31 out, 2020 - 08:35 • Guilherme Correia da Silva, correspondente na Alemanha
Engana-se quem acha que os alemães não têm sentido de humor – particularmente quando o assunto é o novo aeroporto de Berlim-Brandemburgo (BER). Uma das muitas piadas sobre o aeroporto diz o seguinte: "o que é que Marte e o aeroporto de Berlim têm em comum? Só daqui a 30 anos é que as primeiras pessoas devem aterrar lá." Outra: "Berlim. Conseguimos fazer tudo. Menos aeroportos".
Bom, a verdade é que até conseguem. O novo aeroporto de Berlim abre as portas neste sábado, 31 de outubro. Mas foram precisos 14 anos para o concluir.
Demorou tanto tempo que centenas de monitores que já tinham sido instalados tiveram de ser trocados, em 2018, porque estavam fora da validade. Demorou tanto tempo que o elétrico que passa no aeroporto (e que já funciona há oito anos) tinha de circular todos os dias sem passageiros para os túneis não criarem mofo.
A inauguração do aeroporto foi adiada seis vezes. Uma delas foi em 2012, ainda no tempo do famoso presidente da Câmara de Berlim, Klaus Wowereit. Nesse ano, os convites para a inauguração até já tinham sido enviados. Mas a festa teve de ser cancelada.
Numa conferência de imprensa, em maio de 2012, a meras três semanas da inauguração oficial, Wowereit anunciou que ainda havia "preocupações" em relação à estrutura – preocupações que não podiam ser ignoradas em nome da segurança dos passageiros.
Foi detetado um problema no sistema de proteção contra incêndios. Contudo, o presidente da Câmara ainda se mostrava otimista: "esperamos que o aeroporto abra tão depressa quanto possível. Falando realisticamente, isso não deverá acontecer antes do final das férias de verão. Mas esperamos que abra em agosto".
Enganou-se. Os responsáveis pelo projeto foram despedidos. Klaus Wowereit deixou a Câmara de Berlim em 2014, com a reputação manchada devido à demora na conclusão do aeroporto.
Contudo, sacudiu as críticas: "o mais fácil é sempre culpar os políticos", afirmou Wowereit anos mais tarde, numa entrevista a uma televisão alemã. Até hoje, ninguém se chegou à frente para assumir as culpas.
Quanto mais a obra do novo aeroporto se arrastava, mais custava aos contribuintes. O primeiro orçamento para a construção do aeroporto Willy Brandt previa custos na ordem dos 2 mil milhões de euros. Agora, estima-se que o custo total ultrapasse os 6 mil milhões.
Como é que isto foi possível? Há duas causas apontadas com frequência: mau planeamento e má gestão. E é isso, pelo menos, que indicam as várias peripécias que aconteceram ao longo dos 14 anos de construção. A certa altura, foram montados no aeroporto ventiladores tão pesados que o teto estava em risco de cair.
Foram também encomendadas escadas rolantes mais pequenas do que a escadaria onde iriam ser colocadas - faltavam degraus. E centenas de paredes corta-fogo foram mal instaladas, tendo depois de ser substituídas ou reforçadas. A lista é grande, estes são só alguns exemplos.
Ainda hoje muitas pessoas questionam: como é que uma coisa destas foi possível na Alemanha? O rótulo "Made in Germany" costuma ser sinónimo de qualidade.
No entanto, há mais de três anos, o rumo da obra mudou com a chegada de Engelbert Lütke-Daldrup à chefia do novo aeroporto de Berlim-Brandemburgo.
"Analisámos cuidadosamente os riscos. […] Estabelecemos um plano realista, que aplicámos de forma consistente, trabalhando intensivamente e pormenorizadamente, sem emoção", lembrou em setembro Engelbert Lütke-Daldrup, citado pela emissora pública Deutschlandfunk.
É assim, sob a batuta de Lütke-Daldrup, que o novo aeroporto BER abre finalmente as portas ao público. Os primeiros voos aterram já este sábado.
De acordo com as informações oficiais, as primeiras aeronaves a chegar serão da Lufthansa e da easyJet, que fazem voos especiais durante a tarde. À noite, as chegadas da easyJet já não serão no aeroporto de Tegel, mas no novo aeroporto Willy Brandt. Amanhã, 1 de novembro, sairão do aeroporto os primeiros aviões - primeiro, da easyJet e, a seguir, de outras companhias. A TAP Portugal deverá partir, pela primeira vez, do novo aeroporto a 8 de novembro. Depois, o aeroporto de Tegel será desativado.
Os ensaios do novo aeroporto de Berlim-Brandemburgo correram bem, segundo Engelbert Lütke-Daldrup – o aeroporto está pronto. A paragem do elétrico (que até agora andava vazio) também já foi inaugurada, no domingo passado.
Para já, só os passageiros é que deverão ser poucos. Em tempos de pandemia, há muito menos gente a andar de avião.
Aliás, segundo o jornalista alemão Jan Sternberg, essa deve ser mesmo a última piada sobre o aeroporto de Berlim-Brandemburgo: "agora que poucas pessoas estão a voar é que o aeroporto está pronto", escreveu Sternberg.