Graça Franco
Opinião de Graça Franco
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A resposta mede-se ao minuto

17 mar, 2020 • Opinião de Graça Franco


A batalha trava-se em duas frentes e ainda não passámos da primeira escaramuça. Ninguém sabe quantas batalhas a guerra terá, nem quanto tempo será preciso para a vencer. O inimigo leva vantagem: é desconhecido, global e ataca à traição através de uma guerrilha urbana devastadora.

Macron percebeu tarde. Mas percebeu. Domingo, em Paris, quase tudo parecia normal. Segunda, deu como Costa explicações ao país. Foi mais longe. Anunciou um rectificativo de 25 mil milhões de euros para reforçar as despesas na Saúde, empresas e trabalhadores e mobilizou todos os franceses para a guerra contra o inimigo invisível. Fez tarde, mas bem.

A resposta mede-se ao minuto. Os líderes mundiais andam literalmente aos bonés e a comunidade científica também. Só numa coisa concordam. Por cada minuto de atraso na resposta temos menos gente pronta para o combate. Uns em cada cinco doentes são profissionais de saúde. O bastonário já conta 50 médicos infetados. Até para os proteger, a eles, os meios são escassos. Não é em Portugal, é em todo o lado.

Basta aprender com Itália. As outras doenças não meteram férias. Médicos e enfermeiros estão exaustos. Já sem os materiais mais correntes vivem, agora, em hospitais de campanha improvisados onde é preciso, pela primeira vez nas suas vidas , seguir as normas dos campos de batalha.

Os relatos são assustadores. Em Itália, já falham os ventiladores e é preciso escolher entre quem será tratado e deixado morrer. Os sinais vitais esmorecem em simultâneo em vários pacientes e os enfermeiros não podem acorrer a todos.

Os olhos desinfectam-se com as lágrimas quando para as mãos já tarda em chegar o desinfectante. Não adianta encontrar culpados. Em tempo de guerra não se aceitam protestos inúteis só se aceitam melhores soluções.

A batalha trava-se em duas frentes e ainda não passámos da primeira escaramuça. Ninguém sabe quantas batalhas a guerra terá, nem quanto tempo será preciso para a vencer. O inimigo leva vantagem: é desconhecido, global e ataca à traição através de uma guerrilha urbana devastadora.

Nas frentes da saúde e da economia, nunca vivemos nada assim. Num mundo global, problemas e soluções são, em tudo, diferentes. Mas, se mantivermos a confiança, poderemos ganhá-la. Na economia, não há inevitabilidades. Na saúde, o pessimismo basta para perder imunidade. É na confiança que está meio caminho andado.

Ninguém , nem da velha nem da nova geração, estava preparado para o ataque. O inimigo apanhou-nos num período de convalescença da crise de 2008 mas uma coisa é certa. Aprendemos com ela. Desta vez, já não avançaremos cada um por si. Se formos inteligentes usaremos as artilharia pesada antes de pensarmos que o jogo é a feijões.

Não falo de metáforas. É literal: nunca os orçamentos da Saúde e da Defesa tinham atingindo níveis tão baixos.

Num e noutro sector as verbas estavam em mínimos e os recursos humanos disponíveis também.

Agora percebe-se que os homens das armas são também essenciais em tempos de paz. São eles que teem, ou deviam poder ter, as reservas estratégicas, os hospitais de campanha, os laboratórios militares, as instalações (mesmo os ginásios e as casernas) para servirem de recuo.

O estado de emergência também serve para isso: mobilização geral, requisição de meios civis, controle de segurança, manutenção da ordem pública, vigilância.

Não estamos em Estado de sítio nem sequer de calamidade e mesmo que Marcelo queira accionar o estado de emergência já há muita coisa a funcionar para além do normal, no modesto estado de “alerta” já decretado por Costa .

Os dias que virão exigirão ainda mais. Não se trata de mandar os meninos da praia para casa. Trata-se de pôr em pé planos de acção compulsivos, para, por exemplo, alimentar e albergar sem-abrigos, dando-lhes dignidade na saúde e na doença e evitando o proliferar de infeções.

Não se pode pedir aos voluntários amadores que continuem a agir, com boa vontade, mas sem luvas, máscaras e conhecimentos de auto-proteção básicos.

