressão mais avançada da Inteligência Artificial em Portugal. A análise do "estado da arte" consta de um estudo intitulado “Caminhos e oportunidades para a inteligência artificial – a perspetiva portuguesa”, da autoria de João Castro e Vasco Teles, agora editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

"Encontramos, em diferentes áreas de aplicação, uma perspetiva de poder fazer melhor previsão sobre os comportamentos e hábitos de consumo dos seus clientes e com isso poder otimizar as cadeias de abastecimento e todo o processo logístico para ter produto”, explica o autor.

“Mas também vimos empresas de retalho, num mercado muito forte com dois grandes atores em Portugal, com uma concorrência rápida e ativa, que usam essas ferramentas para conseguir monitorizarem-se uns aos outros para poderem dar respostas rápidas. E, finalmente, alguns casos em que ensaiam já a aplicação desta tecnologia para novos conceitos de loja, com o registo de padrões de deslocação e de consumo dentro da loja de forma completamente diferente da que estávamos habituados", acrescenta João Castro, professor na Universidade Nova de Lisboa.

Este especialista encontra no retalho um " pioneirismo e vontade de fazer diferente e arriscar" que contrasta, por exemplo, com o setor da banca onde reinam as cautelas sobre a adoção de Inteligência Artificial e que os autores dizem mesmo que está "à espera para ver no que dá" sem tomar grandes riscos.

"Se alguém dá o primeiro passo, então os outros rapidamente querem imitar. Mas estão todos tipicamente à espera de ver o que outros estão a fazer. Enquanto ninguém der o primeiro passo com força, os outros também não vão dar", defende João Castro em declarações à Renascença.

Apelo a um debate ético global

Na conclusão deste estudo, os autores defendem a necessidade de um "debate social e ético global” sobre as implicações da Inteligência Artificial na sociedade e chegam mesmo a sugerir a inclusão de "um acrescento à Declaração Universal dos Direitos Humanos”.

O estudo, feito com base num inquérito em diversas áreas a profissionais portugueses que estão a trabalhar com Inteligência Artificial, revela que estes especialistas querem que o tema seja debatido fora do nicho em que se encontra.

"Dada a sua importância, a leitura que se faz sobre o impacto que isto poderá ter na sociedade portuguesa, europeia e mundial, tem que ser muito mais aberta e tem que entrar mais gente nesta discussão. Há uma oportunidade de transformação de modelo de sociedade tão grande que não pode ficar restrito apenas a algumas pessoas. Toda a gente tem a humildade de perceber que isto é um tema demasiado complexo para não serem duas ou três pessoas a conseguir definir isto sozinhas", afirma João Castro, sintetizando o tom das reflexões recolhidas neste relatório agora publicado.

O autor não hesita em comparar o panorama da Inteligência Artificial a uma "corrida às armas", face à vantagem competitiva que garante a quem adotar mais cedo esta tecnologia, hoje "mais madura" do que quando foi formulada teoricamente há várias décadas.

João Castro não duvida que quem conseguir mais rapidamente atingir ou desenvolver estas ferramentas, será mais sustentável no futuro, por conseguir uma vantagem aos seus concorrentes, por via de um conhecimento extraído a partir da informação recolhida.

Cuidado com os dados, atenção aos erros

O autor assegura que quem trabalha nesta área em Portugal procura fazer o tratamento dos dados pessoais com cautelas e garantias legais. Dos testemunhos recolhidos para este estudo, conclui-se que há uma preocupação em ter muito cuidado com o que se faz com os dados pessoais e em garantir que as pessoas devem saber que informação pessoal está a ser recolhida.

No cruzamento entre a ética e o desenvolvimento tecnológico, João Castro relata que os próprios "intervenientes de ponta" discutem bastante a tecnologia a dois níveis.

"Na 'Simple IA' sabemos bem o que está a ser feito com algoritmos que conseguimos prever o que fazem, onde aproveitamos a capacidade de computação em quantidade de dados e rapidez do seu processamento que permitem fazer cálculos que antes não sabíamos fazer. Há outros em que pomos as máquinas a aprender e elas conseguem criar as suas próprias interpretações dos dados e dar-nos uma resposta e em que não conseguimos perceber como é que a máquina chega a essa decisão. Estamos no domínio da "Explained IA". Corremos o risco de não perceber como a máquina chegou aí e que erros ela pode ter cometido pelo caminho", contextualiza este professor da NOVA SBE.

Existe já literatura sobre os principais erros que são cometidos internacionalmente na Inteligência Artificial. É o caso do recrutamento de trabalhadores nalgumas multinacionais, que filtram numa primeira ronda os candidatos através de dados processados pelas próprias máquinas.

"Foram processos de recrutamento de pessoas em que a máquina foi aprender com base na história de quem tinha características de quem tinha sido os bons colaboradores. Mais tarde vieram a perceber que tinha um enviesamento para homens que não era tolerável na empresa que estava a promover aquilo. Mas isso porque entenderam o que o algoritmo estava a fazer. Há muitos algoritmos em que não se entende o que se está a fazer. Também há essa preocupação e é gratificante ver que as empresas estão a fazer isso, porque também defende valores de sociedade que queremos promover", remata João Castro, um dos autores do estudo sobre o estado das Inteligência Artificial em Portugal, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

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