28 out, 2020
Recordo-me de, alguns dias depois dos trágicos atentados terroristas nos Estados Unidos em setembro de 2001, ouvir na televisão (BBC) um clérigo muçulmano, em Londres, defender essa monstruosidade. Dizia ele que Alá mandava que todos se convertessem ao Islão – e os “infiéis” que recusassem fazê-lo deveriam ser abatidos.
Nessa altura o Reino Unido seguia uma política multicultural, procurando não incomodar os usos e costumes dos imigrantes. Depois dos atentados nos EUA, e depois também em solo britânico, essa política tornou-se menos tolerante e mais prudente.
Agora é em França que a questão do multiculturalismo se coloca, depois de um professor ter sido decapitado na rua por ter mostrado numa aula caricaturas de Maomé publicadas no jornal Charlie Hebdo, que por causa disso havia sido alvo de um mortífero ataque terrorista em janeiro de 2015. O professor agora assassinado pretendia debater com os seus alunos a liberdade de expressão.
O presidente Macron reagiu com grande firmeza contra os discursos de ódio e o radicalismo islâmico. Levantaram-se contra tal posição vozes muçulmanas no exterior de França, como as de Erdogan, presidente da Turquia, que pretende liderar uma parte dos países islâmicos. Erdogan apelou ao boicote dos produtos franceses no mundo islâmico. E, no Cairo, um dirigente da chamada Irmandade Muçulmana afirmou que as leis de Alá são superiores às leis dos Estados.
Quem mais sofre com o terrorismo dos radicais islâmicos são os muitos muçulmanos que vivem em França pacificamente, mas que passam a ser encarados com mais desconfiança e até hostilidade por parte do resto da população francesa. É o terreno ideal para favorecer o avanço de partidos de extrema-direita, como o de Marine Le Pen.
Mas não se deve respeitar a cultura dos imigrantes, que em certa medida constitui a personalidade deles? Claro que deve – mas com limites. Os países democráticos não podem aceitar que, nos seus territórios, sejam legitimados, por exemplo, os maus tratos às mulheres por parte dos maridos ou a mutilação genital feminina. Não há Estados neutros; importa que sejam o mais abertos, democráticos e tolerantes possível; mas o Estado neutro é uma ilusão liberal.
Ora uma parte, decerto minoritária, mas que estará a crescer, dos muçulmanos residentes em França não quer integrar-se nos valores e nas regras da sociedade francesa. Por isso minorias deste tipo evitam o ensino oficial do país e estimulam a radicalização. Macron também criticou, e bem, este “separatismo islâmico”, que trava a tolerância e a convivência pacífica entre pessoas de diferentes religiões ou sem religião.
O problema não se coloca apenas em França. José Sasportes, no jornal “Público” de segunda-feira, revela um preocupante documento do ano 2000, assinado em Doha, intitulado “Estratégia para a ação cultural islâmica no Ocidente”. O documento opõe-se à integração das comunidades islâmicas nos países europeus, para preservar o que considera “a superioridade moral do Islão”, rejeitando qualquer assimilação a uma sociedade, a europeia, que classifica de decadente.
Trata-se de uma tomada de posição, já com vinte anos, de uma minoria radical, como a que promoveu o chamado “Estado Islâmico?”. Não, bem pelo contrário. Esta declaração é de uma organização internacional, reunindo mais de 50 países, incluindo a Guiné-Bissau, a Arábia Saudita e a Jordânia, tendo sede em Marrocos.