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​Dia do Trabalhador

“Comportamentos seguros salvaguardam a saúde, mas também os postos de trabalho”

01 mai, 2020 - 20:22 • Eunice Lourenço

Autoridade para as Condições do Trabalho tem recorde de acessos ao portal e recebeu seis mil denúncias desde 1 de março.

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O combate à pandemia de Covid-19 veio colocar problemas, dificuldades e desafios a empresas e trabalhadores, mas também à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). Em entrevista à Renascença a inspetora-geral Luísa Guimarães, que lidera a ACT, explica que a sua função é ajudar os trabalhadores, mas também as empresas a adaptarem-se a esta situação. E apela a que as denúncias de irregularidades sejam feitas de forma eletrónica.

Toda esta situação veio colocar problemas e desafios novos à Autoridade para as Condições do Trabalho. Quais têm sido as maiores dificuldades?

Esta situação que estamos a viver coloca desafios a todos nós individualmente e coletivamente porque estamos todos a passar por uma situação inédita. Em primeiro lugar, para todas as atividades que continuaram em funcionamento, todas as matérias que têm a ver com a segurança e saúde no trabalho e com a transmissão da doença em locais de trabalho.

Uma outra alteração significativa que veio um pouco associada a esta situação da Covid-19 é o que tem a ver com a situação em muitas empresas, nalguns casos encerramento de empresas, muitas delas, felizmente, na situação de suspensão e do lay-off simplificado. Aqui também há um conjunto de desafios que se colocam à ACT, desde logo verificar situações de despedimentos que não estejam e acordo com a legislação, verificar também outras questões como a imposição de férias, a organização de turnos de trabalho…

Também foi nessa área que houve reforço de poderes da ACT.

Sim, as coisas estão interligadas. De facto, houve um reforço da ACT, nomeadamente no âmbito dos despedimentos ilícitos. Dizendo de uma forma muito simples: o poder que foi dado à ACT foi de suspender os efeitos de um despedimento quando verifica que é um despedimento ilícito.

O terceiro grande bloco de questões mais significativas é tudo o que tem a ver com o facto de uma grande parte da população empregada ter passado para situações de teletrabalho. Também aí houve adaptações que tivemos de fazer e acompanhamento que temos vindo a fazer.

Um quarto grande desafio no plano externo tem a ver com as medidas excecionais. No plano interno, reforçamos muitíssimo o nosso atendimento telefónico e o nosso entendimento online, o nosso balcão digital. Temos privilegiado muito o nosso portal. Desde 1 de março até 25 de abril, tivemos mais de 2 milhões de acessos ao nosso portal. Houve também alterações ao atendimento que tivemos de fazer, nomeadamente uma combinação de novas metodologias com a necessidade de inspeção presencial que sempre tivemos de fazer. Houve também novos procedimentos que tivemos de adotar para garantir a segurança dos nossos trabalhadores que se deslocam às empresas para as atividades inspetivas.

Uma das medidas que tivemos de tomar imediatamente, quando se iniciou esta situação excecional de crise, foi desenvolver novos postos de atendimento telefónico para que fosse possível o atendimento telefónico a partir de casa para que as pessoas pudessem conciliar as funções essenciais com o teletrabalho.

Tem noção de onde vêm as principais queixas? Das mudanças para as situações de teletrabalho, das situações de lay-off?

Recebemos, desde 1 de março até 25 de abril, mais de seis mil denúncias. Uma parte delas depois verificamos que não são denuncias, são pedidos de informação ou são situações que não têm qualquer irregularidade. As matérias de segurança e saúde no trabalho são as que têm sido mais objeto de denúncia, correspondem a 22% das denúncias, segue-se o que diz respeito à retribuição e às componentes contributiva e materiais que se referem a lay-off e extinção de postos de trabalho. A nível dos pedidos de informação, os temas são semelhantes, com algumas variações em termos percentuais.

Uma das queixas que têm sido públicas é do Sindicato do Comércio e Serviços que tem pedido a intervenção da ACT, nomeadamente por causa de situações que consideram que podem por em perigo a segurança de trabalhadores de supermercados. Têm feito inspeção regular nesses setores?

A ACT fez inspeção regular desde o início desta crise, não parou apesar de todos estes fatores que têm impacto sobre a nossa atividade. No dia 15 de abril, a ACT iniciou uma ação nacional que decorreu até 24 de abril e abrangeu todos os sectores de atividade e teve como objetivo fundamental corresponder a denuncias e, portanto, também a denúncias que nos chegam através de sindicatos.

