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Dia Mundial da Vida Consagrada

Irmã, enfermeira, missionária e aos 83 anos ainda trabalha

02 fev, 2021 - 07:50 • Liliana Carona

Ângela Cunha soube aos nove anos que queria ser freira e, aos 22, que queria ser enfermeira. Concretizou os dois sonhos. Traz Moçambique no coração e lamenta não estar na linha da frente contra a Covid.

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A conversa tem de ser à distância, porque assim exige a Covid-19, mas a distância não agrada à Irmã Ângela Cunha, 83 anos, enfermeira toda a vida e ainda hoje. “Avaliar tensões arteriais, visitar os doentes mais graves, encaminhá-los para o médico, nunca parei de trabalhar na saúde, com trabalhos na comunidade e visitas ao domicílio”, revela a Irmã que lamenta não poder estar na linha da frente do combate à pandemia.

“Tenho muita pena de não ter saúde para estar na linha da frente, para salvar vidas. Gostava de estar na linha da frente para dar apoio moral às pessoas que estão na maca a morrer sozinhas, pelo menos uma palavra”, sublinha, acrescentando que está em contacto permanente com instituições de apoio a idosos, a quem presta apoio espiritual.

É a partir do Colégio Rainha Santa Isabel, em Coimbra, que a Irmã, enfermeira, vai recordando uma vida consagrada, que começou aos nove anos, em Vilar das Almas, concelho de Ponte de Lima, onde nasceu. “Percebi muito cedo, devia ter na altura nove anos, tive a graça de nascer numa família profundamente cristã, e foi uma alegria tão grande dentro de mim, quando pensei: ‘quando for grande quero ser Irmã’”, diz. Mas, acrescenta Ângela Cunha, tinha vergonha de dizer à sua mãe. “Pensei que se iam rir de mim. Fui dizendo à minha mãe e ela ia dizendo que era a melhor alegria que lhe dava. A minha mãe foi uma grande acompanhante vocacional, nunca me forçou, mas ia-me sempre acompanhando”, recorda Ângela Cunha, dizendo ainda que aos 14 deparou-se num cruzamento, em que tinha de decidir o caminho.

“Comecei a ter pretendentes e nessa altura fiz um discernimento pessoal sobre o queria fazer, namorar ou ir para a vida religiosa. Deus fez-me sentir lindamente que era na vida religiosa que Ele me queria e então aos 15 anos fui para as Irmãs de São José de Cluny, em Braga”, conta.

A figura materna foi questionando Ângela se estava certa da escolha. “A minha mãe perguntava-me sempre: ‘estás feliz?’. Hoje, com 83 anos, digo: não sei como agradecer o Deus, de ser consagrada na Igreja, de ter passado 25 anos em África, de ter percorrido o país, de norte a sul”, realça a Irmã da província portuguesa da congregação de São José de Cluny.

África, país de memórias

A enfermagem chegou aos 22 anos. “Quis ser enfermeira, para poder fazer bem aos outros, ajudar os mais pobres e estar ao lado de quem mais sofre”, afirma Ângela, que foi uma das primeiras mulheres enfermeiras a ir para Lisboa estudar a especialidade de enfermagem pediátrica.

Hábito azul, véu preto, gola branca, cabelo grisalho e um sorriso muito maior que o seu metro e meio de altura. Ângela Cunha, que tirou o curso de enfermagem na Madeira, em 1960, partiu pouco tempo depois rumo a África, a Moçambique, país que lhe traz muitas memórias.

“Trabalhei como enfermeira no Hospital Central da Beira, estava a coordenar o serviço de pediatria, chegava a ter 300 crianças a acompanhar, era muito doloroso. Encontrava crianças mortas simplesmente por diarreia. Fui pedindo ao médico que me deixasse ir para o bairro e criei lá um posto nutricional para evitar que fossem para o hospital. Salvámos muitas crianças. O hospital é para dar vida. Em Maputo, com a ajuda da Cáritas Portugal fizemos uma 'cozinha ambulante', fazíamos panelas de massa e arroz, as crianças malnutridas chegavam e comiam”, lembra a religiosa, evocando um acontecimento em particular. “Em 1978, vi dois homens serem arrastados pela tropa e eles batiam-lhe a todo o momento. Parei o carro e pensei: ‘aquele é meu irmão’. Apontaram-me as armas, mas eu não me importava de morrer, não tive medo nenhum, se morresse, morria a defender um irmão”, assume.

Transmitir o testemunho da vida missionária é fácil para a Irmã Ângela Cunha. Quando falo às crianças da minha vivência, quando acabo, as crianças perguntam: ‘não há mais?’”, sorri à vocação que escolheu e não tem dúvidas. “Nem que eu tivesse a riqueza toda do mundo, por nada disso, não trocaria a minha vocação. E toda a alegria é minha. Eu agradeci a Deus. Obrigada Senhor pela entrevista, que me permite falar da vida consagrada”, conclui a Irmã que nunca tinha sido entrevistada.

Ângela Cunha está no Colégio da Rainha Santa Isabel em Coimbra, onde estão 11 Irmãs, pertencentes à congregação de São José de Cluny, fundada em França, em 1807, por Ana Maria Javouhey, Em todo o mundo, há 2.600 Irmãs desta congregação.

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