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Escândalo na Relação de Lisboa

"Sistema tem de funcionar, doa a quem doer". Supremo Tribunal demonstra sorteio de processos

04 mar, 2020 - 15:56 • Liliana Monteiro

"Houve um rombo na confiança dos cidadãos na Justiça", defende o presidente do Supremo. "Ferramenta do sorteio pode continuar a ser melhorada para garantir maior confiança."

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O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) garantiu esta quarta-feira que o sistema de sorteio de juízes é transparente, embora admita que pode ser alterado por mão humana.

Face às suspeitas de manipulação de processos no Tribunal da Relação de Lisboa pelo seu ex-presidente, Vaz das Neves, e pelo sucessor, Orlando Nascimento, que renunciou ao cargo no início da semana face às suspeitas, o Supremo Tribunal decidiu fazer uma demonstração do sorteio de juízes aos jornalistas.

No encontro, António Piçarra garantiu que há razões para confiar no sistema, ainda que esta ferramenta informática possa e deva continuar a ser melhoradas para dar maior fiabilidade e confiança.

"O sistema funciona bem, mas a ferramenta tem sido melhorada e pode continuar a ser melhorada para garantir maior fiabilidade e confiança", começou por referir.

Referindo-se ao caso da Operação Lex, que envolve suspeitas de corrupção e abuso de poder relacionadas com a distribuição eletrónica de processos no Tribunal da Relação de Lisboa, o presidente do Supremo -- e por inerência do Conselho Superior da Magistratura (CSM) -- disse lamentar este levantar de dúvidas sobre a fiabilidade do sistema.

"Houve um rombo na confiança dos cidadãos na Justiça, mas eu espero que os cidadãos possam continuar a confiar porque a generalidade dos juízes são pessoas isentas, íntegras, dedicadas, e se há um ou outro que não se comporta com a dignidade que a função exige lá estarão os órgãos competentes, seja o Ministério Publico ou o Conselho Superior da Magistratura. O sistema funciona e é para funcionar doa a quem doer, não há intocáveis", garantiu.

Demonstração para restaurar confiança

Esta manhã, o Supremo Tribunal de Justiça abriu portas para mostrar como funciona, afinal, o sorteio de juízes para os processos que ali chegam.

"A secretária recebe os fluxos eletrónicos dos processos na presença do Presidente ou dos vices presidentes, e não sendo possível a presença destes, cabe ao juiz conselheiro mais antigo assistir à distribuição", explicou António Piçarra.

No ecrã do computador surgem várias pastas alinhadas à esquerda com o nome das áreas das secções e tipologias de processos. Abrindo a pasta acede-se à lista de recursos à espera de distribuição naquela área. Um simples clique num botão dá inicio à distribuição que surge de imediato listada com o nome dos juízes conselheiros e respetivo processo. Essa lista é depois afixada em pauta e divulgada publicamente através do site do tribunal. "Permite automaticamente que as partes do processo possam pedir suspeição ou recusa do juiz na intervenção no processo, caso essa situação se coloque", sublinha António Piçarra.

"A distribuição antigamente era manual e com bolas, hoje é feito através de uma corrente eletrónica em que nos limitamos a ver os processos que entraram e basta carregar num botão e imediatamente o programa faz a distribuição pelos juízes conselheiros e o processo é-lhes automaticamente atribuído sem intervenção humana", revela o Presidente. "Algum jornalista conseguiu perceber a que dizem respeito estes processos? Eu não tenho mais nenhum elemento sobre os casos. São de quem e sobre o quê? Não sei!"

Mas há particularidades na distribuição dos vários tribunais e há situações em que a atribuição de processos ocorre de forma manual. Um exemplo: "Há um processo que chega da Relação e é distribuído. O juiz entende que deve anular a decisão da Relação porque a prova não foi bem apreciada e pede mais instrução do caso. Quando o processo regressa ao STJ, a lei impõe que, nesses casos, como o juiz já conhece o processo, esse seja atribuído ao mesmo conselheiro."

E diz mais. No caso de um juiz estar doente, este pode ser retirado da lista do sorteio; no caso de um juiz se ausentar por motivos de representação, fica também ele ausente do sorteio por tempo determinado, mas vê o número de processos distribuídos agravado após o regresso. O mesmo acontece com juízes novos que, por norma, recebem mais processos que os restantes, uma vez que ainda não têm casos atribuídos.