Outra queixa que tem sido feita pela área de comércio e serviços é que algumas empresas, quando têm algum trabalhador infetado, só enviam esse trabalhador para casa e não todos os trabalhadores que tiveram contacto com o infetado. A ACT tem algum entendimento sobre o que deve ser feito nestes casos?

A Direção Geral da Saúde tem orientações concreta relativamente a como as entidades empregadoras devem atuar sempre que identifiquem um caso confirmado. Os casos são considerados suspeitos em função do nível de contacto, da proximidade. Existem indicações bastante claras sobre essa matéria, não emanadas da ACT, mas da DGS.

A orientação depende do nível de contacto?

Depende sim. A orientação da DGS elenca uma série de fatores que determinam o tipo de seguimento que é dado. Mas quaisquer situações que se verifiquem- as situações de segurança e saúde no trabalho têm a nossa prioridade nesta altura - devem ser denunciadas à ACT e façam-no, por favor, através do nosso portal porque temos a possibilidade de o fazer eletronicamente.

Aproveito a oportunidade para insistir nisso: se fizerem as denúncias através do nosso portal não só recebemos logo um conjunto de informações importantes para prepararmos a nossa intervenção inspetiva, como entra diretamente no nosso sistema e pode ser distribuído, enquanto que, se a fizerem em papel, pode ficar incompleta e obrigar-nos e ter de pedir mais informações e estamos a desperdiçar recursos a incluir a denúncia no nosso sistema de informação.

Outra queixa que tem sido feita - e tivemos nomeadamente queixas de trabalhadores da TAP - tem a ver com os cálculos para o pagamento dos trabalhadores em lay-off. Haverá empresas que não estão a ter em conta os subsídios regulares que os trabalhadores costumam receber, mas apenas a remuneração base. Qual é o entendimento da ACT para este cálculo da remuneração em lay-off?

É uma matéria que abrange a ACT, a Segurança Social e a Direção Geral e Emprego e Relações de Trabalho. O quer estamos a fazer nessa e noutras questões é articular os nossos entendimentos, temos um grupo de trabalho formado para que não haja informação contraditória entre organismos de Estado. Esse grupo de trabalho reuniu-se recentemente para analisar essa questão que exige uma atuação rápida.

Uma questão polémica é a medição de temperaturas dos trabalhadores. Houve uma nota da Comissão Nacional de Proteção de Dados e uma nota do Ministério da Segurança Social que são contraditórias. Nas recomendações que divulgou esta semana, a ACT não faz referência a isso. Qual é o entendimento da ACT: as empresas podem medir a temperatura dos trabalhadores, podem pedir aos trabalhadores que meçam? Vão dar alguma indicação nesse sentido?

As recomendações que foram divulgadas esta semana são recomendações genéricas aplicadas a todos os setores de atividade e fazem parte de uma outra obrigação da ACT, que tem obrigação de informar, tem obrigação de averiguar práticas ilícitas, mas também tem uma obrigação muito importante de apoiar e aconselhar empregadores que são os responsáveis por assegurar as condições de segurança e saúde no trabalho sobre que medidas devem ser adotadas.

Essas orientações são dadas a todos os setores e são um primeiro passo. É verdade que não incluímos essa orientação. Agora seguem-se atualizações deste documento que se revelarem necessárias, quer pela evolução da epidemiologia, quer por medidas que venham a ser adotadas pelo governo sectorialmente.

O parecer da CNDP não proíbe a medição de temperatura, diz apenas quais as condições em que deve ocorrer. Não foi por isso que não incluímos nas nossas recomendações, foi porque neste momento nós queremos dar recomendações que possam dar um apoio claro a empresas que também estão a atravessar uma situação em que muitas vezes precisam de apoio - a maioria delas serão microempresas ou pequenas e médias empresas que não estavam preparadas para esta situação. Esta orientações serão revistas ou atualizadas sempre que necessário até em função das atividades que venham a ser retomadas.

Uma destas 19 recomendações é que deve ser reforçada a consulta aos trabalhadores e o diálogo social. No tempo que temos vivido, a ACT tem sentido que diminuiu a consulta aos trabalhadores e que é preciso reforçar o diálogo social?

