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Regresso às aulas

“Acordei, estava de noite, só queria dormir”. A difícil vida de estudante

22 set, 2020 - 07:21 • Olímpia Mairos

Em Vinhais, são necessários mais de 30 circuitos para levar os alunos à escola. A operação “complexa” é feita por cinco autocarros e 24 táxis. Há alunos que acordam antes das 6h00 para chegar à escola às 9h00. O regresso é já depois das 19h00.

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São 7h15. Está escuro, o nevoeiro adensa ainda mais a escuridão no cruzamento das Trincheiras, no concelho de Vinhais. É aqui que se encontram os estudantes da zona da Lomba, para seguirem para a escola, na sede de concelho.

Dois alunos já vêm no autocarro desde a Gestosa, aldeia a cerca de dois quilómetros, e aqui vão aguardar cerca de meia hora, até que cheguem os que são transportados nos táxis e na carrinha da autarquia.

Licínia Perdigão, de 40 anos, conta à Renascença que a filha, de 14 anos, saiu de casa, na Gestosa, por volta das 7 horas, “muito nervosa e sem vontade nenhuma, nenhuma mesmo, por causa da máscara”.

“Era uma aluna com vontade, mas hoje foi muito apreensiva. Levantou-se às 6 horas, apanhou o autocarro perto de casa e agora só vai entrar já de noite”, diz esta mãe, dando nota da sua preocupação por saber a filha, “neste tempo de pandemia, fora de casa tanto tempo”.

Na zona da Lomba, três táxis e uma carrinha da Câmara Municipal de Vinhais fazem várias viagens e desdobramentos para reunir os alunos que seguem depois, em autocarro, para a sede de concelho, a 30 quilómetros.

“Eu hoje, de manhã, acordei e estava de noite. Só me apetecia dormir, mas tive que saltar da cama para apanhar o táxi”, conta Gabriel Sousa, de 16 anos.

Este aluno frequenta o 10.º ano de escolaridade e vive em Vilar de Lomba, onde apanhou o táxi, com outro colega, por volta das 7 horas. Entra no autocarro de máscara na cara, desinfeta as mãos e vai sentar-se. E ali fica a aguardar, até que cheguem todos os alunos desta região e o autocarro inicie viagem até à escola, em Vinhais.

Também Afonso de Sousa, de 13 anos, a frequentar o 8.º ano, veio de táxi, desde Vilar de Lomba.

“Acordei às 6h30, bastante cedo. Saí de casa e apanhei o táxi no largo da aldeia e agora aqui estou a entrar para o autocarro. É uma viagem cansativa, passamos por vários sítios, e demoramos bastante tempo, até chegar à escola”, descreve à Renascença, acrescentando que no inverno “será bem pior, porque saímos e regressamos de noite”.

É muito difícil a vida de estudante e, e se já era, agora é muito mais, porque temos que andar de máscara e ter muitos mais cuidados, além disso, como o táxi tem que ir à aldeia duas vezes, é preciso acordar mais cedo”, desabafa.

Da aldeia de São Jumil chega Mariana Dias, de 18 anos. Levantou-se às 6 horas, apanhou o táxi às 6h50, tendo chegado ao autocarro por volta das 7h20.

“Isto é um problema. E na escola, a concentração não é fácil. Acordamos muito cedo, vem o sono, é muito stress e muito cansaço para nós”, diz a estudante do 12ºano que, apesar de só ter aulas no período da manhã, só vai chegar a casa depois das 19 horas.

Transporte de alunos mais complicado devido à pandemia

A pandemia obrigou à criação de novas regras para os transportes escolares. Para se cumprir o distanciamento exigido, a lotação de táxis e autocarros foi reduzida para dois terços.

Em Vinhais, onde há 500 alunos que têm que ser transportados, a medida obriga ao desdobramento de viagens para assegurar que todos cheguem a tempo e horas à escola.

Para Artur Domingues, taxista de 34 anos a fazer o circuito de Vilar de Lomba, a operação “é um bocado caricata, porque há que madrugar muito mais”.

“Tenho que sair de casa às 6h30, para estar no Vilar de Lomba às 7 horas, para trazer dois miúdos. Deixo-os aqui no autocarro e depois tenho que voltar lá, para ir buscar os outros, não é fácil. Já fiz 84 quilómetros esta manhã”, conta à Renascença, acrescentando que é “muito dispendioso para todos”.

“As estradas aqui não são fáceis e nós, para ganharmos algum dinheirinho com os transportes escolares, andamos a 80 Km/h e chegamos ao fim do dia praticamente sem gasóleo, porque o carro quanto mais rápido anda mais gasta”, explica o taxista.

