29 abr, 2020 - 07:00 • Liliana Carona
As pantufas ficaram em casa, Soraia Cardoso Amaral, cinco anos, calçou as botas, vestida a rigor, casaco e chapéu de pastor, cajado numa mão e desce ladeira abaixo, pelas ruelas da aldeia de Folhadosa, no concelho de Seia.
“Vou ter com as ovelhas, eu quero ser pastora. Tenho muitas, não é mãe? Quantas são? 120 e todas fofinhas”, explica em passo apressado.
Ao chegar ao pasto verdejante, Soraia primeiro assobia com timidez ao rebanho de 120 ovelhas. O silêncio torna-se ruído. As ovelhas, lá ao longe, hão de rodear Soraia que as chama a todas de “Pininha”.
“Elas estão sempre a fugir, algumas são muito pequeninas”, tenta justificar a demora na aproximação.
Soraia gosta de tudo na vida de pastora, menos quando está a chover. Mas os planos estão todos traçados. “Quando está a chover fico em casa, ao fim de semana ajudo os avós, à semana estudamos”, descreve a rotina, a pastora de palmo e meio, que entra no próximo ano letivo para a primeira classe.
A mãe, Margarida Cardoso, de 32 anos, é pastora e auxiliar num lar. Já ensinou o que pôde para a tenra idade de Soraia. “A ordenhar, a fazer o todo o trabalho no campo…” Interrompe para olhar para a filha: “devagarinho Soraia”. Para logo retomar o fio à conversa: “ensino-lhe como as deve chamar, para onde as deve levar. E como ela é uma geração nova, eu gostava que ela continuasse com isto. Ela já corria comigo atrás das ovelhas, quando andava na minha barriga”, sorri orgulhosa, a mãe também filha de um casal de pastores ainda no ativo.
E os pastores mais velhos em Folhadosa fazem vénias à pequena Soraia, a menina que cresce pastora.
Américo, 52 anos, garante saber do que fala. “Na pastorícia, as mulheres fazem o trabalho tão bem feito como nós, ou melhor ainda. Esta é daquelas que se vai criar em condições mesmo, esta vai lá com o tempo”, assegura, dando indicações a Soraia: “Compõe a camisa, olha o fecho”.
Depois de umas tantas correrias atrás das “Pininhas”, as 120 ovelhas abrem espaço para Soraia lanchar.
“Fico cansada, agora é a bucha, um copo de leite e uma sandes, o dia está feito”, conclui sorridente, mas, a mãe adverte: “ela está feliz, mas quando não vem ver as ovelhas já não fica bem, já pede para vir”.
Margarida Cardoso assume, no entanto, que esta profissão já não dá muito rendimento e, agora, com isto da pandemia, algumas queijarias deixaram de comprar o produto aos pastores, porque não têm o escoamento do produto, derivado a muitas superfícies comerciais estarem fechadas.
“Em junho, costumávamos ter a romaria da Folgosa da Madalena, a S. João Batista para pedir a proteção do cultivo e um bom ano para os animais e nem isso. Perdeu-se muito convívio”, lamenta, "mas olhar para ela é um sinal de esperança", diz a mãe Margarida.