Não, não temos dados que indiquem que tenha diminuído. Naturalmente, que a situação que atravessamos é atípica para todos. Não temos esses dados, o que temos é uma convicção muito forte e, por isso, consta essa recomendação de que quanto melhor informados estiverem os trabalhadores e os seus representantes, quanto mais estiverem envolvidos, melhor serão as condições de segurança e saúde no trabalho. De acordo com o regime jurídico de proteção sobre segurança no trabalho, que é uma lei-quadro que estabelece um conjunto de obrigações, é obrigação do empregador assegurar as condições de segurança e saúde no trabalho, mas também é obrigação de envolver os trabalhadores, as estruturas representativas dos trabalhadores. Essa recomendação parte desta convicção de que

também é obrigação do trabalhador seguir rigorosamente as prescrições que são estabelecidas e colaborar. Nesta altura, no que diz respeito à segurança e saúde no tralhado, estamos todos convocados. Todos estamos a aprender comportamentos mais seguros que permitam salvaguardar a nossa saúde e a daqueles com quem contactamos e também salvaguardar os postos de trabalho.

O teletrabalho ganhou enorme dimensão neste tempo. Quais as principais recomendações da ACT?

A situação do teletrabalho tem riscos específicos. Desde logo, o risco de isolamento, o risco de estarmos demasiado tempo à frente do computador e de nos esquecermos de levantar e andar um bocadinho, o risco de comer em frente ao computador e não interromper para uma devida pausa. Temos sete recomendações que andam à volta da disponibilização das condições de equipamentos, como o computador, mas recomendações que têm a ver com estes riscos específicos: fazer pequenas pausas, fazer reuniões para evitar o isolamento, criar mecanismos de contacto. O trabalhador deve ter condições para exercer o teletrabalho, que é uma forma de trabalho mais flexível, tem de ter um planeamento adequado, com objetivos e metas, mas em que o trabalhador seja acompanhado para não ficar numa situação de isolamento.

O que é que, de um ponto de vista mais geral e talvez até teórico, vai ficar de bom deste tempo? Há alterações nas formas de trabalho e nas formas de nos relacionarmos no trabalho e com o trabalho que devem ficar para o futuro?

Concentramo-nos muito nas dificuldades que estamos a atravessar e a refletir pouco naquilo que podemos retirar de bom. Acho que vamos tirar lições para a forma como trabalhamos porque durante este período fomos obrigados a trabalhar muitas vezes em circunstâncias em que não imaginaríamos. Uma das lições poderá ser ponderar em que medida o teletrabalho pode ser um potenciador ou um mecanismo adequado para trabalhar. Não tem de ser em permanência.

Numa reflexão que façamos, haverá certamente outras lições a retirar.

A ACT teve um acréscimo de trabalho e de competências nesta situação e também foi anunciado um reforço de trabalhadores, nomeadamente inspetores. Esse reforço chegou a acontecer? Foi suficiente?

Primeiro, 44 inspetores estagiários ingressaram na carreira de inspetores. Isso foi um primeiro recurso. Um segundo recurso são 80 candidatos aprovados num concurso externo que estava em fase de conclusão e foram notificados para ingressar na ACT e que um despacho do primeiro-ministro e da ministra do Trabalho permite que sejam mobilizados, naturalmente acompanhados por outros inspetores de trabalho na atividade inspetiva durante este tempo de crise.

Para além disso, o decreto que prorrogou o estado de emergência deu a possibilidade de a ACT recorrer à mobilidade. Por aí, também vamos conseguir novos inspetores. No despacho de dia 16 de abril, o primeiro-ministro e a ministra do Trabalho determinaram a requisição de outros serviços inspetivos, até um limite de 120 inspetores, mas não vamos usar os 120. Muitos disponibilizaram-me mesmo antes do despacho de requisição para vir ajudar nesta altura de crise. Essa requisição faz-se por um período mínimo até 31 de julho, podendo ser prorrogado até 31 de dezembro.

A ACT tem uma enorme responsabilidade nestes tempos de crise. Estamos conscientes dela. Quanto mais informados estiverem os trabalhadores, em melhores condições estão para cumprir as suas funções. Quanto melhor informadas estiverem as empresas, melhor cumprem as suas obrigações e respeitam os diretos dos trabalhadores.

Outro pilar fundamental é todo o trabalho que fazemos em temos de recomendações para adaptar os locais de trabalho de uma forma segura a esta situação especifica que estamos a viver.

Salvo algumas alterações excecionais, a generalidade das normas do código de trabalho mantem-se em vigor e é precisamente nesta altura de crise que os trabalhadores estão mais vulneráveis e é precisamente também nesta altura de crise que as empresas precisam de mais apoio em termos de informação e de recomendações para adaptarem os locais de trabalho.

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