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Postal de Quarentena de Port Moresby

A Covid-19 na ilha das mil tribos

03 nov, 2020 - 06:15 • Rose Tongamp*

A Papua Nova Guiné já registou 589 casos de coronavírus, o que dá menos de um caso por cada língua falada nesta ilha de cerca de 10 milhões de pessoas.

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Há quem chame ao meu país a terra do inesperado. A Papua Nova Guiné (PNG) é uma ilha de 10 milhões de pessoas que acreditam na sua cultura e que farão o que for preciso para a preservar. Uma ilha de milhares de tribos e línguas.

Recordo como no dia 11 de janeiro de 2020. Estava a regressar de umas férias no campo e voltei num voo de uma hora e meia para a capital Port Moresby. Diverti-me imenso com a minha família e tudo levava a crer que o ano ia correr bem. Voltei animada para o trabalho nos correios da PNG.

Com o passar das semanas foi-se espalhando a notícia de um novo vírus que estava a causar febres e morte na China e na Europa. Ninguém quis saber. A vida continuou como antes. Muitos pensaram que se tratava de “fake news”. Contudo, o Governo, seguindo os conselhos da OMS, ia monitorizando atentamente a situação.

Depois, no dia 13 de março, recebemos a notícia assustadora de que tinha sido detetado o primeiro caso de Covid-19 na PNG. Um trabalhador estrangeiro da indústria mineira tinha regressado da Europa e testou positivo na nossa segunda maior cidade, Lae. O primeiro-ministro não perdeu tempo e declarou um confinamento de emergência que começou no dia 24 de março. Foram suspensos todos os voos nacionais e domésticos. Foram proibidas as viagens entre províncias também e os serviços não essenciais, incluindo da função pública, foram encerrados. Os trabalhadores foram convidados a ficar em casa, exceto os funcionários de lojas, hospitais e bancos. As forças armadas e policiais saíram em força para implementar a lei.

No dia 24 de março o primeiro-ministro e as Igrejas cristãs decretaram 21 dias de oração e jejum. Os cristãos e todos os cidadãos foram convidados a rezar por sabedoria, orientação e proteção.

Na minha empresa também fomos colocados a fazer horários rotativos. Trabalhávamos três dias e folgávamos outros três. Felizmente nenhum dos nossos trabalhadores foi despedido e continuámos a ser pagos. Para mim até acabou por ser uma bênção inesperada, uma vez que aproveitei o tempo livre para desenvolver o meu blog e para trabalhar numa linha de artesanato que estava a fazer para vender durante o confinamento.

O Segundo caso apenas foi registado no dia 6 de abril, na nossa província da ilha de Nova Guiné. Por essa altura o Governo já tinha alargado o confinamento do estado de emergência por mais dois meses. Tornou-se obrigatório o uso de máscara fora de casa e foi implementada a uma polícia de obrigatoriedade de uso de máscara em lojas, transportes públicos e escritórios. Mas o acesso às máscaras era escasso e ainda havia muitas pessoas a defender que a Covid-19 era uma invenção.

Depois desses dois meses de estado de emergência o país tinha registado apenas oito casos confirmados. Contudo, no dia 28 de julho a capital entrou num segundo confinamento pois tinham sido detetados novos surtos de contágio e alguns trabalhadores da linha da frente acusaram positivo.

Finalmente chegamos a 11 de agosto, altura em que o primeiro-ministro levantou as medidas de confinamento dizendo que a Covid tinha chegado para ficar e que as pessoas tinham era de se habituar a usar máscara e a praticar a higiene pessoal. Os voos internos voltaram a ser permitidos e algumas restrições à circulação interna foram levantadas.

A verdade é que a Covid-19 afetou muitas vidas. Perderam-se muitos empregos na indústria hoteleira e das minas. Os preços dos bens aumentaram e vão demorar algum tempo a recuperar.

Temos recebido muita ajuda de governos estrangeiros, tanto financeira como em géneros. Refiro-me a países como os Estados Unidos, a Nova Zelândia, a China, as Filipinas e a Malásia, entre outros.

À data em que escrevo estas linhas a PNG registou 589 casos e apenas sete óbitos por causa da Covid-19. Quanto a mim, estou ansiosa pelas minhas próximas férias, em dezembro, para voltar finalmente a ver a minha família.


Rose Tongamp é natural da Papua Nova Guiné. Vive e trabalha na capital, Port Moresby, nos correios locais. Escreve frequentemente no blog “Roses Diary”.

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