17 mai, 2020 - 11:32 • João Carlos Malta , Marta Grosso
O embaixador José Cutileiro morreu neste domingo em Bruxelas, onde vivia, disse à Lusa a sua mulher.
O diplomata tinha 85 anos e encontrava-se hospitalizado, acrescentou a mesma fonte.
Cronista e escritor, José Cutileiro foi um dos negociadores da adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (CEE) e integrou a equipa de coordenação da Conferência de Paz para a Jugoslávia, em 1992, entre outros cargos que ocupou ao longo da sua carreira.
Nascido a 20 de novembro de 1934, em Évora, José Cutileiro foi, além de embaixador, antropólogo e escritor (cronista).
O seu pai era republicano e oposicionista ao regime de Salazar. Pelo contrário, a mãe era conservadora católica e apoiante do regime do Estado Novo.
Aos três anos, passa a viver em Lisboa, mas não se fica por aí, pois o pai começa a trabalhar na Organização Mundial de Saúde, uns anos mais tarde, o que leva a família a viajar por países como a Suíça, a Índia e o Paquistão.
De volta a Lisboa, passa pelos cursos de Arquitetura e de Medicina e viaja depois para Inglaterra, onde viria a licenciar-se em Antropologia Social, na Universidade de Oxford.
Com a Revolução do 25 de Abril, José Cutileiro é nomeado conselheiro cultural da embaixada de Portugal em Londres, cargo que termina em 1977, quando se torna embaixador e representante de Portugal junto do Conselho da Europa, até 1980.
Esteve na embaixada de Portugal em Maputo e foi nomeado representante permanente de Portugal na Conferência de Desarmamento na Europa, em 1984.
Durante o Governo de Cavaco Silva, José Cutileiro foi chamado a assumir o cargo de diretor-geral dos Negócios Político-Económicos. Foi nessa altura que negociou a adesão de Portugal à União da Europa Ocidental e chefiou a delegação que negociou com os EUA os termos da utilização da Base das Lajes, nos Açores. Estávamos no final da década de 1980.
Mais tarde, assumiu a função de conselheiro especial do Ministério dos Negócios Estrangeiros para a Presidência Portuguesa da Comunidade Europeia, o que o levou a coordenar a Conferência de Paz para a Jugoslávia em 1992.
Em 1994, foi escolhido para o cargo de secretário-geral da União da Europa Ocidental (UEO), com o apoio explícito da Grã-Bretanha e da Holanda. A organização queria, na altura, um diplomata de carreira atlantista, numa altura em o Tratado de Maastricht trazia para a Comunidade Europeia o pilar da defesa comum. José Cutileiro foi reconduzido na secretaria-geral da UEO em 1997.
José Cutileiro não se dedicou apenas à diplomacia, sendo também reconhecido pela sua atividade de cronista na imprensa escrita.
Foi o autor das crónicas ficcionadas escritas sob o alter-ego de Alfred Barnaby Kotter, um aristocrata inglês elitista, residente em Colares (Sintra). As crónicas eram publicadas no jornal “O Independente” (entre 1993 e 1998) e foram compiladas em livro em 2004, sob o título “Bilhetes de Colares de A. B. Kotter”.
A publicação ganhou notariedade e dela têm saído textos em diversos blogues. Em 2009, o livro foi galardoado com o Grande Prémio de Crónica Associação Portuguesa de Escritores.
No site da presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa, evoca Cutileiro. "É já com saudade que o Presidente da República evoca o Embaixador Doutor José Cutileiro, que hoje nos deixou."
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, "Portugal perdeu uma grande figura da diplomacia da Democracia, pessoa de grande cultura e espírito crítico, que as sua crónicas traduzem com humor e elevação".
O PR lembra que desempenhou cargos diplomáticos do maior relevo para Portugal, "mas também a nível multilateral, como Secretário geral da União da Europa Ocidental, muitos anos o pilar de Defesa europeia".
Há largos anos radicado em Bruxelas, José Cutileiro, Marcelo salienta que "não deixou de escrever as suas crónicas que o ligavam ao País e o País ao Mundo, que o Presidente da República teve o gosto de apreciar desde os tempos do Expresso".
"À viúva e restante família o Presidente da República apresenta as mais sinceras condolências em nome pessoal e em nome de Portugal", remata o Presidente da República.
O diplomata e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Martins da Cruz, conhecia muito bem José Cutileiro, com quem privou variadíssimas vezes, e com quem trabalhou todos dias durante quatro anos e meio, quando este chefiou a União da Europa Ocidental (UEO).
A imagem mais forte que lhe fica de Cutileiro é a de alguém que detinha um humor caústico, que cativava as pessoas. A isso somava outra, que o aproximava de Alexandre O'Neill e Luís de Stau Monteiro, o facto de não acreditar em nada.
José Cutileiro, segundo Martins da Cruz, era um excelente diplomata. "Tinha a exata noção das artes e as dificuldades da diplomacia", lembra, recordando o tempo que este passou à frente da UEO, nos quais teve de fazer o sempre difícil equilibrio de interesses entre a NATO e a UE.
Martins da Cruz salienta ainda o papel que o diplomata teve nas negociações da guerra dos Balcãs, e lembra que quando estava com humor falava de uma tese: "Construir um muro de cinco metros de altura e dois ou três anos ver o que se tinha passado"; recorda.
O ex-governante lembra ainda que José Cutileiro passou parte da juventude no Afeganistão, onde o pai trabalhou para a OMS, e ele fez o liceu. Formou-se em medicina, e douturou-se em sociologia em Londres, onde apresentou tese sobre o Alentejo.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros também reagiu à morte do antigo embaixador, através de uma nota no Twitter.