A resposta de Costa na SIC foi , nesta matéria, uma vergonha. Sem abrigos? ! E, como se não fosse nada com ele… Ahh! As cadeias de ajuda, normais, não pararam. Pararam sim, e a responsabilidade é sua, senhor primeiro-ministro! Os voluntários são jovens que teem avós e pais que teem filhos. Não mártires.

E, de repente, falta tudo e faltam-nos também eles. Homens e Mulheres (médicos, enfermeiros, bombeiros, saudades, auxiliares de limpeza, soldados). Disponíveis nos hospitais e nos quartéis porque o inimigo é comum. Porque a guerra também é química quando temos de desinfectar em massa: transportes, ruas, cais, estações. Servir refeições a centenas de milhar, fornecer material de protecção.

Já não estamos a falar de excedentes. Nem estamos a falar das verbas que faltavam na saúde, na defesa, da administração interna. Estamos a falar como Macron, de um novo Orçamento, um retificativo com um enorme défice.

Quando a ministra do Emprego diz que os apoios, já anunciados aos trabalhadores vão custar dois mil milhões ao mês, está tudo dito. Mas vai valer a pena e, se for um esforço conjunto de todos os 27 , Comissão, FMI, e BCE incluídos, vamos escapar do pior da crise: um novo disparo exponencial do desemprego.

Há soluções ao alcance de todos que começam a chegar em forma de violas nas varandas e violinos nos telhados. Mesmo os que se sentem a afundar, aplaudem a orquestra. Chama-se a isso espalhar a confiança que aumenta as defesas na frente da saúde e reanima os “animal spirits “ dos mercados.

Sem esquecer que a confiança é o motor de uma economia sã. Esse é o único remédio que podemos usar para evitar a contaminação económica pelo coronavirus. E, se for preciso combater a falta de dinheiro em circulação, imprimindo moeda, que se faça, porque o tempo é de correr riscos não é de repetir receitas. O BCE parece disposto a fazê-lo. Ainda bem.

Ontem foi um dia irónico para Portugal quando vimos Mário Centeno como presidente do Eurogrupo a sossegar os restantes 18. Nós os que em 2012 ficámos a dever o principio do fim da crise à credibilidade da palavra de Mário Draghi que ,na altura, disse que em nome do BCE faria tudo para salvar o euro e esse tudo, podiam acreditar, seria “o suficiente”.

Os especuladores perceberam nessa frase que a festa acabara ali.

Mário Centeno disse , agora enquanto presidente do Eurogrupo, que os 19 farão tudo o que for “necessário” para combater a crise. Desde logo, acordando reforçar os apoios de tesouraria às empresas afectadas, mobilizando

o equivalente à média de 1 % do PIB e reservando outros 10 %, à concessão de garantias, de moratórias de pagamentos (prestações, juros devidos, impostos a pagar) . Centeno acrescentou que as medidas podem não ficar por aqui, em função do que surgir da reunião de hoje. Palavra de Centeno. Acreditem que, tal como Draghi, não a cumprirá pior.

De acordo com as excepções previstas nos tratados ( calamidade e saúde pública), os controles de fronteira foram temporariamente repostos retirando aos populistas a possibilidade de usar a globalização como causa de todos os males. Trata-se de limitar a circulação por motivos extraordinários, mantendo o fluxo normal de mercadorias.

Mas a recessão económica por cá será inevitável, mesmo se conseguirmos apoiar o rendimento evitando que a crise empresarial se transforme numa catástrofe, através do desemprego . Desta vez, a crise resulta do colapso pelo lado da oferta de bens, por quebra de encomendas e paragens de produção e da travagem simultânea do consumo, efeito da paragem forçada e da redução dos rendimentos ou mesmo desemprego ou lay –off prolongado, numa aliança temível e nunca sentida nas nossas vidas.

Num país onde as receitas do turismo representam 8 % e do consumo privado mais de 60 %, o colapso do sector do

turismo, da hotelaria, dos transportes aéreos e rodoviários, do alojamento local, dos serviços, como (cabeleireiros, costureiras, empresas de limpeza, eventos etc…) causará uma perturbação capaz de, em meses, nos fazer regressar a 2008. Mas não é o fim do mundo. É só mais uma crise. Uma guerra que nos cabe a nós ganhar.

Comentários
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  • mewtwo
    17 mar, 2020 22:43
    É saudável ver que há muita gente lúcida. Grato a Graça Franco.