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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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A incapacidade de prevenir

11 jan, 2021 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


A poucos dias da eleição presidencial, surgem propostas para adiar a ida às urnas ou para haver mais do que um só dia de votação. Tarde demais. Governar é prever, incluindo, sobretudo, as hipóteses mais graves. Ora, o atual Governo funciona para o curtíssimo prazo, navegando à vista e não prevendo que o pior pode acontecer. Assim, não previne o que seria possível prevenir.

Dezenas de milhares de idosos retidos em milhares de lares têm sido privados de receber visitas de familiares em várias fases de confinamento, para tentar conter a pandemia do coronavírus. Calcula-se a depressão causada por tal isolamento e sentida por grande parte desses idosos. Agora, quando se agravam as medidas de confinamento por causa da grande subida de infetados e mortos pelo vírus, pretende-se que no próximo dia 24, dia de eleições presidenciais, os idosos saiam dos lares para se deslocarem aos locais de voto. A Comissão Nacional de Eleições diz que os idosos podem ir votar e não terão de cumprir quarentena no regresso aos lares.

Tenho-me abstido de comentar a pandemia e o combate para a travar porque não possuo conhecimentos e qualificações para o fazer. Mas há situações absurdas que importa denunciar. A menos de duas semanas do dia da votação é obviamente impossível organizar o transporte de idosos dos lares para as mesas de voto numa escala significativa. O presidente da Associação Nacional de Freguesias, Jorge Veloso, considerou “surreal” a hipótese de pôr as juntas de freguesia a transportar idosos. Também não será viável levar urnas de voto a cada lar de idosos sem uma longa preparação prévia.

Claro que, se a questão fosse considerada há meses, não teria sido impossível encontrar uma solução envolvendo juntas de freguesia e/ou outras instituições, designadamente na área social, coordenando voluntários para transportar idosos dos lares ou para transportar urnas de voto aos lares. Só que, para que isso acontecesse, seria preciso prever antecipadamente a possibilidade de a pandemia se agravar ao nível a que agora se verifica.

Governar é prever, incluindo sobretudo as hipóteses mais graves. Mas não está na nossa maneira de ser e muito menos nos hábitos do atual Governo antecipar o que pode vir a acontecer, incluindo o pior. Agir para o melhor, mas prevenir para limitar os danos se o pior acontecer. Decerto que a evolução desta pandemia surpreende frequentemente cientistas e políticos. Mais uma razão para preparar o país para o pior, fazendo o possível para que ele não aconteça.

O mesmo se diga quanto a adiar a data da eleição presidencial ou admitir, não um dia para a votação, mas dois ou mais. Vários países o fizeram, mas entre nós apenas se começou a debater essas hipóteses na semana passada. Agora é demasiado tarde. O atual Governo funciona para o curtíssimo prazo, navegando à vista.

A consequência mais séria desta incapacidade de prever e antecipar é a subida da abstenção – o que, nesta altura, toda a gente prevê. Também prejudica a campanha eleitoral, que já começou. Lembra a jornalista São José Almeida, no “Público”, que essa questão foi levantada em abril, por Conceição Pequito, Marina Costa Lobo e Carlos Jalali, três politólogos cujos avisos foram ignorados por quem poderia e deveria agir.

Assim, pouca campanha, que já começou, terá lugar nas ruas. A proximidade entre as pessoas e os políticos leva uma nova machadada. Marcelo, o candidato que será mais afetado por uma abstenção que poderá revelar-se enorme, afirma que não há condições para adiar as eleições presidenciais. Pois não, mas talvez houvesse se alguém responsável tivesse pensado no assunto mais cedo.

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