"Assaltos à Hollywood". Máfias de Leste e América Latina atacam vivendas nacionais

05 nov, 2020 - 08:30 • João Carlos Malta

PSP e GNR têm estes grupos internacionais debaixo de olho, no entanto a pandemia refreou este tipo de criminalidade. A Renascença cruzou os dados das forças de segurança para chegar à conclusão de que, entre janeiro e setembro deste ano, houve uma quebra de 35% nos furtos e roubos em casas. Ainda assim, há em média 40 assaltos em residências por dia.

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O confinamento fez os portugueses ficarem mais tempo em casa e os reflexos nos números da criminalidade são evidentes, sendo que os assaltos a casas não fogem à regra. Aliás, a tendência de decréscimo já vem de trás, em resultado do aumento da segurança na maior parte das residências em Portugal. Mas se está mais difícil a realização deste tipo de crime, quem o comete está cada vez mais profissionalizado e requintado nos métodos.

As polícias falam de “máfias organizadas”, que planeiam, executam e fazem circular com grande facilidade o proveito dos crimes. Em regra, apontam para alvos de luxo onde conseguem maximizar os ganhos.

As estatísticas da PSP e da GNR mostram, ainda assim, uma queda generalizada quer nos furtos quer nos roubos de casas, nos primeiros nove meses do ano, quando comparado igual período do ano passado.

Somando os dados das duas forças de segurança, conclui-se que, até setembro, houve menos 35% de assaltos a habitações, num total de 11.076. Ainda assim, nos primeiros nove meses do ano, em média, houve 40 assaltos a residências por dia.

Enredos à Hollywood

Este tipo de crime ou é cometido por indivíduos isolados ou por grupos de grande envergadura, profissionalizados, e de grande mobilidade. São estes últimos que mais peso têm nas estatísticas. O requinte e organização surpreende, muitas vezes, a própria polícia.

São organizações criminosas que atuam ao nível dos melhores enredos dos filmes de Hollywood com funções muito bem definidas”, carateriza à Renascença o subintendente Lourenço, do Departamento de Investigação Criminal da PSP, e que segue este tipo de grupos de perto há vários anos.

Nos últimos dois anos, é da Geórgia e da Albânia que mais chegam os indivíduos responsáveis por este tipo de crime. Pertencem a uma organização internacional que atua em vários territórios europeus, e que usa a diáspora desses países em Portugal para ter pontos de apoio, como casas, que depois usam para estruturar a atividade no nosso país.

Pertencem ao grupo "Thieves in Law", que numa tradução literal se designam por "Ladrões em Lei", que atua em vários países europeus desde que a URSS se desmantelou.

“São máfias”, rotula o subintendente Lourenço. O mesmo descreve que a organização destes grupos é pormenorizada com elementos que estudam a forma de entrar nas casas – analisam os movimentos e hábitos das vítimas – e outros que concretizam os furtos e roubos. Há ainda quem seja responsável pela vigilância e pela condução das viaturas de fuga.

O subintendente Lourenço explica que são organizações internacionais que estão por detrás deste tipo de assaltantes, e “que prestam todo o apoio logístico, quer no fornecimento de viaturas”, “no suporte”, nos “equipamentos necessários ao arrombamento de instalações”, e “até apoio judicial no caso em que são detidos e se veem a braços com a justiça”.

Aumenta a técnica e a tecnologia

Também a GNR se depara com situações muito semelhantes no trabalho policial. O coronel João Nortadas, que chefia o núcleo de investigação criminal da Guarda, aponta à Renascença para “a existência de muitos estrangeiros, grupos transnacionais, que vêm para a Europa da América Latina”.

O coronel relata que são células que usam “bastante tecnologia com chaves falsas”, e que são responsáveis por “dezenas e dezenas de furtos em residências” em Portugal.

“Começam a ser regra por cá, movimentam-se facilmente pela inexistência de fronteiras. Cometem crimes em Portugal e, depois, vão para Espanha ou França”, relata.

