Emissão Renascença | Ouvir Online
Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
A+ / A-

Nem ateu nem fariseu

O #ficaremcasa é a maior ameaça aos direitos das mulheres

05 jun, 2020 • Opinião de Henrique Raposo


Se atira as mulheres das classes pobres para o desemprego e miséria, o #ficaremcasa atira as mulheres das classes altas para a frustração profissional, para os sonhos destruídos, para as carreiras congeladas ou mesmo anuladas.

Este #ficaremcasa tão draconiano é a maior ameaça ao feminismo. E reparem que nem sequer estou a falar do problema da violência doméstica, um planeta à parte. Estou a falar da pobreza, da dependência económica, dos sonhos destruídos.

Nesta prisão domiciliária, as mulheres são as grandes sacrificadas da gestão impossível entre trabalho, trabalho doméstico e escola à distância. Quem é que, além do seu próprio trabalho, anda a fazer o trabalho doméstico? As mulheres. Quem é que perde mais tempo com os trabalhos da casa da criançada? As mulheres. Quem é que, em consequência, está a ter mais problemas de saúde mental? As mulheres. Visto que perde imenso tempo com a labuta da casa e com a tele-escravatura das crianças, quem é que está mais próximo do despedimento por incumprimento dos seus deveres laborais? As mulheres. Portanto, quem é que está mais perto de perder os meios de sobrevivência? As mulheres. Se o filho não vai para a escola, como é que a Dona Berta pode sair de casa para ir limpar escadas ou passar a ferro? Não pode; fica assim ainda mais dependente do marido. E se não tiver marido? A maioria dos “single parents” são mulheres. No Reino Unido, por exemplo, 85% dos “single parents” são mulheres. Se olharem para estes números, percebem que a pobreza da quarentena é sobretudo feminina.

Mas claro que as mulheres pobres não são as únicas afectadas. A CNN dizia há dias que alguns journals académicos estão a sentir uma queda abrupta de submissões de papers de mulheres; as submissões de homens não sofreram alterações. Este é só um exemplo de uma realidade mais vasta: se atira as mulheres das classes pobres para o desemprego e miséria, o #ficaremcasa atira as mulheres das classes altas para a frustração profissional, para os sonhos destruídos, para as carreiras congeladas ou mesmo anuladas. Ao serem forçadas a ficar em casa com os filhos por tempo indeterminado (fala-se do arrastar da escola à distância até 2021), as mulheres perderão oportunidades de carreiras, não subirão nas hierarquias, não realizarão projectos. Correm o risco de ficar irremediavelmente para trás. Ao invés, sem o empecilho dos filhos, sempre disponíveis no local de trabalho, os homens não serão tão afectados, voltarão mais depressa, subirão mais depressa na hierarquia, porque podem fazer, podem arriscar, porque podem dar tudo na empresa, por oposição à mulher, a escrava da #ficaremcasa.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Manuela
    06 jun, 2020 Lisboa 10:55
    Pois é! e a culpa é dos homens que são umas araras! atenção, que eu disse 'os que são umas araras' não são todos! porque alguns dão conta da arrumação e limpeza da casa! porque conheço alguns! são poucos, mas conheço quem sabe cozinhar, lavar a loiça e limpar a casa! para arrumar não conheço nenhum! os homens sabem desarrumar a casa, num abrir e fechar de olhos! e quando tentam arrumar, tiram de um sítio e põem noutro, nunca no sítio certo. Conheço um, que já se casou três vezes, e desistiu dos casamentos, porque não conseguia ter a casa arrumada a seu jeito! nunca sabia das suas coisas! agora é ele que faz tudo sozinho, convida a família, faz o almoço para todos e não quer ninguém a lavar a loiça, porque gosta de conservar o que tem! lava a roupa, estende, passa a ferro! vai ao supermercado, faz bolos! mas tem máquinas adequadas para tudo! isso ajuda!! Já sabem, se casarem três vezes, à terceira, sabem fazer tudo! Não têm outro remédio!!! Mas também sai caro; porque cada vez que se divorciarem, têm que dividir o que adquirirem após o casamento! O melhor é aprenderem a fazer as coisas antes de se casarem e dividirem as tarefas!! Ah! conheço um casal, que não têm filhos, estes, assim que se casaram estipularam logo uma ordem: cada um lava e passa a sua roupa a ferro! almoçam num restaurante porque trabalham os dois, à noite comem juntos, um cozinha o outro lava a loiça! viajam juntos! saem sempre juntos! São muito Felizes! em 35 anos,nunca os vi amuados! sempre bem dispostos.
  • ANTONIO FRAZAO
    05 jun, 2020 Lisboa 22:51
    Henrique, seja mais positivo. Ao escrever isso está a menosprezar as mulheres e os seus maridos. Sei que a vida das mães isoladas não é fácil. E têm que ser ajudadas. Puxe para cima para que nós todos ajudemos essas famílias. É muito fácil deitar abaixo. O que é preciso é subir, mesmo que seja muito inclinado. Ajude essas mães que bem precisam.
  • João Lopes
    05 jun, 2020 Viseu 11:55
    Artigo interessante!