Pandemia faz crescer amputações de pés nos diabéticos

08 jul, 2020 - 07:39 • João Carlos Malta

Em Portugal, há mais de um milhão de doentes diabéticos e um terço destes, a curto prazo, desenvolve complicações no pé. Ir às consultas de acompanhamento é urgente.

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Pode começar por ser uma pequenina ferida, uma pequena fissura, uma unha ligeiramente encravada. Nada de especial para a maioria das pessoas. Mas num diabético se o pequeno corte passa a uma infeção, o perigo de uma amputação parcial ou total é bem real. E em Portugal, a pandemia de Covid-19 está a fazer com que o número de doentes de diabetes a amputar o pé aumente.

O alerta é dado à Renascença pelo presidente da Associação Portuguesa de Podologia (APP), Manuel Portela, que liga esta situação à menor vigilância feita pelos diabéticos durante o período do Covid-19. Mesmo depois do desconfinamento, assegura, o número de consultas canceladas tem-se mantido elevado.

Portela explica que “mesmo nesta fase em que já existe uma retoma dos serviços em termos de resposta, existe uma falta de confiança dos utentes que não recorrem com a devida frequência e assiduidade às consultas do pé diabético”.

E esta é uma doença que segundo o presidente da APP “não pode esperar”. “Se não tivermos esta atenção, os podologistas e os doentes, é evidente que ao final destes dois meses e meio os doentes não recorreram com a mesma periodicidade às consultas, e por isso as lesões aumentaram, e o número de amputações, embora ainda não quantificado, está a crescer”, argumenta.

Ainda não há números oficiais, mas o podologista argumenta que “temos o relato dos colegas que estão nos hospitais, nas consultas primárias, e entidades privadas, e que que nos dizem que o número de úlceras, de infeções, de situações mais graves porque não foram tratadas, orientadas e seguidas estão a aumentar, e o número de amputações também está a subir”.

Para os diabéticos o pé diabético é uma das três maiores complicações que podem resultar da doença. As outras duas são a insuficiência renal e a retinopatia. No total, há um milhão de portugueses a sofrer de diabetes dos quais 25% tem mais de 65 anos.

A falta de acompanhamento dos doentes pode levar a esquemias ou necroses (morte dos tecidos) na zona dos dedos ou da planta do pé que levam a que o membro fique comprometido ou até a um cenário pior.

Pode levar a sequelas graves que vão desde a amputação até à morte”, explica o especialista.

O mesmo sublinha ainda que esta situação é, muitas vezes, uma catástrofe e como tal surgem com muita frequência as “chamadas úlceras, as infeções, e as amputações”.

Segundo o mesmo clínico, os dados do Observatório Nacional de Diabetes mostram que anualmente ocorrem em Portugal entre 1.200 a 1.500 amputações de pés a diabéticos. Para Manuel Portela, 99% destes casos podiam ser evitados “se houvesse um acompanhamento próximo, especializado e cuidada”.

Por ano, o presidente da APP calcula que se gastem entre 25 a 30 milhões de euros nestas cirurgias.

Portela diz que a Associação que lidera tem alertado para o Ministério da Saúde para a necessidade de aumentar o número de consultas no SNS. “Temos verificado que alguns hospitais já têm consultas para fazer face a estes doentes, mais necessidade nos cuidados nos centros de saúde”, relata.

Este esforço, sobretudo na região Norte, já permitiu uma redução de amputações efetiva fora do período da pandemia. Segundo Manuel Portela, “há menos 70% de amputações quando comparamos o Norte com Lisboa e Vale do Tejo”. A explicação reside na maior oferta de consultas de podologia nos hospitais centrais daquela região do país.

No entanto, neste momento o principal problema não será da resposta do sistema de saúde, mas dos doentes em enfrentar a perceção que têm do risco de se deslocarem a uma unidade de saúde. Apesar de reconhecer que os depois da crise sanitária, já se começa a perceber nos consultórios que a “crise também é económica” e que a mesma tem reflexos na capacidade que as pessoas em ir a uma consulta nos privados. “Mas posso garantir dos dados que nos têm sido reportados de consultas no SNS que estas se reduziram significativamente”, defende.

A razão desta redução de consultas é a falta do paciente ou a desmarcação. “Na maior parte dos casos, o doente está nestes casos isento de taxa e de qualquer tipo de doença crónica e de patologia que apresenta”, adianta o médico.

“Eles não recorrem por receio, medo ou insegurança da Covid”, sentencia.

Por fim, Manuel Portela defende que é importante que os doentes que sofrem de pé diabético sejam acompanhados por um podologista devidamente certificado e que todos os dias, ou pelo menos uma vez por semana, os pés sejam examinados num local bem iluminado, de maneira a que seja possível verificar a existência de qualquer lesão, tais como cortes, calos, bolhas, micoses, fissuras, feridas ou alterações de cor.

Até Abril, ficaram por realizar quase 1,4 milhões de consultas médicas, somando as dos centros de saúde e as dos hospitais públicos, e que 51 mil cirurgias foram adiadas.

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  • Paulo Ramos
    21 jul, 2020 Póvoa de Varzim 11:30
    Bom dia, dizer que no Norte do país há menos amputações pelas consultas de podologia nos hospitais centrais é uma interpretação invesada dos dados. A maioria dos diabéticos não tem acesso a essas consultas ao não ser com lesão. O motivo do decréscimo das amputações no norte terá a haver maioritariamente com a maior vigilância nas USF pelas equipas de saúde familiar! Detectam -se as situações mais precocemente e encaminha-se se necessário. Cumprimentos

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