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Opinião Católica-Lisbon

Inquietações de educar

11 mar, 2024 - 06:34 • Frederico Fezas Vital

A Escola - seja em que ciclo for - é, antes de mais, um espaço seguro para a aprendizagem pela tentativa, e pelo erro. E valorizo muito mais o esforço do que a perfeição.

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Questiono-me todos os dias. Sobre uma miríade de temas. Muitas vezes, confesso que é cansativo. Mas, na maioria dos casos, é algo pelo qual me sinto agradecido. Agradecido pela educação que tive, e que me transmitiu esta curiosidade inquieta e sistemática, que observa e escrutina. E cultivo este questionar, como uma prática de higiene mental e de espírito, que me conduz a respostas, e apoia um ampliar do meu conhecimento sobre o mundo que me rodeia.

Educar, na sua etimologia, significa literalmente “conduzir para fora”. Preparar pessoas para a enorme diversidade de eventos, desafios e pessoas, com as quais nos cruzaremos durante uma vida, acrescento eu. E tenho-me questionado muito sobre este tema. Como professor, mas também como pai, como tio, ou simplesmente como mentor, de tantos jovens que têm recorrido a mim para algum tipo de apoio, orientação ou, pura e simplesmente, para partilha de experiência.

Há uma enorme responsabilidade inerente ao facto de termos nas nossas mãos o poder de influenciar, positiva ou negativamente, a construção do mundo que é feita pelos jovens. Não apenas pelo que dizemos, mas sobretudo pelo que fazemos e pelo exemplo que damos.

Nas minhas aulas de empreendedorismo social, muitos alunos ficam surpreendidos quando, a um pedido de orientação determinada e conclusiva em uma qualquer tarefa, respondo com um "decidam vocês o quê e como apresentar e responsabilizem-se por isso”. E sempre digo também – interessa-me muito mais perceber como é que vocês tomam decisões, e como contornam os obstáculos, do que propriamente se o resultado tem quatro, cinco ou seis parágrafos, ou se está feito em canvas ou em texto corrido. A apresentação e a comunicação contam muito. Mas conta muito mais a forma como pensamos, nos questionamos e tomamos decisões, defendendo-as. Individualmente ou em grupo, aprendendo também, com antecipação, aquele que continua a ser o principal desafio na vida – gerir relações.

A Escola – seja em que ciclo for – é, antes de mais, um espaço seguro para a aprendizagem pela tentativa, e pelo erro. E valorizo muito mais o esforço do que a perfeição. É esta a forma como encaro a responsabilidade de ser professor. Mas também como pai, tio ou mentor. Compreendo bem o instinto de quem quer proteger e cuidar, evitando que o erro se repita e que os perigos da vida se tornem uma realidade. Mas sinto que presto um melhor serviço quando, de uma forma ou de outra, passo tranquilidade e normalidade ao processo de errar, ou quando dou ferramentas para que se lide com a adversidade, como parte integrante da vida.

Por tudo isto, tenho dificuldade em entender que se procurem caminhos fáceis, procurando resolver a vida a um aluno, a um filho ou a um sobrinho. Ao invés de dar o suporte, e a garantia, de que estaremos sempre ao seu lado, nas boas ou más decisões que façam, para transmitir a nossa experiência e, se necessário for, em casos extremos – então sim-, indicar um caminho, ou vários possíveis, de saída de uma situação difícil.

É absolutamente gratificante ver o brilho nos olhos dos jovens adultos que acompanho, quando se sentem inspirados. Por mim, pelo que lhes conto, pelas histórias que sei de outros. Mas é incomparavelmente melhor assistir, na primeira fila da plateia, aos seus pequenos momentos de “Eureka”, quando encaixam a compreensão sobre uma determinada realidade, ou quando conseguem superar uma dificuldade. Quando o brilho vem da compreensão integral e interior de que, afinal, foram capazes de questionar e de se questionarem e, sem desistirem (de si mesmos), chegaram, sozinhos ou em conjunto, a decisões assumidas, e caminhos totalmente criados por si, em liberdade.

Acredito que aprender fazendo, arriscando, e superando as bifurcações da vida, é uma das melhores formas de crescermos como pessoas funcionais e autónomas. Da mesma forma que acredito que aquilo que se aprende com o coração, fica para sempre gravado no nosso ADN. Se é fácil? Talvez não seja. Se era melhor não termos dificuldades e contrariedades? Talvez. Mas e que tal pensar num mundo onde nada haveria a superar. Como seria? O que nos motivaria a crescer? A explorar? A procurar novas formas de lidar com tudo o que nos rodeia?

Pensamos muitas vezes, como adultos, no legado que estamos a deixar para os jovens que seguem. E devemos fazê-lo. Pelas mesmas razões que lhes pedimos que o façam e que se superem, mas também porque é suposto que deixemos as coisas um pouco melhores para quem vem depois, e que a vida nos encarregou de orientar e apoiar. Da mesma forma que o bom senso e o sentido, nos dizem que devemos procurar deixar uma casa arrumada para o hóspede que se segue. E, se possível, com uns adereços novos, que tornem o ambiente mais agradável e fácil de viver. Mas, mais do que tudo, queremos poder imaginar, com descanso e sossego, que esses futuros adultos estarão bem preparados, quando já não estivermos aqui, para se regularem e agirem, de forma criativa e responsável, criando, também eles, um mundo melhor para si e para os que vierem depois. Família e coletivo.

Educar. Conduzir para fora. Mas olhando para dentro. E resgatando todo o potencial de criação único que existe em cada uma destas mentes, e destes espíritos.


Frederico Fezas Vital é professor e executive diretor na Católica-Lisbon Yunus Social Innovation Center

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica-Lisbon School of Business and Economics

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