O Presidente do STJ relata um caso recente. "Como sabem o conselheiro Clemente Lima foi um dos candidatos a integrar o Tribunal Constitucional. Na semana passada, na sequência disso, pediu para não lhe serem distribuídos processos. Ficou inibido de receber distribuição porque já não teria tempo para despachar. A partir do momento em que houve informação de que tinha sido chumbado, ele entrou logo na distribuição e como vêem ficou hoje com um novo processo."

Processo de sorteio igual em todos os tribunais superiores?

Será este processo de sorteio sempre igual em todos os tribunais e de forma transparente? António Piçarra quer acreditar que sim, mas também admite que possa haver comportamentos desviantes.

"Suponham que eu digo à minha secretária, 'tenho notícia de um processo delicado, não vai a distribuição esta semana', ou, 'só fazemos sorteio de 15 em 15 dias’, ou, ‘não faz hoje distribuição, faz amanhã’, ou, ‘assim que chegar o processo, faz já sorteio amanhã.' Assim estou a condicionar a distribuição", explica.

"Agora ou se confia nas pessoas que têm essa responsabilidade ou não. O sistema é transparente, agora qualquer um de nos pode ser desleal, desonesto nas suas atividades. Alguma intrusão no sistema está registada. Se alguém alguma vez pensasse em alterar o nome do juiz para um processo isso ficava automaticamente registado no sistema", garante.

Antes de janeiro deste ano, grande parte dos processos chegava em papel aos tribunais superiores e tinha de ser introduzida no sistema manualmente. Poderia aqui haver atrasos propositados? António Piçarra diz que no STJ "o processo era sujeito a distribuição como qualquer outro de forma imediata", sem conseguir garantir que nos outros tribunais a prática também fosse essa.

Presentes na sala estiveram também dois responsáveis pelo Instituto de Gestão Financeira dos equipamentos da Justiça (IGFEJ). Carlos Costa Brito é vogal do Conselho diretivo do Instituto e, confrontado com a questão sobre o sistema permitir alterações por mão humana, respondeu que "há vários métodos, uns incluem sorteio e outros não, por razões estabelecidas na lei".

Ainda, garante que "o sistema cumpre o que está na lei. O IGFEJ não identificou falha informática ou intrusão no sistema. Todas as operações ficam registadas no sistema e são passiveis de auditoria sempre que a entidade competente assim o solicite".

Mas e quem faz as configurações específicas no sistema conforme a necessidade de cada tribunal? "São os utilizadores do tribunal, neste caso oficiais de justiça ou administrador judiciário. O sistema regista todas as alterações e permite saber quem fez o quê", explica Carlos Costa Brito.

"Estamos sempre a fazer análises ao sistema", adianta. "O sistema informático da Justiça tem sofrido melhorias ao longo dos anos. É sempre possível introduzir melhorias que juízes considerem necessárias. Todos os tribunais do país têm o mesmo software base, mas cada um depois tem ajustes próprios."

Sobre que tipo de anomalias são reportadas neste sistema de sorteio, Carlos Costa Brito responde que "não há anomalias significativas registadas no sistema" mas adianta: "Muitas vezes o problema tem a ver com a máquina e nunca com a execução do algoritmo do software. Nós damos respostas de anomalias a pedido das entidades, respondemos às solicitações dos tribunais, não há qualquer sistema de alerta definido, porque nunca foi solicitado."

Comentários
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  • ze
    05 mar, 2020 aldeia 08:34
    É assim nesta "ditadura"socialista numa republica das bananas,todos se amanham á grande e nunca são presos......banqueiros,politicos,juizes etc.....só funciona bem e rápido para o peixe miudo.
  • Lv
    04 mar, 2020 Lx 22:49
    Na justiça a corrupção é proporcional ao cargo na hierarquia. Não foi o CSM, que mentiu, quando optou por atribui o processo Marques ao Super-Saloio,em mão,, argumentando falsamente com problema informático ?!
  • Filipe
    04 mar, 2020 évora 20:46
    A justiça em Portugal é como os traficantes de droga ... apanham um aqui ... um acolá , e os podres que começam logo nas Polícias ... Ministério Público ... lá vão indo uns escondidos outros às caras . Criem um departamento autónomo e façam escutas aleatórias , vão descobrir um enxame de abelhas .

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