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​Empresários do granito em pânico. Exportação parada devido ao coronavírus

24 mar, 2020 - 10:59 • Olímpia Mairos

Em entrevista à Renascença, o presidente da Associação dos Industriais do Granito (AIGRA), Mauro Gonçalves, fala de um setor praticamente parado. Em termos de extração, poucas são as empresas a laborar e em termos de comercialização “está tudo parado”.

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Como se está a comportar o setor do granito em tempos de pandemia?

O setor do granito está a atravessar uma fase bastante complicada que ninguém previa. Foi algo que aconteceu de repente. Não fomos nem estávamos minimamente preparados para acontecer algo como isto, já que o nosso setor está em crescimento há mais de três anos. O nosso setor estava com bastante pujança. Registamos um crescimento face ao ano anterior em cerca de 15%. Todos os trimestres temos vindo a melhorar em termos de faturação e de exportação. As empresas estavam com bastante investimento, estavam a comprar equipamentos, estavam a modernizar-se. Temos um dos melhores setores na Europa, em termos de transformação e de extração do produto granito, calcário e mármore e não estávamos minimamente preparados para o que aí veio.

Como está a funcionar o setor neste momento? Há extração? E a comercialização?

Neste momento, em termos comerciais não existe, parou por completo. Em termos de transformação também está quase parada. Cerca de 90% das fábricas, a nível nacional e fora de portas, estão fechadas e estão neste momento a laborar algumas pedreiras, simplesmente porque existem em sítios que são ao ar livre e estão confinados apenas aos funcionários, não têm contacto direto com outras pessoas. Neste momento, dentro das pedreiras ainda conseguimos trabalhar, mas estamos a produzir apenas para stocks, stocks esses que não sabemos se no futuro irão sair.

Não há exportação?

É um canal que agora se encontra fechado. Vou dar-lhe um exemplo. O nosso maior consumidor é a França, seguida da Espanha, e depois da Alemanha. E neste momento, o nosso produto não é escoado, ou seja, esse setor comercial, a tal distribuição, neste momento está interrompido e não há como contornar este bloqueio, porque não há quem leve o nosso produto daqui para fora. As pessoas têm medo, eu compreendo. Os nossos clientes também não sabem o que fazer, as obras estão paradas e não sei mesmo o que será o nosso futuro. Nós iremos lutar como lutamos até hoje, mas, relativamente à crise de 2011/2012, em que muitos empresários se foram preparando, neste momento não houve preparação alguma. E os empresários estão muito mais endividados agora do que em 2011, porque fomos obrigados. Há trabalho e há exportação e há um conjunto de coisas positivas e variáveis que iriam ser fundamentais para o nosso crescimento que agora estão paradas.

Uma machada num setor em franco crescimento nos últimos anos.

Era um setor que estava todos os anos a crescer. Nas mais diversas conferências em que participávamos, em várias partes do mundo, ainda o ano passado estivemos na feira em Itália, onde agora decorre a grande epidemia, batemos o record em termos de empresas nacionais. Estiveram 105 empresas portuguesas nessa feira, num universo de 1650, em que fomos o quarto maior representante do mundo. A nível nacional estávamos com grandes esperanças que este ano iria ser um dos melhores anos do século para o granito e neste momento não sabemos o que é que vai acontecer, não temos a mínima noção e as pessoas e os empresários estão em pânico. Há uma grande desconfiança entre todos nós e não sabemos o que iremos fazer.

Que peso económico representa o setor a nível nacional?

O granito representa cerca de 50% da exportação em termos de rocha ornamental, mas depois também temos o calcário, o mármore, as ardósias, mas cerca de 50% da exportação de rocha ornamental é efetuada pelo granito e representa cerca de 150 a 160 milhões de euros de exportação anual.

As linhas de crédito que foram criadas pelo Governo para ajudar as empresas são suficientes?

Além de tudo, foi uma boa iniciativa do Governo para tentar que as empresas tenham condições para que neste futuro próximo possamos ter mais uma ferramenta que nos ajude. Acho que ainda são insuficientes, acho que ainda estão mal estruturadas, acho que ainda é muito precoce estar a dar um feedback sobre essas linhas de crédito, porque foram criadas há muito pouco tempo, ainda não foram suficientemente analisadas. A perspetiva dessa linha de crédito ainda não é suficiente, contudo é de louvar que haja umas iniciativas, mas só isso não chegará, porque há empresas que neste momento, além da sua comercialização, além do produto que não é escoado, temos um conjunto de recursos humanos que teremos que pagar no fim do mês e tem que haver venda de produto para que isso aconteça. Não estamos a falar só em termos de comercialização, é das pessoas e, neste caso, o que mais preocupa são as pessoas e seguidamente os nossos compromissos bancários e financeiros com outras instituições.

Urgem mais apoios?

São precisos mais apoios, é preciso um acompanhamento mais de perto, um acompanhamento mais regional, ou seja, não podemos alargar isto só ao acompanhamento nacional, temos que ir mesmo àquele pequeno empresário que tem cinco ou seis pessoas e àquele que tem 50, 60, um acompanhamento de todos os municípios, de todas as associações. Nós só conseguiremos sair desta crise, porque isto foi um choque à economia, se todos trabalharmos em parceria. E quando falo em parceria, não falo só nos empresários, falo de todas as instituições que estão ligadas aos empresários, ou seja, instituições bancárias, Estado… Toda a sociedade terá que ajudar estas empresas, pequenas e grandes, para que possamos voltar ao caminho em que estávamos.

O recurso ao “lay-off” poderá será uma solução para as empresas do setor?

Pode vir a ser uma solução, mas, neste momento, ainda não é posta em equação. Nós estamos a tentar de tudo para que isso não aconteça e no horizonte temporal de uma semana, duas ou três semanas, não acreditamos que possa vir a acontecer. Vamos tentar aguardar até não podermos mais. Essa será uma solução de último recurso.

E quais as razões para essa posição?

Porque estamos a falar de empresas que têm muitos funcionários. O setor do granito há muito tempo, e o setor da construção civil, que vem perdendo mão de obra. Vou-lhe dar um exemplo: o setor do granito, agora, desde 1 de janeiro de 2019 que saiu em portaria que os funcionários podem-se reformar aos 55 anos. Portanto, nós estávamos até há pouco tempo com uma falta enorme de mão de obra. Enviar esses funcionários para o “lay-off” pode fazer com que eles também procurem outras alternativas num futuro próximo. Portanto, nós teremos que ter esse cuidado com os funcionários, porque eles fazem-nos muita falta e nós não temos, neste momento, outra solução de recurso e será sempre a última solução.

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