A identificação destes assaltantes é um processo complicado, e o subintendente Lourenço dá o exemplo dos georgianos que circulam na Europa com dois ou três passaportes falsos. Se saem em liberdade depois de serem ouvidos pelas autoridades, rapidamente se perde o rasto a estes homens.

Há dificuldade de identificação e de realização da justiça. Quando voltam à liberdade é difícil voltar a localizá-los com as identidades que foram identificados”, refere.

O mesmo responsável policial aponta ainda a melhoria gradual das condições de segurança das residências − existência de portas e de dispositivos de segurança contra intrusão −, que motivam uma maior sofisticação do tipo de furtos em residências.

Moradias, o alvo

Os alvos destes grupos são normalmente moradias de luxo e, segundo o coronel Nortadas, no caso da GNR, vale mais de metade das ocorrências. Quanto aos objetos que mais procuram, é quase tudo o que seja fácil de vender: desde artigos em ouro, a alta relojoaria e artigos eletrónicos.

A Grande Lisboa, o Grande Porto e o Algarve são as zonas do país mais fustigadas com estes ataques.

Nos primeiros nove meses do ano foram realizadas 171 detenções por assaltos a casas (110 pela PSP e 61 pela GNR). Uma diminuição de 36 em relação a igual período do ano passado.

Perante um número de assaltos que supera os 10 mil, a questão que parece levantar-se é se não são muito poucas detenções. O coronel Nortadas argumenta que "se a investigação criminal fosse matemática não havia criminosos”.

“Apanhávamo-los a todos, e isto não é uma ciência que chegue a esse ponto. Há grupos que quando suspeitam de que um órgão de polícia criminal anda no seu encalce cessam a atividade, o que compromete a investigação porque a prova que podia ser recolhida, já não o é”, pormenoriza.

O mesmo responsável do núcleo de investigação criminal diz que, em algumas situações, o Ministério Público opta pelo arquivamento dos processos. “Em muitos casos, não temos o sucesso que desejávamos”, identifica.

Há outros fatores que ajudam a explicar o número de detidos que não supera as duas centenas. “Há situações em que temos cinco ou seis indivíduos, a que conseguimos atribuir 500 furtos em residências, e que é suficiente para serem condenados. E apesar de sabermos que há elevada probabilidade de serem os mesmos, não conseguimos arranjar prova, nas outras 250 ou 350 situações”, evidencia. “Mas o que é facto é que cessamos com aquela atividade criminosa”, resume.

Sequelas psicológicas

Este é um tipo de crime que as polícias dão grande importância, quer na prevenção quer na investigação, porque as consequências para as vítimas são muito gravosas, segundo o coronel Nortadas. “O roubo em residência tem efeitos secundários, muitas pessoas ficam muito afetadas psicologicamente”, concretiza.

Efetivamente, os furtos representam a maioria dos casos nos assaltos a casas, mais de 98% do total. Os roubos, mais violentos e gravosos, são relativamente escassos. Foram 434 no total, até setembro.

O roubo a residência com pessoas mais vulneráveis preocupa-nos, porque são alvos mais apetecíveis. Podem acontecer situações de sequestro, durante algum tempo, com consequências mais graves e que nalguns casos podem acabar em homicídios”, relata o responsável da GNR.

Apesar dos números mais baixos deste tipo de criminalidade, motivados pelo confinamento de 22 de março a 1 de junho, uma época de crise como a que vivemos leva tradicionalmente ao crescimento de furtos e roubos em residências. “Quando se agrava uma situação social como a que estamos a viver, há uma tendência de determinadas tipologias criminais aumentarem”, remata o coronel Nortadas.

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  • Ivo Pestana
    05 nov, 2020 Funchal 12:56
    Pois é, depois dizem que são os portugueses. Claro que criminosos existem em todos os países. A casa do surfista brasileiro, em Cascais, pode ter sido esta gente e o casal comparou ao Brasil. Lamentável, esta gente que rouba.

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