08 abr, 2020 - 07:45 • Sílvio Vieira
O principal cientista da União Europeia bateu com a porta, esta terça-feira, “extremamente desiludido com a resposta europeia à Covid-19”. Mauro Ferrari, que era presidente do Conselho Europeu de Investigação (ERC), desde janeiro, sustenta a sua demissão com argumentos de falta de apoios à investigação e ausência de coordenação.
Em comunicado enviado ao jornal britânico “Financial Times”, o cientista acusa a UE de “completa ausência de coordenação de políticas de saúde entre Estados-membros”. Ferrari defende que não devem existir obstáculos ao acesso aos melhores recursos para combater a pandemia e garante que a Europa não tem respondido à altura.
A sugestão que apresentou, “quando ficou evidente que a pandemia seria uma tragédia de proporções possivelmente sem precedentes”, previa que "os melhores cientistas do mundo tivessem acesso aos melhores recursos e oportunidades para combater a pandemia, com novos medicamentos, vacinas, ferramentas de diagnóstico e abordagens comportamentais baseadas na ciência, ao invés das muitas vezes improvisadas intuições dos líderes políticos".
A proposta foi recusada, por unanimidade, pelo Conselho do Científico do ERC. O financiamento não foi concedido, justificaram, porque o ERC só pode financiar “pesquisas de baixo para cima”, propostas por cientistas. Programas alargados de “cima para baixo”, com objetivos determinados pelos líderes da União Europeia, não podem ser financiados.
Ferrari diz, na nota enviada ao jornal, ter argumentado que “este não é o tempo para os cientistas se preocuparem com essas subtilezas”. Sem alternativa dada pelo Conselho Científico do ERC, ele teve outra hipótese de colocar o seu plano em prática, quando a presidente da Comissão Europeia o convidou a elaborar um plano sobre como se devia combater a pandemia.
“O facto de ter trabalhado diretamente com ela [Ursula von der Leyen] criou uma tempestade política. A proposta passou por diferentes camadas da administração da Comissão Europeia, onde acredito que acabou por se desintegrar, após impacto”, descreve.
Mauro Ferrari decidiu, então, apresentar a sua demissão do ERC, criticando a UE por uma "completa ausência de coordenação de políticas de saúde entre estados membros”, pela “recorrente oposição a iniciativas coesas de apoio financeiro” e censurando, ainda, os “encerramentos unilaterais de fronteiras".
Desde janeiro no cargo, o professor Mauro Ferrari tinha mandato de quatro anos como líder da principal instituição científica da Europa, o ERC. "Cheguei ao ERC enquanto fervoroso apoiante da União Europeia, mas a crise de Covid-19 alterou completamente a minha visão, embora continue a apoiar com entusiasmo os ideais de uma colaboração internacional", conclui. O cientista italiano, de acordo com “Financial Times”, tentará, agora, implementar os seus planos de combate à pandemia, com uma equipa de pesquisa internacional, a partir dos Estados Unidos, onde trabalhou, antes de assumir a ERC.