Habituado a transportar os alunos há vários anos, Artur confessa que este ano está “muito apreensivo”.

“Tenho receio, tenho os meus pais e os meus avós… E se uma criança, ou mesmo eu, apanha o vírus, isto passa de família em família e vai ser um problema”, afirma.

Também a taxista Guida Ferreira, de 44 anos, acorda este ano bem mais cedo por causa dos desdobramentos. No táxi de cinco lugares só pode transportar duas crianças e na carrinha de nove lugares só pode transportar quatro.

“Temos oito miúdos no nosso circuito, temos que trazer quatro miúdos e voltar atrás para apanhar outros quatro. Estamos longe da vila, a 30 quilómetros, e a estrada não ajuda”, diz.

A taxista, que também tem um filho em idade escolar, confessa que “este ano é uma preocupação grande para todas as mães”.

“Estamos a viver uma situação nova e vamos ver como as coisas correm. O meu filho levantou-se às 5h45 para tomar banho, fazer a higiene, e só regressa pelas 7h30 da noite. É muito complicado”, afirma Guida Ferreira.

Para o motorista do autocarro, Norberto dos Anjos, de 46 anos, não é complicado transportar as crianças, mas alerta que este ano têm que cumprir outras regras.

“Ao entrarem têm que desinfetar as mãos, dentro têm que manter as distâncias e não podem levantar-se. E à saída têm que desinfetar outra vez as mãos”, concretiza.

No autocarro, que chega às escolas de Vinhais um pouco antes das 9 horas, seguem 33 alunos.

Desdobramento dos transportes duplica custo

O presidente da autarquia de Vinhais, Luís Fernandes, afirma que o transporte escolar sempre representou “uma grande operação, tendo em atenção que o concelho é muito extenso, é uma área muito grande e obriga a vários circuitos”.

“Este ano, fruto da pandemia que estamos a atravessar, claro que esta operação é ainda muito maior e obriga a vários desdobramentos, no sentido de cumprir as normas que resultam da Covid-19. Obriga a um esforço ainda muito maior ao município e também aos alunos, para os encarregados de educação e para os pais, com toda esta logística que foi preciso implementar”, explica o autarca.

O desdobramento dos transportes escolares para cumprir as regras sanitárias da pandemia quase que duplica o custo do município com este serviço.

De acordo com o presidente da autarquia “este ano, se isto funcionar nestes moldes durante todo o ano letivo, estamos a falar de um preço a dobrar, isto é, de custos financeiros muito superiores ao ano anterior”.

“No ano anterior estávamos a falar de cerca 180 mil euros que o município gastava em transportes escolares e este ano estamos a falar de mais de 350 mil euros, devido a estes desdobramentos”, concretiza.

O presidente da Câmara de Vinhais adianta que já fez chegar ao ministro da Educação as dificuldades e vai fazer chegar também através da comunidade intermunicipal “um apelo para mais esta dificuldade que estas regiões têm”.

“E pedíamos um apoio, porque, senão, é muito difícil para os nossos municípios com os constrangimentos que já temos, com estas dificuldades todas. Não estamos só a falar do acréscimo a nível de transportes, mas a nível também do recrutamento de pessoal que é preciso fazer, também das refeições. Isto obriga a um esforço enorme e que devia ser apoiado pelo nosso governo”, explica à Renascença.

Em Vinhais, houve um ajustamento de horários nas escolas. E nem todos os ciclos começam à mesma hora, para permitir a chegada atempada dos alunos aos estabelecimentos de ensino.

“Esperamos que não haja grandes atrasos, mas podem surgir, fruto destes desdobramentos, mas tudo isto também já está articulado com o agrupamento e o agrupamento sabe que isto pode acontecer. O que interessa aqui é salvaguardar a segurança e a saúde dos alunos”, conclui o autarca.

No concelho de Vinhais, com uma área de 694,76 km² e cerca de nove mil habitantes, são necessários mais de 30 circuitos para levar os alunos à escola. Uma operação “complexa”, realizada por cinco autocarros e 24 táxis.

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  • Manuel
    22 set, 2020 Alentejo 13:49
    Estudar se já era difícil agora muito mais. Alunos a sairem de casa muito cedo e a regressarem muito tarde. Esgotados, como vão ter aproveitamento? É inevitável que o tempo dedicado ao estudo vai ser muito pouco. Há alunos que só teem horários da parte da tarde e transporte às 7,15 e regresso às 19,15h. Perante a passividade deste governo a quem só interessa que meter a qualquer custo os alunos nas escolas. Chega de hipocrisia!
  • Ivo Pestana
    22 set, 2020 Funchal 13:10
    Os nossos primeiros dias, sempre foram os mais difíceis. Depois a pessoa habitua-se.

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