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EUA/Eleições

"Não se deve excluir que o próprio Biden venha a ajudar os Republicanos a sarar as suas feridas"

11 nov, 2020 - 08:10 • José Pedro Frazão

Nuno Monteiro e Bernardo Pires de Lima analisam o impacto da eleição do candidato democrata e os desafios da próxima administração norte-americana no programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.

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Uma semana após as eleições norte-americanas, Donald Trump ainda não concedeu a derrota para Joe Biden. O presidente eleito diz querer "sarar as feridas" num país fraturado e tenso. Convidado do programa "Da Capa à Contracapa", o investigador do Instituto Português de Relações Internacionais Bernardo Pires de Lima lembra que Joe Biden sempre foi um dos senadores democratas mais procurados para negociar com os republicanos. E até pode ser a chave para reconstruir a oposição depois da derrota de Trump.

"Não se deve excluir que seja o próprio Joe Biden a fazer as pontes necessárias com alguns sectores republicanos, a ajudá-los a sarar as feridas", alvitra o especialista em assuntos internacionais que sustenta que a América precisa de regressar a compromissos. Para Nuno Monteiro, professor de ciência política da Universidade de Yale, Biden "pode trazer um conjunto de moderados do centro-direita americano para um centrão que consiga passar reformas e políticas necessárias para resolver a crise de saúde pública e económica". Mais difícil será, segundo este analista, trazer de novo para o sistema político um vasto conjunto de eleitores que constituem o núcleo duro de apoio a Trump.

Para Bernardo Pires de Lima, ambas os campos terão que trabalhar muito para pacificar a América." São precisos dois para dançar o tango e qualquer conjugação de fatores politico-legislativos para 'casar' politicamente duas Américas que estão incompatibilizadas e que social e culturalmente não comunicam", analisa o autor do livro "Portugal e o Atlântico" publicado em 2016 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Biden será Obama '3' ?

A pergunta pode fazer sentido quando se perspetiva a eventual escolha de pessoal político com experiência em administrações democratas e o regresso a algumas prioridades políticas ou legislativas dos anos Obama. Um caminho natural que deve ser marcado por um mandato em contraciclo com as opções de Donald Trump.

"O mandato de Biden será sempre de transição tendo em conta as ruturas que Donald Trump ensaiou. Não estou a dizer que todas funcionaram nem que todas as suas directrizes nasceram com a sua chegada à Casa Branca. Ele tentou fazer ruturas e algumas com sucesso em relação à administração anterior onde Joe Biden era um dos protagonistas", argumenta Pires de Lima para quem é preciso tornar a política americana mais previsível. " É preciso arrumar minimamente a casa e fazer passar os pacotes legislativos de ataque às crises de saúde pública, financeira e económica que os Estados Unidos atravessam", acrescenta o investigador do IPRI.

Os comentadores ouvidos no " Da Capa à Contracapa" admitem que a prioridade de Biden deve ser a frente interna, intimamente ligada também à dimensão externa, explica Nuno Monteiro. O professor de Yale considera que o enfoque na vertente interna é essencial para uma boa política externa.

"Para competir internacionalmente, os Estados Unidos têm que garantir que a sua forma de organização tem sucesso. Isso significa crescimento económico, resultados na saúde pública e alguma redistribuição, porque os níveis de desigualdade estão a esticar a corda em termos de paz social. Não é claro para mim que o modelo americano neste momento esteja a gerar melhores desempenhos do que o modelo chinês. Biden terá que prestar muita atenção a isto. Terá que lançar programas de relançamento da economia, porventura alargando o seguro de saúde de Obama. Isto é também uma forma de fazer política externa para garantir que não perde para o modelo chinês", argumenta Monteiro.

Novas alianças contra a China

Bernardo Pires de Lima admite que nos primeiros dois anos esta será uma administração de "correções internacionais". Um dos temas centrais será a relação concorrencial com a China no grande xadrez mundial com uma possível revalorização dos parceiros europeus pela nova Casa Branca.

" Biden caminha mais para uma europeização da lógica negocial do que seguir os trâmites de Donald Trump. Mas também é preciso que do lado chinês, haja essa vontade. Até pela frente interna tão pressionante, vão ser precisas mais alianças e trabalho conjunto. Isso não quer dizer que as alianças no quadro ideológico da próxima administração se restrinjam às clássicas europeias. Há um arco de alargamento de uma rede de democracias asiáticas e europeias para dar mais músculo para conter esse poder ascencional da China", analisa o investigador do Instituto Português de Relações Internacionais.

Já para Nuno Monteiro, Biden "vai ter muito mais sucesso em 'sarar as feridas' abertas na ordem ocidental pela presidência de Trump. Aí será 70% de mudança de estilo e 30% de mudança de substância".

O futuro de Trump

O Presidente cessante dos Estados Unidos não dá sinais sobre o que vai fazer daqui para a frente. Nuno Monteiro acredita que Donald Trump deverá montar uma plataforma para tentar influência manter sobre mais de 70 milhões de votos conquistados nas eleições e continuará na política para "fazer mossa".

Bernardo Pires de Lima questiona-se sobre a capacidade de Trump conseguir impor uma vontade ao seu pessoal político que estará na transição para a nova administração. O analista do IPRI nota já "alguma disfuncionalidade entre a grande máquina do Partido Republicano e o núcleo duro de Donald Trump".

" Há alguns republicanos que estão neste momento, como qualquer momento cínico da política, a perceber os danos do acompanhamento deste comportamento de Trump. Vão tentar perceber quais são os custos do acompanhamento e os benefícios de um afastamento para se restituir um espaço político neste novo ciclo eleitoral. À cabeça está Mitt Romney que tem algum espaço tendo em conta a votação no impeachement", insiste Pires de Lima.

Já Nuno Monteiro ensaia um cenário que cruza o carisma de tipo Trump com solidez programática. "Se o partido republicano conseguir encontrar alguém que tenha o populismo retorico de Trump e que consiga aliar a capacidade executiva, pode voltar com muita força", admite o professor de Yale.

Noutro plano, Pires de Lima nota que a eleição de Biden significa um maior alinhamento de Lisboa com Washington em matéria de práticas político-diplomáticas. Mas a relação com Trump com Portugal até nem foi má de todo.

" Portugal desembaraçou-se relativamente bem dos anos Trump. Conseguiu uma visita de Estado de um Presidente à Casa Branca, conseguiu mais investimento estrangeiro. Não acelerou a irrelevância das Lajes. Do ponto de vista cientifico-cultural e universitário, as coisas mantiveram-se mais ou menos estáveis. As relações bilaterais ultrapassam os ciclos eleitorais e isso é importante".

Comentários
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  • António J G Costa
    11 nov, 2020 Cacém 13:26
    Os republicanos estão a posicionar-se. A votação que Trump teve foi muito elevada. É muito possível que Biden vá ser sujeito a uma "guerra de guerrilha", com o único propósito de desgastar a sua administração. Os republicanos tem os meios para isso e não parece que a ascensão da China vá parar. A China vai tentar liderar no combate à pandemia e ultrapassar os EUA, na corrida ao espaço.
  • Ivo Pestana
    11 nov, 2020 Funchal 10:07
    Parece-me um homem bom, inteligente, tipo o nosso Marcelo. Gostemos ou não, melhor este senhor que o rico, Trump.

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